sexta-feira, 26 de junho de 2009

Dois poemas de Carlos Anísio Melhor

O tempo e a memória

Fica-te aí parada na memória.
Reveste de outono a luz da face
Oh Sempre Adormecida, que a vitória
Do Amor é conservar consigo a face.

E, assim, vencer o tempo na memória
E atingir o eterno no traspasse
Fatal. Trazendo adiante na memória
A visão emblemática da face.

Na ilha de agosto faze tua morada,
E em setembro hás de surgir do Nada,
Se extática ficares na memória.

Que nunca apareceste na jornada,
Ou houveres sido, existirás Amada
Se ficares presente na memória.

Sanatório Bahia
22.03.1960


Elegia para Hart Crane

Escuro é o espaço em que vivemos,
Onde as formas não conseguem penetrar
Ocultamente, a noite dos sentidos
Não revela o esforço de se amar.

Desolado em seu ermo, ninguém penetrará
O estreito círculo de poucas sensações;
Pois a ninfa é muda, esquecida a Palavra
Com que Hermes nos faz ressuscitar.

Os que amaram os dias já perdidos
E nesse escuro poço buscam o devenir,
Fugitivos do Aqui e do Agora
Oh tristes marinheiros
O porto é navegar.

Luz somente à superfície o sol
E, jacentes, abandonados fomos sob o mar,
Entre véus de coral — palavra oculta
Nos beija os lábios esquecidos de beijar.

Todo o fundo do mar é tão cruel,
Como o esquecido lugar de nossa origem.
Apenas um filho consegue retornar
Ao seio da Mãe que simboliza o Mar.

1959.

NOTA:
Ruy Espinheira Filho, em referência ao livro “Canto Agônico”, Civilização Brasileira, 1982, disse: "Autores de livros de poemas existem em número incontável, mas os poetas são raros, raríssimos – e entre estes está, seguramente, Carlos Anísio Melhor. Por isso, este não é apenas um livro de poemas. É mais, muito mais: é um livro de poeta."
Carlos Anísio Melhor escreveu a maior parte da sua obra internado em sanatórios na Bahia por problemas com o alcoolismo.

Um comentário:

jailson disse...

Alegro-me ao ver a poesia de C. A. Melhor "invadindo' o ciberespaço. "Canto Agônico" está sempre ao alcance de minhas mãos, diria mais: ao alcance de meus olhos.

grato.