terça-feira, 31 de março de 2009

clique na imagem para vê-la em tamanho maior

domingo, 29 de março de 2009

Antecipando o dia mundial da mentira...

Um país de mentiras
Marcelo Torres(*)

O Brasil está tão impregnado de falácias e engodos que até mesmo o dia mundialmente dedicado à mentira - o 1º de abril - por aqui tem passado despercebido nos últimos tempos. Convivendo cotidianamente com toda ordem de golpes, fraudes e falcatruas, ouvindo coisas como "ausência do Estado" e "crime organizado", o brasileiro já nem se lembra de criar mentirinhas lúdicas nesta data específica.
O que é, afinal, o sistema político brasileiro senão uma grandessíssima mentira? E os partidos políticos, esses sacos de secos e molhados, o que são senão legendas de aluguel, de compra, de venda e de troca? E os cargos de vices (prefeito, governador e presidente), o que são senão falácias? Aqui, suplentes anônimos viram senadores da República sem nunca terem recebido um voto sequer.
O que parecem os nomes e a retórica dos partidos, senão mentiras? Todos, na retórica, defendem bandeiras aparentemente corretas, mas vivem se enlameando em coisas erradas, a prática desmentindo o discurso. Uma das ironias do sistema partidário é que a legenda que abriga antigos apoiadores da ditadura, filhos do PFL e netos do PDS tem nome oficial Partido dos Democratas; e a imprensa os trata como "o deputado democrata", "o senador democrata".
A maior e mais velha agremiação partidária brasileira - o PMDB - é uma grande mentira; aliás, é um antro de corrupção, segundo testemunho de um dos seus senadores, Jarbas Vasconcelos, que não foi desmentido por ninguém, nem mesmo pela direção do partido, o que nos leva a acreditar que ele falou a verdade nua e crua.
O Congresso Nacional é presidido pela terceira vez por um senador cujo mandato é uma aberração, para não dizer que é uma mentira. Só num país de mentiras para um cacique político de um estado, o Maranhão, se eleger - e diversas vezes! - por outro, o Amapá, sem domicílio eleitoral anterior, sem ter propriedades lá, sem qualquer ligação com o estado.
O que são, afinal, as corregedorias e comissões de ética da Câmara e do Senado, senão umas mentirinhas (ou grandes mentiras)? O que são as quase seis mil câmaras de vereadores deste país senão legislativos fictícios? Para a vida prática da população, para os interesses da coletividade num município, para que servem, na prática, os cerca de 70 mil vereadores?
No Brasil, em todos os níveis e esferas, as eleições são tidas e havidas como 'as vozes das urnas', 'a vontade livre e soberana do povo' e 'a festa da democracia', mas, na verdade, elas quase sempre são disputas vencidas pelo abuso do poder econômico, pelo uso e abuso da máquina administrativa, sem falar na compra direta e indireta de votos.
Em cada município, em cada estado e no âmbito federal, as alianças, os conchavos, os acordos, as composições, as contas, os financiamentos, as promessas, os programas, as propagandas e até mesmo algumas pesquisas estão mais próximas de mentiras nebulosas que de verdades transparentes.
O que é a representação política neste país senão uma mentira deslavada? O eleito recebe uma procuração coletiva (votos) e passa a exercer o mandato como quer e bem entende, como se este fosse de sua propriedade privada, atuando a seu bel prazer, muitas vezes para gozar benefícios pessoais não republicanos e satisfazer interesses próprios escusos.
Que brasileiro pode acreditar que vivemos num "Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos", como está escrito nas primeiras linhas da chamada Constituição Cidadã?
Ao ler a Constituição, quando lê, o brasileiro tem a sensação de estar lendo um texto de ficção e fica sonhando: "Ah, se isso tudo fosse verdade!" Você vê que o primeiro artigo, a primeira alínea estabelece a soberania como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, e lembra que semanas atrás o príncipe Charles veio ao país dizer o que se deve fazer com a Amazônia.
A independência entre os poderes da República é uma mentira, aliás, é produto de um ato clandestino, um enxerto, pois foi incluído às escondidas, sem ter sido votado. E quem confessou isso foi o próprio autor, o ex-deputado constituinte Nelson Jobim, em entrevista a O Globo, em outubro de 2003, quando ainda era ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Se vivêssemos num país sério, sob um Estado Democrático que tem a Justiça como um de seus “valores supremos”, Jobim seria punido. Mas, ao contrário, ele acabou foi promovido, elevado a presidente da maior corte de justiça do país; depois virou ministro da Defesa e tem pretensões de ser presidente da República.
Está no papel, ou melhor, está fixado na Constituição que para ser ministro do STF a pessoa deve possuir "notável saber jurídico e reputação ilibada". Isto é cumprido? Você acredita? Aliás, a Constituição também prevê que só deve ser editada medida provisória em casos de relevância e urgência, o que é outra grande pública e notória mentira nacional.
No país das mentiras prontas, medida provisória há muito tempo virou coisa permanente. Outra mentira foi a CPMF: dizia-se que o dinheiro era para custear a saúde, mas todo mundo sabe que a grana era sempre desviada. A “contribuição” seria provisória, mas durou década e meia, foi morta, porém pode ser ressuscitada em forma de CSS ou outro nome de mentirinha.
Quando o prazo de validade do imposto se expirou, os defensores e os contrários inverteram os papéis: os que antes eram favoráveis mudaram de opinião e ficaram contra; e os que antes eram contrários agora viraram a favor da CPMF desde criancinha. Conclui-se que, antes ou depois, os dois lados não falavam a verdade - para não dizer que falavam mentiras.
Um político hoje governador, quando senador, foi acusado de violar o sigilo de votação do painel do Senado federal. Então, foi à tribuna, chorou, discursou, jurou inocência, mostrou um catatau de papéis e, no fim das contas, o país descobriu que era tudo um teatro, uma mentira - provas forjadas, testemunhas arranjadas.
A gente vê o slogan do governo - “Brasil, um país de todos” – e pensa “Quem dera fosse verdade!” O parágrafo único do artigo primeiro da nossa Carta Magna diz que “todo poder emana do povo”, vírgula, “que o exerce por meio de representantes eleitos”. Ah!, se fosse verdade! E tem mais: “todos são iguais perante as leis”. Bem, vamos parar por aqui. Hoje é 1º de abril, mas chega de mentiras!

Marcelo Torres, baiano, formado em Jornalismo (Universidade Federal da Bahia), pós-graduado em Jornalismo Literário (Academia Brasileira de Jornalismo Literário) e em Gestão da Comunicação nas Organizações (Universidade Católica de Brasília).
Blog do Marcelo Torres: http://marcelotorres.zip.net/

quinta-feira, 26 de março de 2009

Distribuição gratuita de obras de arte?

Em São Paulo. Vale conferir.
Free Art Fest é um evento que expõe e distribui obras de arte de artistas do mundo todo, gratuitamente! Os locais das exposições são públicos, privados, legais ou ilegais. Criada pelo artista Gejo, foi lançada pela primeira vez no Brasil em 2008, com organização da Revista Elementos e Cidade Escola Aprendiz.
No primeiro evento da América do Sul, o tema foi a exposiçao mundial de Free Art "It's Yours Take It!" e foi realizado no Beco da Vila, local tradicional do Graffiti paulistano e artistas em geral na Vila Madalena.
Nesta segunda edição com o tema "Dia do Graffiti", sai da Vila Madalena e sobe para os jardins, de espaço público entra para dentro da galeria de arte, mas com o mesmo propósito, ARTE PARA TODOS!

Datas:
27 de março (sexta) - das 18h às 21h - (exposição até as 20h, em seguida distribuição de senhas e entrega das obras até às 21h)
28 de março (sábado) - das 11h às 15h - (exposição até às 14h, em seguida distribuição de senhas e entrega das obras até às 15h)

Local:
Mônica Filgueiras Galeria de Arte
Rua Bela Cintra, 1.533 - Jardins

sábado, 21 de março de 2009

INFÂNCIA RECONTADA - PARTE IV

A SEGUNDA PARTIDA

A segunda partida aconteceu em um ensolarado dia de domingo, pela tarde, e como estava em casa, de lá mesmo fui ao estádio que fica a menos de trezentos metros de onde morávamos. Durante a semana, a expectativa havia sido grande, tanto para mim quanto para meus colegas, pois seria a primeira vez que jogaríamos no Bento de Abreu, um campo enorme para aqueles que não estavam acostumados aos padrões oficiais, apenas aos campinhos do educandário e alguns outros do bairro. Seria uma barra.
Peguei meus apetrechos, chuteira, caneleira e meião, os coloquei na sacola, me despedi da minha mãe, do garninsé, e peguei meu rumo. Logo de cara encontrei com Flávio, também conhecido como Astromar, contei sobre o jogo e ele, claro, não acreditou. O deixei no portão de sua casa e segui, ganhei a Rua Vicente Ferreira, passei em frente a uma casa que vendia frango assado naqueles cineminhas de cachorro e em frente ao Karica, cuja calçada, àquela hora, já estava cheia de homens tomando a sua cerveja e beliscando uns petiscos. Parei no bar do pai do Hideo, japonês bom de bola, para comprar chicletes. Foi o próprio Hideo que me atendeu. Contei ao meu amigo sobre o jogo daquela tarde, mas ele, do mesmo modo que Flávio, também duvidou de mim. Nem liguei. Peguei meus chicletes e em instantes me encontrei com a turma toda e nossos educadores em frente ao estádio. Todos estavam apreensivos.
Qualquer boleiro gostaria de estar no meu lugar, por isso ninguém acreditou que jogaria uma partida no mesmo local onde já pisaram craques como Sócrates e Ademir da Guia, Dario Pereira ou Dicá, o tapete consagrado do Abreuzão, o mesmo local onde Zé Guimarães desfilava semanalmente o seu charme desengonçado e que naquela tarde, além dos meus dribles, receberia a trupe do Cilinho: Silas, Muller, Sidney, Raí e Cia. Acho que nem minha mãe acreditou muito em mim.
Entramos por um dos portões laterais e nos trocamos atrás do muro onde antigamente funcionava o placar do estádio. Dali podia ouvir o burburinho da torcida chegando. Tive calafrios. Cruzamos a pista de atletismo, a caixa de salto a distância, os poucos metros que nos separavam da linha de fundo e pisamos o campo com o pé direito, que é pra não dar zica. O juiz chamou todos ao círculo central e explicou: “esse é um jogo comemorativo, não quero ver ninguém dar pancada”, “entendido?”. Colocou a bola no centro, chamou os capitães, tirou par ou ímpar e deu início à peleja.
Daquela vez, além de colocar um lateral para me marcar, o técnico adversário também havia providenciado outro jogador para ficar na sobra, o que veio a dificultar muito as minhas ações. Até quando eu vinha procurar jogo na intermediária um deles estava no meu calcanhar, me perseguindo, segurando minha camisa mesmo quando estava longe da jogada. Um horror! E como se não bastasse, eles ainda abriram o placar no finalzinho do primeiro tempo.
Um a zero pra eles. Será que sofreríamos a primeira derrota para a filantrópica logo naquele dia? Eu não podia acreditar! Veio o intervalo e Genaro queria me substituir, mas Seo Adão o convenceu a me colocar para jogar no lado oposto, na ponta esquerda, dessa vez, “caindo pelo meio”, dizia ele.
Faltava menos de uma hora para iniciar o jogo do Marília contra o São Paulo e o estádio estava bem cheio. Sol a pino, havia chegado a hora de dar um pouco mais. Chamei Edvane, o nosso centro-avante, e recomendei que chegasse mais junto de mim, que ficasse por perto para fazermos umas tabelinhas como fazíamos no time do campeonato interno do educandário.
Não deu outra. Logo na primeira jogada deixamos o marcador a ver navios e ganhamos um escanteio. Como não conseguíamos centrar a bola do local original, na junção da linha lateral com a linha de fundo, como fazem os profissionais, o juiz a pôs na marca de grande área. Fui para a cobrança, pois era, no meu time, o menino que tinha mais força nas pernas. Ajeitei a bola com carinho, reuni todas as minhas energias e dei um chutão que saiu rasteiro, no meio do bolo, ao invés de ir por cima, na cabeça, como desejava. Por sorte, a bola passou por todo mundo, mas não passou pelo Edvane, que concluiu de chapa, empatando o jogo.
Participei do jogo todo com entusiasmo, me esforcei, mas, pelo que podem ver, não foi o suficiente para levarmos a vitória pra casa. O jogo terminou mesmo empatado. Eu queria muito ganhar aquela partida e também fazer um gol, mas talvez não fosse bom o bastante quanto o Fernando Sabino que, diz ele, em seu “O menino no espelho”, teria entrado com bola e tudo na meta adversária, jogando entre os adultos. Isso, depois de driblar um e outro, deixando para traz a defesa adversária, passando debaixo das pernas do goleiro para marcar o gol da vitória do seu time. Exatamente como eu gostaria de fazer.

quinta-feira, 19 de março de 2009

A liberdade está morta

Sosígenes Costa

A liberdade está morta
com seus cabelos tão longos,
com seus cabelos boiando
no mar em que se afogou.

A liberdade está morta
com seus cabelos desnastros.
Caiu, coitada, dos astros
no mar em que se afogou.

A liberdade está morta
com seus cabelos compridos
que eu desejava beijar.

A liberdade está morta.
Lá vão os homens buscá-la
naqueles barcos de vela,
naqueles barcos com asas.

Lá vão os cisnes marinhos
na água azul e sonora.

Lá vão os cisnes no mar
buscar a deusa da aurora.

Lá vão as aves buscá-la
para guardá-la em seus ninhos.

A liberdade está morta
e coroada de espinho.

A poesia de Sosígenes Costa nos arrebata pela pungência dos seus versos, pela espiritualização da carne e pela carnalização do espírito. Nela, reflete-se viva a adequação ao jeito barroco, sem dúvida parte efetiva e afetiva na formação desse poeta que, pela sensibilidade e originalidade, tornou-se, seguramente, um dos mais potentes poetas baianos de todos os tempos e, sem sombra de dúvidas, tornar-se-á, caso o cabotinismo dos cariocas e paulistas lhe permita, um dos mais expressivos e populares poetas brasileiros.

terça-feira, 17 de março de 2009

BLUES PARA MARÍLIA

(confissões de um mariliense)

Para Carlos Drummond de Andrade


Penso todos os dias em Marília.
Sobretudo penso em tudo que deixei por lá:
os companheiros de infância, minha mãe,
o pão caseiro feito pela Tia Vilder,
as férias em Panorama.
Penso principalmente no cheiro do café
(tenho cem por cento de café no sangue),
café bom das lavras da Fazenda Cascata
que já não existe mais.
Marília são flashes na memória:
os passeios pela Praça São Bento,
as visitas ao Paço Municipal.
Por isso esse velho Blues,
esse reverso n’alma,
o silêncio que revolve a voz
e o olhar demorado para as coisas sem sentido.
Marília é tudo que ainda sangra.


Ilhéus
2009. IX

sábado, 14 de março de 2009

NO DIA NACIONAL DA POESIA

Reproduzimos um artigo de Bruno Tolentino sobre a poesia de Castro Alves

Castro Alves Contemporâneo

Castro Alves não envelheceu, antes redimiu o tempo. E não o seu tempo, nem o nosso, mas a noção mesma do tempo como inimigo do belo e carrasco do ser. Sua obra, que acabei de reler a par com o melhor de Wordsworth e Byron, desafia galhardamente aquela noção e sai-se bem dos dois confrontos. O século e quebrados que nos separa daquela assombrosa produção de apenas sete anos de ofício na curta vida de um jovem vai-se ele mesmo encurtando a cada página relida. Relê-las é humilhar o tempo que acreditávamos o dono de tudo; a esse roedor só de nossas pobres certezas e categorias assumidas, assistimos ao poeta i-lo despindo de seu poder de parálise pela tensão viva de cada estrofe, não raro de cada verso num inteiro poema. Vamos voltando assim à "Cachoeira de Paulo Afonso" como retomamos, por exemplo, com Wordsworth a "Tintern Abbey"; nada mudou porque tudo foi transfigurado de uma vez por todas. Se em "Child Harold" pareceu-me notar-lhe algo de uma neve senil nas têmporas e nas cadências, em "Mocidade e Morte" a mesma voz nos chega da dolorosa paixão de um jovem que ouvia e ecoava na mais fina música da mente os passos da morte certa. O que repõe a questão do poder "atemporal" — dito de transfiguração — da linguagem de poesia. E no que consiste isso, que significa essa não temporalidade? Distinto daquela derrapante dimensão "intemporal" incompatível com o dizer poético (o qual supõe a busca de uma concreção do pensamento longe de todo idealismo abstrato), esse poder de manter em vida aquilo de que o mero tempo das cronologias faz carniça, paradoxalmente reside numa só capacidade a conquistar pela poesia: a de arraigar-se num dado momento com toda a força das sutilezas do espírito. Quem diria! Elevar um discurso para fora do alcance do poder letal do tempo significa, justamente, temporalizar ao mais alto grau as coisas e as linguagens da mente... Estou dizendo que o poeta máximo é aquele cujo dizer, fundado nas coisas deste mundo, num presente vivido, tende de modo natural àquelas alturas do pensamento a que convergem o universal, os mistérios da sensibilidade de um povo e as sutilezas de seu idioma. A partir de então este pode "mudar" o quanto seja — e nosso léxico preferencial e até nossa sintaxe mudaram muito desde a composição de "Vozes d'África" — mas não lhe será mais possível furtar nada ao impacto emotivo-verbal que a um dado ponto na história nele encarnou-se perfeitamente.
Estou arriscando sugerir que só a emoção bruta ("gut emotion") tornada linguagem ao seu mais puro grau salva das garras de abutre do tempo a fragilidade do ser, a realidade. A arte (e não só a da palavra, esse nosso "lugar no tempo") consegue ser nossa única perenidade revisitada; mas apenas quando se queira um antídoto — o único de que dispomos, contra as tentações da "intemporalidade", vale dizer, da abstração. Esta última, ainda quando tenha parecido esplêndida, envelhece. Hugo envelheceu, se pouco; Vigny, que lhe prefiro, algo menos; mas tenho que, onde ambos lograram driblar até certo ponto a "lenda dos séculos", foi onde arrancaram à fala do dia-a-dia as coisas e as crenças de um momento e as limparam de toda banalidade corriqueira, tornando-as noções antes de elevá-las a cumes de uma impensável grandeza. Já Samuel Johnson é hoje quase risível, uma ponderosa irrelevância. Browning temo que empalideça a cada nova leitura, seu olhar ocluso e empostado parece suportar mal as ferrugens combinadas do tempo e da Idéia... A pretensa poesia de Voltaire morreu como o aborto de uma retórica abolida. Os exemplos são inúmeros. A abstração e a poesia jamais se entenderam.

Dito isto, noto que, como em Wordsworth, o que apaixona em Castro Alves não é sua paixão pelas idéias, ou mesmo pela vida ou pelo mundo que a continha em suas contingências; é a radical "tradução" que ele faz destas minúcias nos termos de uma linguagem exaltada, mas paralela ao coloquial e limpa de maneirismos, e que por isso mesmo nos chega trazendo tudo aquilo intacto mais de cem anos depois. Arrisco portanto deduzir que a sua, como a do vate inglês da natureza, foi uma arte do aqui-e-agora, a visão do fotógrafo ancorado no imediato; mas, transfigurados no poema pela linguagem nobre a que ambos souberam transpor os ângulos do cotidiano, esses "instantâneos" no contingente deixam ipso facto de pertencer apenas a uma época, a um específico "lugar no tempo". E concluo que esse roedor, o tempo que data e destrói, concede direitos de soberania a todo triunfo do espírito fundado no particular. Triunfo esse dependente, por sua parte, da renovação de um certo imprescindível fio transmissor a que chamarei agora (por empréstimo a Antônio Paulo Graça) de sensibilidade. É um conceito que venho testando contra as instâncias da melhor arte do passado, e com Castro Alves obtive um dos melhores resultados.
Em certo Byron cheguei a suspeitar que a linguagem, em que pese a mestria incontestável, se tivesse em certa medida adelgaçado com o adensamento progressivo da língua inglesa desde seus tempos. Ora, nosso idioma não padeceu menos esse processo, seja com a noção suicida de "ruptura" entre os excessos de 22, seja com as adiposidades e modismos acumulados desde então. Sente-se e escreve-se cada vez mais crassamente o que se fala mal. E, no entanto, em Castro Alves não percebo um emagrecimento da substância, nem um enfraquecimento da pujança verbal. Sua leveza de tom continua segura e firme, sua pungência modulada e convincente. Essas espumas flutuam sem medo nas corredeiras do tempo, foram de contingência em contingência e a todas lhes sobreviveram. Restaria perguntar-se por quê. Talvez seja que, ao oposto daquele outro genial capenga, seu verso continha todas as impurezas do real, somadas a uma aderência algo mais estrita àquelas "coisas da mente" que, ditas com a transparente singeleza e a famosa paixão que o tornaram ilustre e amado, via assegurar que aquela voz tão sua, tão temporal, cruzasse, negasse o tempo e viesse inteira até nós, aos justos festejos deste sesquicentenário. Se não é algo assim o cristalino segredo da perenidade de Antonio Castro Alves, não sei o que seja.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Lula Côrtes, genial!

capa do LP Paêbiru

Assisti a Lula Côrtes e banda Má Companhia faz poucos dias na Tv Cultura, no programa do Roge de Renor, o fenomenal Som na Rural e fiquei espantado com a qualidade e a pegada do Rock’n Roll. Na apresentação Lula mistura o mais autêntico rock com versos de Zé Limeira e mostra canções que fez com Alceu Valença e Zé Ramalho. Aliás, um de seus discos, Paêbiru, foi feito em parceria com Zé Ramalho, na Pedra do Ingá, um sítio arqueológico com aproximadamente seis mil anos, sendo considerado o disco mais caro do mundo, vale cerca de seis mil reais.

Ouçam Versos perversos:
http://www.youtube.com/watch?v=ktMCkGHyPRk

terça-feira, 10 de março de 2009

Ilustrações para O Amor Natural de Drummond


O Pouso da Palavra, casa de cultura do nosso amigo e poeta Damário Dacruz (sic), situada em Cachoeira, abrirá seu espaço de arte, cultura e comunicação para receber, neste sábado, 14 de março, dia nacional da poesia, a partir das 21h, a exposição “Ilustrações para O Amor Natural de Drummond”, do artista baiano Gabriel Ferreira. A mostra tem caráter erótico, entretanto, sem agressão e coberta de uma boa sintonia entre os corpos ali expostos.
Essa mostra abrirá um ciclo de várias outras. Não houve data melhor que o 14 de março – já que é o dia nacional da poesia – para a abertura de uma exposição que retrata O Amor Natural do grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Estarei lá, prestigiando os amigos. Vá você também! Cachoeira possui uma rede hoteleira de boa qualidade e com preços acessíveis.

Pouso da Palavra – Praça da Aclamação, n° 08. Cachoeira-Ba.
ENTRADA: Franca
Obs.: a exposição se estenderá até o dia 29 de março de 2009.

Blog do Gabriel: http://www.sougabrielferreira.blogspot.com/

O Cordel na Bahia I

Rodolfo Coelho Cavalcanti
Por Maria do Rosário Pinto
Rodolfo não era baiano, mas residindo na Bahia foi que escreveu e publicou a maior parte da sua obra, hoje comparada em importância com a de grandes poetas como Leandro Gomes de Barros, precursor do cordel. (Nota e seleção de Gustavo Felicíssimo)

Rodolfo Coelho Cavalcanti nasceu em Rio Largo (AL) em 1919. Entretanto, consta do registro de nascimento a data de 1917. Filho de Arthur de Holanda Cavalcante e Maria Coelho Cavalcante, foi criado pelos avós maternos até os 8 anos, quando retorna à casa dos pais. As constantes mudanças entre Maceió e Rio Largo o obrigaram a trabalhar para ajudar no sustento familiar.
Adolescente, percorre parte do Norte e Nordeste, atuando como camelô, palhaço de circo, dentre outras atividades. Desde essa fase, já se faz notar como bom versejador, participando de pastoris, cheganças e reisados.

Defensor dos poetas

Em Parnaíba (PI), adquire folhetos do poeta e editor João Martins de Ataíde para revender, começando assim sua vida de folheteiro. Instala-se em Salvador (BA), em 1945, firmando-se como defensor e líder da classe de poetas. Publica folheto dedicado ao governador Otávio Mangabeira, que libera poetas, cantadores e folheteiros da proibição de comercializarem seus produtos em praças públicas. Publicou principalmente em Salvador e Jequié; formou uma vasta rede de agentes distribuidores em todo o Nordeste, editou também na Prelúdio (SP).
Realizou na Bahia, em 1955, o I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros. Como jornalista, fundou alguns periódicos, como A Voz do Trovador, O Trovador e Brasil Poético.
Percorreu vários temas da literatura de cordel, os mais recorrentes foram os abecês, biografias, cantorias e fatos do cotidiano. Foi também tema de vários poetas e pesquisadores da literatura de cordel.

Folhetos artesanais

Seus folhetos, em sua maioria, de oito páginas, com capas em xilogravuras ou clichês, eram confeccionados artesanalmente, com a ajuda dos filhos. Somente a impressão era feita em tipografias.
Publica o primeiro folheto, Os clamores dos incêndios em Teresina. Publica o ABC de Otávio Mangabeira, em 1949; ABC da praça Cayrú, [19--]; ABC de Getúlio Vargas, [19--]. Seu primeiro grande sucesso de vendas foi A volta de Getúlio, de 1950. Na Prelúdio (SP), os folhetos ABC dos namorados, do Amor, do Beijo e da Dança e A Chegada de Lampião no Céu, ambos em 1959.
Morreu em 1986. Pouco antes, enviou trova para o II Concurso de Trovas de Belém do Pará: “Quando este mundo eu deixar / A ninguém direi adeus / Dos poetas quero levar / Suas trovas para Deus.

A Chegada de Lampeão no Céu
(estrofes I a VI)

Lampeão foi no inferno
Ao depois no céu chegou
São Pedro estava na porta
Lampeão então falou:
- Meu velho não tenha medo
Me diga quem é São Pedro.

E logo o rifle puxou
São Pedro desconfiado
Perguntou ao valentão
Quem é você meu amigo
Que anda com este rojão?
Virgulino respondeu:
- Se não sabe quem sou eu
Vou dizer: Sou Lampeão.

São Pedro se estremeceu
Quase que perdeu o tino
Sabendo que Lampeão
Era um terrível assassino
Respondeu balbuciando
O senhor...está...falando
Com...São Pedro...Virgulino!

Lampeão disse está bem
Procure que quero ver
Se acaso não tem aí
O meu nome pode crer
Quero saber o motivo
Pois não sou filho adotivo
Pra que fizeram-me nascer?

A Editora Hedra publicou uma antologia da obra do autor. Veja no link:
http://hedra.com.br/home/index.php?PHPSESSION_HEDRA=sess&id=7&livro_id=48&area%5B%5D=catalogo&area%5B%5D=detalhes

domingo, 8 de março de 2009

Centenário de Patativa do Assaré

Se vivo fosse, neste último 05 de março, Antônio Gonçalves da Silva, o grandioso Patativa do Assaré, nascido em um sítio na Serra do Santana, distante 18 km da cidade de Assaré, sertão cearense, estaria comemorando 100 anos. Sua obra é grande e grandiosa, não a toa foi outorgado a ele, em outubro de 1999, pela Universidade Federal do Ceará, o título de Doutor Honoris Causas.
A obra do poeta de “A triste partida” e de outros tantos clássicos não raramente é confundida como cordelística, o que não é exatamente uma verdade, pois o cordel foi a vertente literária em que menos Patativa criou, apenas 16 títulos, conforme aponta o livro de cordéis que tenho em minhas mãos, publicado pela UFC Edições, dentro da Coleção Nordestina, iniciativa de algumas das editoras universitárias aqui do nordeste.
Patativa dedicou sua vida e arte a produção de poesia popular, matuta, típica do sertão nordestino. Destacou-se também como compositor e improvisador, sempre atento à métrica e às tradições, versejando em redondilhas e decassílabos. Não obstante, vale ressaltar que apesar de ter criado alguns cordéis, nunca se considerou um cordelista. Um dos seus poemas antológicos é “Aos Poetas Clássicos”, que reproduzimos na íntegra. Espero que gostem!


Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
— Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

Dêste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.

sábado, 7 de março de 2009

SÃO PAULO F.C.

Para Rogério Ceni e Aleilton Fonseca


Sabe-se lá o que é torcer,
cantar, vibrar por este time,
esta nação de tricolores
cuja memória é sublime,

que no presente honra o passado
e no gramado é respeitado,

é destemido e vencedor,
tão imponente quanto o sol
e tão valente até na dor?

Sabe-se lá o que é torcer,
ser são-paulino até morrer?
Hino do São Paulo:

sexta-feira, 6 de março de 2009

POIS É, ZICO!

Pela passagem do seu 56º aniversário

No último dia 3, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, comemorou seu 56º aniversário. Principal ídolo da história do Flamengo e um dos melhores jogadores de futebol de todos os tempos, Zico tem uma carreira marcada por gols, títulos e um comportamento elogiado até pelos adversários.
Para marcar a data resolvi escrever um poema para o “galinho”. E nada melhor que escrevê-lo dentro de uma forma, a Retranca, que foi criada por Alberto da Cunha Melo a partir das observações da formação de um time de futebol, com onze versos e um esquema rímico e estrófico bem definido, aparentando-se a um esquema tático.
O próprio Alberto da Cunha Melo já havia homenageado outras duas feras dos gramados com seus versos, Garrincha e Romário, com dois belíssimos poemas que reproduzimos na seqüência.


ZICO
Gustavo Felicíssimo

De pé em pé corre a pelota
com seu destino mal traçado,
até que encontra no caminho
quem bem lhe trate com cuidado,

toda a platéia se levanta
e o galinho se agiganta

e vai em frente, passo forte,
dribla um zagueiro, depois outro,
no pobre arqueiro dá um corte,

balança a rede sem afã:
festejos no maracanã!

Inédito: escrito em 06 de Março


ROMÁRIO
Alberto da Cunha Melo

Até parece estar no banco
Romário, o perigo parado
do réptil, no chão do inimigo,
para algum bote inesperado,

com toda uma ética malandra
vai calando toda Cassandra

que anuncia fogo no sonho
menor de um povo abandonado,
povo adiado, povo estranho,

que troca a inútil liberdade
pelo mais belo gol da tarde.

em: Meditação sob os lajedos (2002)


GARRINCHA
Alberto da Cunha Melo

A fama, Fúria, esmaga aqueles
que só buscavam seu lugar,
que chegaram antes do tempo
ou demoraram a chegar;

feita de louros radioativos,
essa coroa de cativos

da luz calcina o calendário
menor, o da vida em neblinas
de Deus, em contas de Rosário,

é o fim dos astros, estertores:
que só engorda os bastidores.

em: Meditação sob os lajedos (2002)

quinta-feira, 5 de março de 2009

DANDO A CARA A TAPA

Chico Buarque lança no final deste mês seu novo livro "Leite Derramado"

A Companhia das Letras, editora atual de Chico Buarque, anunciou que ainda neste mês será lançado “Leite Derramado”, novo romance do autor com aproximadamente 200 páginas.
O livro anterior de Chico, "Budapeste" (2003), também foi lançado pela mesma editora. O romance ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de 2003. "Budapeste" está sendo adaptado para o cinema pelo diretor Walter Carvalho. A Cia. das Letras lançou também os livros "Estorvo" (1991) e "Benjamin" (1995).

Notícia dada, devo dizer que nunca morri de amores por Chico Buarque, nem pelo compositor, tampouco pelo romancista, mas reconheço ser ele um artista diferenciado. Entretanto, nunca entendi os motivos que levam muita gente a tratá-lo como poeta, o que é uma grande idiotice, pois o próprio Chico, certa feita, ao ser chamado de poeta por um repórter o repreendeu afirmando: “não sou poeta, mas apenas um compositor popular”.
Preferências à parte, aos que teimam em tratar letrista de música popular como poeta, dizemos que até podemos afirmar, sem medo algum, que há poesia na letra de música, mas uma poesia que atende a estética da música, não a estética da literatura. Um poema, por exemplo, quando é musicado jamais deixará de ser o que é para se transformar na letra de uma música. Já uma letra de música jamais se converterá em um poema em si.
A bem da verdade, o conceito de “poesia” ao longo do tempo se tornou algo tão amplo que isso acabou se transformando em um problema de entendimento, pois, se há poesia bastante em um pôr-do-sol ou em um assassinato, converter tais elementos em um poema requer artifícios e conhecimentos específicos de um poeta. Por outro lado, empregnar-se de poesia, principalmente com um pôr-do-sol, é uma dádiva recebida por todos.


quarta-feira, 4 de março de 2009

INFÂNCIA RECONTADA - PARTE III

A PRIMEIRA PARTIDA

Ansioso, naquele dia acordei muito antes do horário habitual, despertado talvez pelos galos “tecendo a manhã”, como no antológico poema de João Cabral, e fiquei rolando na cama, de um lado para outro, ensaiando mentalmente os dribles que daria na zagueirada, antevendo as jogadas, a bola na rede adversária, afinal, é disso que vive o atacante.
Seria a primeira vez que adentraria em local tão luxuoso, que pisaria em um gramado que mais parecia um tapete. A cal delimitando detalhadamente o campo de jogo, o círculo central, a grande e a pequena área, locais com os quais possuía grande intimidade. Havia até uma pequena arquibancada para os espectadores, um prelúdio ao que encontraria na semana seguinte.
Enfim, chegou a hora de esticar os ossos, de tomar banho, arrumar a cama e descer para o café. Como sempre, lá estava Odenir servindo nossa fração matinal de creme dental, pacientemente organizando a entrada no banho. Enquanto alguns escovavam os dentes, outros caíam na água fria. Em seguida, cada menino receberia a sua toalha, vestiria o fardamento escolar e desceria ao refeitório, onde o único assunto vigente seria a partida de futebol que disputaríamos naquela tarde. Antes, uma oração coletiva, após, uma caneca de leite e pão com manteiga.
Na sala de aula, pouco adiantou a professora chamar minha atenção seguidas vezes, “sai do mundo da lua, menino”. Eu não estava ali, mas vivendo o tempo, contando cada fração de minuto, cada instante, habitando o vazio entre o anúncio do fim das aulas e a ida ao Tênis Clube, onde, finalmente, estaria vivendo o ápice da minha vida até o momento.
Nunca fora tão demorada a conclusão do trajeto entre o Educandário e um campo de jogo. Me lembro bem: percorremos a Nove de Julho até a Sampaio Vidal, passamos em frente à prefeitura, daí entramos na Rio Branco, a rua mais bonita de Marília, avistamos a biblioteca pública e o teatro municipal, cruzamos vários semáforos que para minha aflição sempre estavam fechados para nós. Em seguida, o Colégio Monsenhor Bicudo, contra o qual já havíamos jogado, e chegamos, ansiosos, mas confiantes, certos de que aquela seria uma tarde inesquecível.
Antes do jogo, a preleção. Genaro, com sua perna coxa, distribuiu as camisas, chamou todo mundo e não disse nada mais, nada menos, que aquilo que esperávamos ouvir: “vão lá e façam o que vocês sabem fazer”, “façam tudo conforme ensaiamos que nada vai dar errado”. Batata! Joguei sem a necessidade de marcar o lateral ou algum defensor.
Não demorou muito para o técnico adversário colocar um jogador na minha cola, pois logo no início do jogo já tinha feito das minhas; além de dar uns olés no lateral, havia centrado uma bola na cabeça do centro-avante. Foi quando, para minha surpresa, observei atônito que, assistindo ao jogo estavam, lado a lado, simplesmente, Pedro Pavão, Presidente do Mac, e Zé Guimarães, o grande ídolo da cidade naquele momento. Aliás, devo dizer que além de Ayrton Senna, o atleta que mais admirei em toda minha vida foi o Zé Guimarães, ponta direita, como eu. Ágil e veloz, batia com as duas e cobrava falta como ninguém. Chegou a ser vice-artilheiro de uma das edições do paulistão, não logrando a artilharia apenas por motivo de contusão. Olha eu mudando o rumo da prosa.
O time da filantrópica também havia se preparado bem e o primeiro tempo terminou com um mísero zero a zero no placar. Mas isso não duraria muito. No intervalo vieram Pedro Pavão e Zé Guimarães falar com a gente. Eu cheguei perto deles, tímido, e o Padre Agenor me perguntou: “não vai apertar a mão do seu ídolo, rapaz?”. Cumprimentei acanhadamente o artilheiro e logo voltei ao campo para o reinicio do jogo, disposto a vencer.
Genaro me tirou da ponta direita e, dada a minha estatura, mandou que jogasse no meio dos beques, enfiado. Foi o que fiz. E logo na primeira bola centrada na área deixei minha marca, recebi e testei firme. Um sonho. O goleiro nem saiu na foto e eu saí comemorando feito um louco.
Fui recompensado com inúmeras congratulações e passei a semana toda falando naquele gol. Cheguei mesmo a sonhar inúmeras vezes com ele, pois havíamos ganho a partida por causa daquele golzinho, o gol mais importante de toda a minha vida, o que pude constatar após o término da segunda partida.

terça-feira, 3 de março de 2009

ESPANTALHO

Um pássaro pousado em minha tromba
fez seu pequeno ninho onde queria,
estendeu suas garras pelas vias
onde navios passavam feito pombas.

Acordei com arrulhos de rolinhas
namorando nas minhas dobradiças,
ensujeirando as belas historinhas
de mágicos, palhaços e preguiças.

Olhei-me pelos olhos das estrelas
que despontavam nuas pelas ruas,
mas não reconheci-me, pois as suas
garatujas estavam bem magrelas.

Toquei-me e percebi algo bem falho:
eu tinha me tornado um espantalho.

9º CONCURSO DE POESIAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ

A Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, através da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, promove o 9º Concurso de Poesias, para o qual solicita a sua preciosa colaboração na divulgação.

Art. 01 – Poderão participar deste concurso poetas, escritores, professores e estudantes com idade mínima de 15 anos.

Art. 02 – O participante poderá inscrever 01 (hum) poema inédito, com tema livre, remetendo-o em disquete ou cd que será usado para a publicação dos poemas selecionados e em 05 (cinco) vias impressas em papel A4, digitadas com espaço um e meio, fonte Arial, corpo 12 (doze), de preferência apresentado devidamente corrigido.

Art. 03 – O poema deverá ser enviado dentro de envelope contendo, externamente, apenas o seguinte endereço:
9º Concurso de Poesias da Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários
Praça Dr. Augusto das Chagas Viegas, 17 – Largo do Carmo
CEP: 36.300-088 – São João del-Rei / MG

Art. 04 – Todas as folhas deverão conter apenas o pseudônimo no rodapé, sem assinatura ou qualquer tipo de identificação.

Art. 05 – Um envelope menor (25 x 18.5) anexo, rigorosamente fechado, deverá conter as seguintes informações: Título da obra, pseudônimo do autor, nome completo, breve currículo, endereço completo e cópia do comprovante da data de nascimento, com indicação na parte externa apenas do título da obra e do pseudônimo do autor. Esse envelope será enviado junto com o poema e só será aberto após o julgamento de todos os trabalhos pela Comissão de Seleção.

Art. 06 – Será considerado inscrito para o concurso o poema enviado até o dia 23 de março de 2009, valendo a data do carimbo postal.

Art. 07 – Será conferida a seguinte premiação, em valores brutos, aos trabalhos classificados:
1º colocado – um cheque nominal no valor de R$ 1.000,00 (mil reais);
2º colocado – um cheque nominal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais);
3º colocado – um cheque nominal no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) e do
1º ao 30º colocados: publicação de 01 (um) poema, em livro impresso pela Gráfica da Universidade, tendo o autor o direito a 10 (dez) exemplares.

Art. 08 – Os trabalhos serão selecionados por uma Comissão indicada pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, composta por 03 (três) professores da Universidade e 02 (dois) convidados da comunidade.

Art. 09 – O resultado será divulgado nas dependências da Universidade, pela internet e pela imprensa até a data de 5 de maio de 2009.

Art. 10 – A premiação e o lançamento da edição do livro que reúne os trabalhos selecionados, realizar-se-ão no mês de julho de 2009, durante a 22ª edição do Inverno Cultural, no Centro Cultural da UFSJ.

Art. 11 – Os poemas enviados não serão devolvidos.

Art. 12 – As decisões da Comissão de Seleção serão irrecorríveis, cabendo à mesma as decisões sobre os casos omissos.

Site da UFSJ:
http://www.ufsj.edu.br/

EDITAIS DE CULTURA 2009 (BAHIA)

Estão abertas as inscrições para os primeiros editais da Secretaria de Cultura lançados em 2009 através da Fundação Cultural do Estado da Bahia - FUNCEB. São cinco editais nas áreas de Artes Visuais, Dança, Teatro e Música, que irão selecionar artistas para apresentações e exposições em espaços culturais da FUNCEB, na capital e no interior.

Para os artistas visuais, o “Portas Abertas para as Artes Visuais” irá selecionar 24 propostas de exposições, individuais ou coletivas, para ocuparem galerias em Salvador e centros culturais dos municípios de Alagoinhas, Feira de Santana, Jequié, Juazeiro, Porto Seguro, Valença e Vitória da Conquista. Serão escolhidas duas propostas por espaço, com duração de trinta dias cada uma, a serem realizadas entre julho de 2009 a junho de 2010 com verba de apoio no valor líquido de R$ 1,5 mil.

Já o Edital “Salões Regionais de Artes Visuais da Bahia” abre inscrição para trabalhos de temática livre em diversas modalidades, entre elas arte e tecnologia, cerâmica, colagem, escultura, fotografia, grafitti, instalação e pintura. Os Salões 2009 terão três edições com exposições abertas à visitação pública nos centros de cultura de Valença, Juazeiro e Porto Seguro. Ao todo, serão premiados nove artistas, três em cada salão, sendo dois prêmios de R$ 6 mil e um prêmio estímulo de R$ 3 mil, exclusivo para artistas do território de identidade onde o Salão será realizado, somando R$ 45 mil em premiação.

Com seleção prevista de 17 propostas (sete a mais com relação ao ano passado) de shows de cantores, instrumentistas e grupos, o “Segundas Musicais” retorna em 2009 com premiação no valor de R$ 5 mil para cada apresentação, sendo o valor total do investimento de R$ 85 mil. No Edital “Quarta que Dança”, serão eleitas 19 propostas entre espetáculos, intervenções urbanas, dança de rua e trabalhos em processo de criação de companhias ou artistas independentes. Todos concorrem a prêmios que variam de R$ 3 mil a R$ 5 mil.

Os selecionados de música e dança farão uma apresentação única, a preços populares, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Os grupos e artistas teatrais, profissionais e amadores, por sua vez, podem participar da seleção para o “Quintas do Teatro” que este ano seleciona 20 espetáculos, o dobro com relação à edição de estréia, totalizando R$ R$ 100 mil em premiação. Também a preços populares, o projeto prevê a realização de apresentações no Cine-Teatro Solar Boa Vista e no Espaço Xisto Bahia.

INSCRIÇÕES
O manual de elaboração de projetos culturais e prazos encontram-se disponíveis no site http://www.funceb.ba.gov.br

Seu Bomfim no Teatro Vila Velha (Salvador)

divulgação
Seu Bomfim é uma encenação teatral inspirada livremente no conto "A Terceira Margem do Rio", de Guimarães Rosa. Apresenta um contador de histórias que trata sobre o "caso do homem do rio": que decide construir uma canoa onde permanece a vida inteira, no meio do rio. Um trabalho que mistura elementos cômicos e trágicos e que trata de assuntos variados como amor, morte, vida, família, alegria, saudade, tempo, misticismo, religião, medo, solidão, loucura e ódio. Seu Bomfim é um projeto que traz à cena um personagem que reflete a cultura nordestina numa trama voltada para adultos de faixas sociais e etárias diversas, pois trata de temas atuais e eternos.

Contatos do TVV:

Tel – (71) -3083 4600
Site - http://www.teatrovilavelha.com.br/

segunda-feira, 2 de março de 2009

Ode ao Rio de Janeiro

Pablo Neruda

Rio de Janeiro, a água
é a tua bandeira,
agita as suas cores,
sopra e retine no vento,
cidade,
negra náiade,
de claridade sem fim,
de abrasadora sombra,
de pedra com espuma
é o teu tecido,
o cadenciado balanço
da tua rede marinha,
o azul movimento
dos teus pés areentos,
o aceso ramo
dos teus olhos.

Rio, Rio de Janeiro,
os gigantes
salpicam a tua estátua
com pontos de pimenta,
deixaram
na tua boca
dorsos do mar, barbatanas
perturbadoramente mornas,
promontórios
da fertilidade, tetas da água,
declives de granito,
lábios de ouro,
e entre as pedras quebradas
o sol marinho
iluminando
rutilantes espumas.

Ó Beleza,
ó cidadela
de pele fosforescente,
romã
de carne azul, ó deusa
tatuada em sucessivas
ondas de ágata negra,
da tua nua estátua
um aroma de jasmim molhado
se desprende, vem no suor, um ácido
pegajoso
de cafezais e de frutarias
e pouco a pouco sob o teu diadema,
entre a dupla maravilha
dos teus seios,
entre cúpula e cúpula
da tua natureza
aparece o dente da desgraça,
a cancerosa cauda
da miséria humana,
nos montes leprosos
o cacho inclemente
das vidas,
pirilampo terrível,
esmeralda
extraída
do sangue,
o teu povo estende-se
até aos confins da selva
num rumor abafado,
passos e surdas vozes,
migrações de esfomeados,
escuros pés com sangue,
o teu povo,
para lá dos rios,
na densa
amazônia,
esquecido,
no Norte
de espinhos,
esquecido,
com sede nos planaltos,
esquecido,
nos portos mordido
pela febre,
esquecido,
à porta
da casa de onde o expulsaram,
pedindo-te
apenas um olhar,
esquecido.
Noutras terras,
reinos, nações,
ilhas,
a cidade capital,
a coroada,
foi colméia
de trabalhos humanos,
amostra do azar
e do acerto,
fígado da pobre monarquia,
cozinha da pálida república.

Tu és a espelhante
montra
de uma sombria noite,
a garganta
coberta
de águas marinhas
e ouro
de um corpo
abandonado,
és a porta
delirante
de uma casa vazia,
és
o antigo pecado,
a salamandra
cruel,
intacta
na fogueira
das longas dores do teu povo,
és
Sodoma,
Sim,
Sodoma
deslumbrante,
com um fundo sombrio
de veludo verde,
rodeada
de crespa sombra, de águas
ilimitadas, dormes
nos braços
da desconhecida
Primavera
dum planeta selvagem.
Rio, Rio de Janeiro,
quantas coisas tenho
para te dizer. Nomes
que nunca esquecerei,
amores
que amadurecem o seu perfume,
encontros contigo, quando
do teu povo
uma onda
agregue ao teu diadema
a ternura,
quando
à tua bandeira de águas
subam as estrelas
do homem,
não do mar,
não do céu,
quando
no esplendor
da tua auréola
eu veja
o negro, o branco, o filho
da tua terra e do teu sangue,
elevados
até à dignidade da tua formosura,
iguais na luz resplandecente,
proprietários
humildes e orgulhosos
do espaço e da alegria,
então, Rio de Janeiro,
quando
alguma vez
para todos os teus filhos,
e não somente para alguns,
abrires o teu sorriso, espuma
de morena náiade,
então
eu serei o teu poeta,
chegarei com a minha lira
para cantar em teu aroma
e na tua cintura de platina
dormirei,
na tua areia
incomparável,
na frescura azul do leque
que tu abrirás no meu sono
como as asas de uma
gigantesca
borboleta marinha.


Pablo Neruda, 1956
Nota:
Poema extraído do livro : "Odas Elementales" de Pablo Neruda, traduzido para o português por Luis Pignatelli (Publicações Dom Quixote) Lisboa / 1999.

domingo, 1 de março de 2009

CLARO ENIGMA

Obra clássica, o livro “Claro Enigma”, de Drummond, é um dos pontos mais altos da obra deste que é um dos maiores poetas da língua portuguesa. Neste que é o seu oitavo livro, Drummond retorna às formas mais clássicas da poesia, como o soneto e a redondilha, após um período ligado ao modernismo paulista, atitude que foi muito criticada pelos imbecis.
Apesar de ser “A Rosa do Povo” o seu livro mais conhecido, é em “Claro Enigma” que muitos (inclusive este blogueiro) vêem o poeta em sua totalidade com relação à arquitetura e consciência verbal, bem como no emprego metafórico, sem nunca perder um lirismo impulsionado pela linguagem empregada bem ao nível da fala comum, característica marcante em sua obra.
São de “Claro Enigma” os dois poemas abaixo:

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.


SER

O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.

Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.

Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?

Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te

como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.

O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.