quinta-feira, 11 de junho de 2009

200 anos de Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe, escritor de cadiz gótico, é homenageado neste momento pela passagem dos seus 200 anos de nascimento. Seu poema mais conhecido é “O Corvo”. O clássico poema de Poe, resumidamente, se passa em um ambiente solitário e triste. O protagonista, que havia acabado de perder sua companheira Lenore, encontra-se no único quarto iluminado de uma enorme casa. No meio de uma tempestade, à meia-noite, enquanto estuda, o narrador escuta baterem à sua porta. Abre-a e nada encontra. Em seguida a batida é à janela e, abrindo-a, entra um corvo, a ave do mau agouro, que pousa sobre um busto de Atena, a deusa da arte e da sabedoria. O narrador, triste e melancólico pela morte da amada, chega a achar graça do acontecido. Em tom de brincadeira, pergunta ao corvo como se chama, ao que este, para espanto daquele, responde: “Nunca mais”. A partir daí lança-se a perguntas sucessivas e desesperadas ao corvo sobre se irá um dia rever sua amada, ao que o corvo responde sempre o seu nefasto “nunca mais”.
Quanto à estrutura do original, “The Raven” é composto por 18 estrofes idênticas, todas com seis versos. Cada um desses tem sempre as mesmas características: os versos 1 a 5 têm 14 sílabas, com cesura; já o sexto é um heptassílabo. Dentro dessa estrutura, durante todo o poema, é perceptível o intenso uso de aliterações e assonâncias, rimas e repetições homófonas, o que dá ao texto uma cadência e um “clima” sonoro dos quais decorre grande encantamento, configurando-se num ótimo desafio para os tradutores.

Aliás, muitos foram os tradutores que se lançaram nessa aventura em língua portuguesa, de Machado de Assis a Alexei Bueno, passando por Fernando Pessoa. Especialistas em tradução, como Ivo Barroso, apontam a de Milton Amado como a mais completa e genial.

O corvo superou o discurso meramente emotivo pelas suas qualidades poéticas intrínsecas e se tornou um exemplo de texto de análise para ser meditado.

O CORVO (TRECHOS)
Tradução de Milton Amado

Ah! claramente eu o relembro! Era no gélido dezembro
E o fogo, agônico, animava o chão de sombras fantasmais.
Ansiando ver a noite finda, em vão, a ler, buscava ainda
Algum remédio à amarga, infinda, atroz saudade de Lenora-
Essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora
E nome aqui já não tem mais.
(...)
A seda rubra da cortina arfava em lúgubre surdina,
Arrepiando-me e evocando ignotos medos sepulcrais.
De susto, em pávida arritmia, o coração veloz batia
E a sossegá-lo eu repetia: "É um visitante e pede abrigo.
Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo.
É apenas isso e nada mais."

Ergui-me após e, calmo enfim, sem hesitar, falei assim:
"Perdoai, senhora, ou meu senhor, se há muito aí fora me esperais;
Mas é que estava adormecido e foi tão débil o batido,
Que eu mal podia ter ouvido alguém chamar à minha porta,
Assim de leve, em hora morta." Escancarei então a porta:
Escuridão, e nada mais.

Sondei a noite erma e tranqüila, olhei-a a fundo, a perquiri-la,
Sonhando sonhos que ninguém, ninguém ousou sonhar iguais.
Estarrecido de ânsia e medo, ante o negror imoto e quedo,
Só um nome ouvi (quase em segredo eu o dizia) e foi: "Lenora!"
E o eco, em voz evocadora, o repetiu também: "Lenora!"
Depois, silêncio e nada mais.

Com a alma em febre, eu novamente entrei no quarto e, de repente,
Mais forte, o ruído recomeça e repercute nos vitrais.
"É na janela" - penso então. - "Por que agitar-me de aflição-
Conserva a calma, coração! É na janela, onde, agourento,
O vento sopra. É só do vento esse rumor surdo e agourento.
É o vento só e nada mais."

Abro a janela e eis que, em tumulto, a esvoaçar, penetra um vulto:
É um Corvo hierático e soberbo, egresso de eras ancestrais.
Como um fidalgo passa, augusto e, sem notar sequer meu susto,
Adeja e pousa sobre o busto - uma escultura de Minerva,
Bem sobre a porta; e se conserva ali, no busto de Minerva,
Empoleirado e nada mais.

Ao ver da ave austera e escura a soleníssima figura,
Desperta em mim um leve riso, a distrair-me de meus ais.
"Sem crista embora, ó Corvo antigo e singular" - então lhe digo -
"Não tens pavor. Fala comigo, alma da noite, espectro torvo!"
Qual é teu nome, ó nobre Corvo, o nome teu no inferno torvo!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
(...)
"Profeta!" exclamo. "Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal!
Pelo alto céu, por esse Deus que adoram todos os mortais,
Fala se esta alma sob o guante atroz da dor, no Éden distante,
Verá a deusa fulgurante a quem nos céus chamam Lenora,
Essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"

"Seja isso a nossa despedida! ? ergo-me e grito, alma incendida. -
Volta de novo à tempestade, aos negros antros infernais!
Nem leve pluma de ti reste aqui, que tal mentira ateste!
Deixa-me só neste ermo agreste! Alça teu vôo dessa porta!
Retira a garra que me corta o peito e vai-te dessa porta!"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"

E lá ficou! Hirto, sombrio, ainda hoje o vejo, horas a fio,
Sobre o alvo busto de Minerva, inerte, sempre em meus umbrais.
No seu olhar medonho e enorme o anjo do mal, em sonhos, dorme,
E a luz da lâmpada, disforme, atira ao chão a sua sombra.
Nela, que ondula sobre a alfombra, está minha alma; e, presa à sombra,
Não há de erguer-se, ai! nunca mais!


Não deixem de assistir esse vídeo:

2 comentários:

Gerana disse...

Não sei, gosto mais da tradução de Machado.
GF: falarei de você e seu blog no dia 17 na ALB. Veja lá no Leitora o convite.

piligra disse...

Caro gustavo,
obrigado pelo comentário e parabéns pelo seu blog, a cada dia mais surpreendente e abusado...
um abraço sincero
piligra