domingo, 29 de março de 2009

Antecipando o dia mundial da mentira...

Um país de mentiras
Marcelo Torres(*)

O Brasil está tão impregnado de falácias e engodos que até mesmo o dia mundialmente dedicado à mentira - o 1º de abril - por aqui tem passado despercebido nos últimos tempos. Convivendo cotidianamente com toda ordem de golpes, fraudes e falcatruas, ouvindo coisas como "ausência do Estado" e "crime organizado", o brasileiro já nem se lembra de criar mentirinhas lúdicas nesta data específica.
O que é, afinal, o sistema político brasileiro senão uma grandessíssima mentira? E os partidos políticos, esses sacos de secos e molhados, o que são senão legendas de aluguel, de compra, de venda e de troca? E os cargos de vices (prefeito, governador e presidente), o que são senão falácias? Aqui, suplentes anônimos viram senadores da República sem nunca terem recebido um voto sequer.
O que parecem os nomes e a retórica dos partidos, senão mentiras? Todos, na retórica, defendem bandeiras aparentemente corretas, mas vivem se enlameando em coisas erradas, a prática desmentindo o discurso. Uma das ironias do sistema partidário é que a legenda que abriga antigos apoiadores da ditadura, filhos do PFL e netos do PDS tem nome oficial Partido dos Democratas; e a imprensa os trata como "o deputado democrata", "o senador democrata".
A maior e mais velha agremiação partidária brasileira - o PMDB - é uma grande mentira; aliás, é um antro de corrupção, segundo testemunho de um dos seus senadores, Jarbas Vasconcelos, que não foi desmentido por ninguém, nem mesmo pela direção do partido, o que nos leva a acreditar que ele falou a verdade nua e crua.
O Congresso Nacional é presidido pela terceira vez por um senador cujo mandato é uma aberração, para não dizer que é uma mentira. Só num país de mentiras para um cacique político de um estado, o Maranhão, se eleger - e diversas vezes! - por outro, o Amapá, sem domicílio eleitoral anterior, sem ter propriedades lá, sem qualquer ligação com o estado.
O que são, afinal, as corregedorias e comissões de ética da Câmara e do Senado, senão umas mentirinhas (ou grandes mentiras)? O que são as quase seis mil câmaras de vereadores deste país senão legislativos fictícios? Para a vida prática da população, para os interesses da coletividade num município, para que servem, na prática, os cerca de 70 mil vereadores?
No Brasil, em todos os níveis e esferas, as eleições são tidas e havidas como 'as vozes das urnas', 'a vontade livre e soberana do povo' e 'a festa da democracia', mas, na verdade, elas quase sempre são disputas vencidas pelo abuso do poder econômico, pelo uso e abuso da máquina administrativa, sem falar na compra direta e indireta de votos.
Em cada município, em cada estado e no âmbito federal, as alianças, os conchavos, os acordos, as composições, as contas, os financiamentos, as promessas, os programas, as propagandas e até mesmo algumas pesquisas estão mais próximas de mentiras nebulosas que de verdades transparentes.
O que é a representação política neste país senão uma mentira deslavada? O eleito recebe uma procuração coletiva (votos) e passa a exercer o mandato como quer e bem entende, como se este fosse de sua propriedade privada, atuando a seu bel prazer, muitas vezes para gozar benefícios pessoais não republicanos e satisfazer interesses próprios escusos.
Que brasileiro pode acreditar que vivemos num "Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos", como está escrito nas primeiras linhas da chamada Constituição Cidadã?
Ao ler a Constituição, quando lê, o brasileiro tem a sensação de estar lendo um texto de ficção e fica sonhando: "Ah, se isso tudo fosse verdade!" Você vê que o primeiro artigo, a primeira alínea estabelece a soberania como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, e lembra que semanas atrás o príncipe Charles veio ao país dizer o que se deve fazer com a Amazônia.
A independência entre os poderes da República é uma mentira, aliás, é produto de um ato clandestino, um enxerto, pois foi incluído às escondidas, sem ter sido votado. E quem confessou isso foi o próprio autor, o ex-deputado constituinte Nelson Jobim, em entrevista a O Globo, em outubro de 2003, quando ainda era ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Se vivêssemos num país sério, sob um Estado Democrático que tem a Justiça como um de seus “valores supremos”, Jobim seria punido. Mas, ao contrário, ele acabou foi promovido, elevado a presidente da maior corte de justiça do país; depois virou ministro da Defesa e tem pretensões de ser presidente da República.
Está no papel, ou melhor, está fixado na Constituição que para ser ministro do STF a pessoa deve possuir "notável saber jurídico e reputação ilibada". Isto é cumprido? Você acredita? Aliás, a Constituição também prevê que só deve ser editada medida provisória em casos de relevância e urgência, o que é outra grande pública e notória mentira nacional.
No país das mentiras prontas, medida provisória há muito tempo virou coisa permanente. Outra mentira foi a CPMF: dizia-se que o dinheiro era para custear a saúde, mas todo mundo sabe que a grana era sempre desviada. A “contribuição” seria provisória, mas durou década e meia, foi morta, porém pode ser ressuscitada em forma de CSS ou outro nome de mentirinha.
Quando o prazo de validade do imposto se expirou, os defensores e os contrários inverteram os papéis: os que antes eram favoráveis mudaram de opinião e ficaram contra; e os que antes eram contrários agora viraram a favor da CPMF desde criancinha. Conclui-se que, antes ou depois, os dois lados não falavam a verdade - para não dizer que falavam mentiras.
Um político hoje governador, quando senador, foi acusado de violar o sigilo de votação do painel do Senado federal. Então, foi à tribuna, chorou, discursou, jurou inocência, mostrou um catatau de papéis e, no fim das contas, o país descobriu que era tudo um teatro, uma mentira - provas forjadas, testemunhas arranjadas.
A gente vê o slogan do governo - “Brasil, um país de todos” – e pensa “Quem dera fosse verdade!” O parágrafo único do artigo primeiro da nossa Carta Magna diz que “todo poder emana do povo”, vírgula, “que o exerce por meio de representantes eleitos”. Ah!, se fosse verdade! E tem mais: “todos são iguais perante as leis”. Bem, vamos parar por aqui. Hoje é 1º de abril, mas chega de mentiras!

Marcelo Torres, baiano, formado em Jornalismo (Universidade Federal da Bahia), pós-graduado em Jornalismo Literário (Academia Brasileira de Jornalismo Literário) e em Gestão da Comunicação nas Organizações (Universidade Católica de Brasília).
Blog do Marcelo Torres: http://marcelotorres.zip.net/

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