quarta-feira, 28 de julho de 2010

A impressionante influência vocabular da literatura

Por W. J. Solha
Tornou-se lugar-comum, na imprensa, reportar fatos como o acidente com o avião da TAM, que matou 162 passageiros, ou o deslizamento de terra no Morro do Bumba, em Niterói, como “tragédias anunciadas”, influência evidente do belo título que é o Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel García Márquez. Claro que isso não é de hoje. Todo sujeito ciumento é um “Otelo”, desde que Shakespeare escreveu a peça a respeito do suplício do Mouro de Veneza. Todo homem excepcionalmente forte é um “Hércules”, desde que Eurípedes encenou a tragédia Heracles entre os gregos, Sêneca levou ao palco o Hércules sobre o Eta, entre os romanos. Do mesmo modo, toda viagem ou percurso repleto de percalços passou a ser “uma odisséia”, desde que Homero escreveu a história de Ulisses, cujo nome grego era Odisseu. Daí 2001 – Uma Odisséia no Espaço, o filme de Stanley Kubrik – daí Ulisses, o famoso romance de James Joyce, que consome cerca de 800 páginas pra contar o que foi um dia – 16 de junho de 1904 - na vida de um certo dublinense chamado Leopold Bloom. Se esse caminho, porém, é de mais sofrimento do que aventura, o rótulo é o de “via-sacra”, “via-crúcis” ou “calvário”, por conta do peso do texto evangélico, que transformou, também, todo traidor em “judas”, toda vítima em “cristo”, todo mau caráter em “judeu”, toda maldade humana em “judiação”, todo homem caridoso em “bom samaritano”, todo fim do mundo em “apocalipse”. Do mesmo modo, abrindo para o Velho Testamento, todo começo de qualquer coisa é “gênesis”, todo assassino é um “Caim”, todo lugar maravilhoso é um “paraíso”, toda debandada é um “êxodo”, toda enchente é um “dilúvio”, todo vidente é um “profeta”, toda figura com salvadora liderança é “messiânica”, toda decisão sábia é “salomônica”, todo embate desproporcional, tipo camundongo Jerry contra o gato Tom, Oliveiros contra Ferrabrás, Vietnã versus Estados Unidos, é uma luta de “Davi e Golias”.

Quem nunca classificou alguma cena terrível de “dantesca”, por conta da Divina Comédia de Dante? Quem nunca chamou o herói de uma causa perdida – como Vitorino Papa Rabo, de Zé Lins; ou o Príncipe Michkin, de Dostoiévsky - de “quixotesco” devido à obra de Cervantes? Quem nunca disse que um sujeito em dúvida terrível é “hamletiano”? Caramba, já vi muita gente demasiado séria ser chamada de “Dom Casmurro”, por causa do livro de Machado de Assis. E de “masoquista”, devido ao romance A Vênus de Peles , de Leopold Ritter von Sacher-Masoch, no qual um personagem somente chega ao orgasmo depois de surrado pelo amante da esposa. Claro que você acaba de se lembrar de que “sádico”, se deve ao Marquês de Sade e a seus romances – como Os 120 Dias de Sodoma. Do mesmo modo, “pantagruélico” é o comilão por excelência, desde que Rabelais escreveu seu romance Pantagruel, e “acaciana” é sempre uma figura pública tipo Conselheiro Acácio,pseudo-intelectual pomposo, desde que Eça de Queirós escreveu o romance O Primo Basílio.

A quanto mulherengo já demos o nome de “casanova”, devido ao libertino escritor Giácomo Casanova, que – segundo afirma nos vinte e oito volumes de suas memórias – enumerou cento e vinte e duas mulheres que possuiu ao longo da vida! Ou de “Don Juan”, por causa do personagem fictício que, por suas inúmeras conquistas amorosas, compareceu em várias obras de arte, como a peça Don Juan Tenório, de José Zorrilla, e a ópera Don Giovanni, de Mozart!

Um dos casos mais famosos de apropriação desse tipo é o de Freud, que viu no personagem clássico de Sófocles – Édipo Rei – o protótipo do portador do complexo emocional que envolve amor e ódio na relação filho-mãe-pai, tendo Gustav Jung estabelecido a mesma relação filha-pai-mãe no Complexo de Eletra, partindo das peças de Sófocles e Eurípedes que contam como essa personagem matou a mãe, Clitemnestra, pra vingar a morte do pai, Agamênon.

Quanta História por trás de cada palavra!
(26-07-2010)

W. J. Solha é escritor, dramaturgo, ator e poeta paulista, radicado na Paraíba

ATENÇÃO!
O autor oferece o seu belíssimo e intrigante romance "Relato de Prócula" a quem se interessar por ele. Basta que mande nome e endereço para wjsolha@superig.com.br que receberá o livro pelo correio, sem qualquer despesa.

Em 10 anos, menos de 25% dos livros vendidos será em papel

Notícia do The New York Times que O Estado de S. Paulo reproduziu

A semana que passou foi histórica para o universo dos livros - se é que eles existirão no futuro. A Amazon.com, uma das maiores vendedoras de livros dos EUA, anunciou que, nos últimos três meses, as vendas de livros para o seu leitor eletrônico Kindle, ultrapassaram as de livros de capa dura. Neste período, a Amazon afirma ter vendido 143 livros Kindle para cada 100 de capa dura, inclusive aqueles que não foram editados para o Kindle. “Os amantes dos livros, que lamentam o fim dos de capa dura com seu peso e seu cheiro de antigo, precisam encarar a realidade”, observou Mike Shatzkin, fundador e diretor executivo da Idea Logical Company, que assessora as editoras de livros na mudança para a versão digital. "Este dia era esperado, um dia que tinha de vir", acrescentou. Ele prevê que numa década, menos de 25% de todos os livros vendidos serão em versões impressas. No entanto, o livro impresso não está absolutamente em extinção. As vendas de todo o setor subiram 22% este ano, segundo a Associação Americana de Editoras. A grande surpresa, segundo Shatzkin, foi que o dia chegou durante o primeiro período em que o Kindle enfrentava uma grave ameaça competitiva. O iPad da Apple.

26/07/2010 - Por Claire Cain Miller

terça-feira, 27 de julho de 2010

Bernardo Linhares: 50 anos, 50 poemas

Meu grande e querido amigo, o poeta Bernardo Linhares comemora nesta sexta-feira, dia 30, 50tinha. Quem diria! Parceiro de garfo e de copo desde o tempo da oficina literária de Conceição Paranhos, confiou a mim a organização do seu livro que terá, igualmente aos anos vividos, 50 poemas.
Como no momento o que nos cabe apenas é homenageá-lo, deixo aqui dois dos seus melhores poemas. Espero que gostem!

As Flores do Ocaso

O meu neto Isak
dorme no final da tarde...


Refletindo as cores
de todas as flores
o mar se desata
em ondas de prata.

O lírio é netuno.
A dália, sereia.
As rosas são nuvens
cobertas de estrelas.

Bordados no céu,
o poente é um véu,
a noite, uma seda.

Sonha o girassol:
As flores do ocaso
são as borboletas.


Carolina


São rosas na bruma
buquê de gaivotas
por cima das águas
bordadas de espumas.

Com linha da costa
de seda tão pura
costuro tua moda
na vela do barco.

Ternura mais funda
os fios da corrente
revelam teus laços...

Cortando o silêncio,
um amor imenso
navega no vento.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Auto-retrato - Gustavo Felicíssimo

O meu retrato em preto e branco
deixei grafado nessas páginas,
deixei toda a minha loucura,
deixei também algumas lágrimas;

deixei o chapéu companheiro,
deixei meu mundo por inteiro;

deixei aqui tudo o que sou,
deixei um resto de alegria,
deixei o que de mim sobrou:

deixei as pedras nessa estrada,
deixei minha vida e mais nada.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Semeando Jorge Medauar

Um dos mais importantes sites brasileiros sobre literatura está promovendo a revalorização da obra de Jorge Medauar

Trata-se, sem dúvida, de uma ação rara e muito simpática do pessoal do Cronópios, através do seu editor, o Pipol, e de Jorge Medauar Jr, parceiro no projeto. O objetivo é simples: semear textos de ou sobre o autor nascido em Água Preta do Mocambo, antigo distrito de Ilhéus, hoje Uruçuca, pelas tramas da web. Para tanto o site criou uma página especial com diversos textos, inclusive um de nossa autoria, e está preparando um documentário cujo preview, juntamente com os referidos textos, pode ser acessado.

Afirmam os editores que “o Cronópios dará prioridade a todo texto que chegar à redação sobre Jorge Medauar e sua obra”. Para quem não sabe, podemos dizer que Medauar ganhou destaque na literatura nacional por conta dos seus contos, muito embora tenha começado a publicar livros de poesia. Aliás, se tudo correr bem, dentro de pouco tempo sua obra poética será reunida em livro juntamente com um compêndio contendo os inéditos que o autor deixou.

Todos estão convidados a participar com trabalhos de criação, tendo a obra de Jorge Medauar como referência. Acesse o link e saiba mais sobre o projeto e também sobre o escritor: http://www.cronopios.com.br/jorge_medauar/

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Alguém me faça uma garapa!

A calamidade dos cursos de Letras no Brasil.

A notícia veiculada ontem, dia 20, n’O Estado de São Paulo, dando conta que Português é a matéria que puxa para baixo a média do Enem não é nenhuma novidade para quem convive com alunos do segundo grau e universitários.
No curso de Letras da universidade (pública) onde estudo, a Professora de Língua Portuguesa, por exemplo, no primeiro semestre teve que ensinar o alunado a fazer redação e resumo. Isso porque a esmagadora maioria dos meu colegas de turma chegaram à universidade sem o hábito da leitura e até, em casos extremos, analfabetos funcionais.
A coisa é tão calamitosa que celebrou-se o fato de, no Guia do Estudante da Editora Abril, a universidade ser avaliada com 3 Estrelas, em uma escala de 1 a 5, ao lado da PUC, UFRJ e UNB. Esse é o reflexo do estado crítico em que se encontram os cursos de Letras dessas universidades, afinal, mantendo-se a proporção, em uma escala de 1 a 10 essas 3 estrelas representariam 6, uma nota que, até que me provem o contrário, não é suficiente para aprovar aluno algum na universidade. É também um sinal de que os professores dedicados e talentosos (a maioria não são) tem muito o que fazer.

Diz o texto do jornalista Fábio Mazzitelli:

“O desempenho na área de Linguagens e Códigos puxou para baixo a média final das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2009. Essa parte do exame foi a única em que nenhum colégio no País atingiu média de 700 pontos, numa escala de 0 a 1.000. Entre as escolas da capital, o melhor desempenho ficou com o Colégio Vértice, com 686,70 pontos. Nas questões dessa área foram medidas as habilidades dos jovens em língua portuguesa e interpretação de textos - diferentemente do Enem de 2009, o deste ano terá prova de idioma estrangeiro. Nas outras grandes áreas do conhecimento, a maior média dos colégios ficou entre 700 e 800 pontos. A pontuação máxima abaixo de 700 em linguagens é considerada "preocupante" e um reflexo da chamada "geração Y", educada com a ajuda da internet. Para gestores de escolas, com os jovens cada vez mais conectados em redes sociais, a linguagem desenvolvida no mundo virtual se distanciou da língua culta, empobrecendo o vocabulário e prejudicando a capacidade de interpretar textos mais longos”.

Parece-me muito cômodo jogar a culpa na internet, enquanto o problema mesmo está na formação dos educadores brasileiros. Neste caso, o problema está nos cursos de Letras, nos baixos salários que geram desestímulo e, por fim, no modelo escolar brasileiro que ao invés de ser revisto, repaginado, precisa ser implodido, exterminado, com vistas a um novo começo e modelo que deveria ser amplamente discutido pelos maiores pensadores e educadores da nação.

Agora sugiro que os amigos leiam um texto do Marcos Bagno aqui publicado, onde o escritor e linguista fala sobre a falência dos cursos de Letras Brasil afora. Eis o link: http://sopadepoesia.blogspot.com/2010/03/catastrofe-dos-cursos-de-letras.html

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Auto-retrato – Carlos Falck

Estou em mim e comigo,
tenho o que tenho e não sou
além do vento da tarde
o sentir que se tardou.

Vou ao sabor do que sinto
e sentimento é razão,
mas o que não me comove
é somente o coração.

Tenho o resto comovido
e por assim diferente
falo de mim sem ser eu
enquanto estou com a gente.

Mas ao sentir-me sozinho
volto ao que sou e que fui
enquanto a melancolia
calmamente se dilui.

Falck nasceu em Salvador no ano de 1936 e lá cometeu suicídio em 1964, com menos de 30 anos, portanto. Alguns dos seus poemas demonstram claramente essa disposição.

Mais sobre o autor: http://sopadepoesia.blogspot.com/2010/04/carlos-falck-eximio-e-sofrido-poeta.html

Frei Betto e Marcelo Gleiser juntos em livro

Fruto de um projeto audacioso, Frei Betto e o físico Marcelo Gleiser estão de quarta-feira (14), a pelo menos sábado (17), no Hotel Santa Teresa (RJ) debatendo religião e ciência para o livro “Conversa sobre a fé”, compêndio que sai em novembro pela Nova Fronteira. A obra integra uma coleção que já reuniu Luís Fernando Verissimo e Zuenir Ventura entrevistados por Arthur Dapieve.

Fonte:
O Globo - 17/07/2010

domingo, 18 de julho de 2010

Novos Acordes de Roberval Pereyr

Faz poucos dias recebi de Roberval Pereyr o seu mais novo livro. Falo de “Acordes”, uma obra que do ponto de vista estético dá segmento à produção anterior do autor, reunida em “Amálgama”. Pereyr é um poeta baiano, de Feira de Santana, mas sua poesia possui os elementos mais universais possíveis, pois trás em si as características marcantes do existencialismo e da metafísica. Em seus poemas notamos a busca pelo sentido do ser, mas sem nomear as coisas e as ações, muito embora buscando nelas a sua essência e seus valores. Afinal, nosso contato com o universo não se dá por meio das definições, mas das indagações e respostas que se instalam no campo do conhecimento ou no horizonte do tempo, pois é no tempo que o ser e as coisas acontecem.
Assim, algumas questões parecem saltar da sua obra. A principal parece ser esta: até que ponto podemos decifrar o mundo, o ser e as coisas através do universo poético? Mas uma outra também me assalta: até que ponto a linguagem de um poema e as coisas do mundo são realidades conflitantes? Quem responder vai ganhar um big-big.
Abaixo, poemas de Roberval Pereyr.

Amálgama

O exercício da mentira
assevera-nos o rosto;
petrifica-nos o busto
e engrandece-nos a ira.

O exercício da mentira
engrandece-nos as posses;
ajoelha-nos em preces
sob o teto das igrejas.

O exercício da mentira
faz-nos fortes barulhentos;
tece grandes pensamentos
para encher-nos de amarguras.

O exercício da mentira
faz-nos lúcidos, divinos;
torna os animais humanos
e torna os deuses caninos.

O exercício da mentira
(por que tamanha maldade?)
concedeu-nos - que loucura! -
o exercício da verdade.

Em Amálgama, Selo Letras da Bahia, 2004. Pág. 209.


Canção

Ao longe, calma paisagem,
pastava o gado inocente:

a noite é cheia de gado
a noite é cheia de gente.

Na noite, o curral o gado
encerra em fatal enredo:

a noite é cheia de medo
e em sangue enreda o passado.

Ao longe vejo, isolado,
um homem dentro de um prédio:

a noite é cheia de gado
a noite é cheia de tédio.

O gado tem dono ausente
de si e do próprio gado:

a noite é cheia de gente
com o registro apagado.

Em Acordes, Editora Tulle, 2010. Pág. 09.

Mais sobre o autor acesse:
http://www.revista.agulha.nom.br/perey.html

sábado, 17 de julho de 2010

Críticas aos 20 anos do ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente acaba de completar 20 anos de existência sob fortes críticas de muitos educadores
Criado para oferecer proteção aos menores sobre qualquer tipo de violência ou abuso, o ECA completa 20 anos cercado de críticas por fomentar (e assim não combater) problemas que a sociedade conhece muito bem. Parece-nos que o ECA fomentou a sensação de impunidade, dificultando tanto a ação dos pais e, sobretudo, dos educadores. Eu que sou marido de uma professora ouço frequentemente relatos terríveis a esse respeito. Daí aqueles noticiário que vemos diariamente, provenientes da desestruturação familiar: jovens roubando, sequestrando, traficando, assassinando, estuprando. Tudo, agora, com a conveniência das autoridades. Em verdade são marginais protegidos pela lei.
Indignado, o poeta Jotacê Freitas, que é cordelista renomado aqui na Bahia, também educador graduado por uma universidade federal, e, sobretudo pai, escreveu um Cordel que reflete bem sobre essa questão.

OS PAIS JÁ NÃO PODEM MAIS
DAR PALMADAS EM SEUS FILHOS!

O Brasil anda pra trás
Nos trilhos da educação
Com a criação do ECA
Houve uma deturpação
Entre direito e dever
Pras crianças da nação.

Se passaram 20 anos
E o ECA só aumentou
Nossa marginalidade
Com o menor infrator
Que é sempre protegido
Faça lá seja o que for.

Querem tudo o que veem
E fazem tudo o que querem
Avisando aos pais
Que nada deles esperem
Até os dezoito anos
Pois assim as Leis proferem.

Muitos pais se preocupam
Em dar boa educação
Para que eles se formem
E tenham uma profissão
Se dedicam com afinco
E poucos lhes dão razão.

Acham que os pais são caretas
E estão ultrapassados
Preferem o mundo das drogas
Serem marginalizados
Em baladas requebrando
Nas ‘paradas’ bem ‘ligados’.

Se for pobre periférico
Os pais têm dificuldades
Para mantê-los em casa
Com suas necessidades
Pois sem o pão de cada dia
Não se tem felicidade.

Mandam eles pra escola
Por mera obrigação
Ou se livrar do ‘problema’
Ter quem preste atenção
Não orientam os filhos
Com justa dedicação.

Querem só bolsa família
Por cada filho que têm
Se tornaram dependentes
E ao governo convém
Pois o voto antecipado
É pago com esse vintém.

As mães dizem que não sabem
O que fazer com os filhos
Dizem que já castigaram
De joelhos sobre o milho
Mas meninos e meninas
Não querem andar nos trilhos.

Filhos não as obedecem
Pois não tiveram limites
Na escola não respeitam
A professora que insiste
Em lhes dar educação
Que pra eles não existe.

Qualquer coisa logo dizem
Que vão para o juizado
Pois conhecem seus direitos
Não querem ser perturbados
Saem da sala e não fazem
O dever recomendado.

Brigam o tempo inteiro
E imitam os marginais
Que veem nos noticiários
Ou nos filmes vesperais
Querem até matar polícia
Pois se acham os maiorais.

Ficam pelas sinaleiras
Ou fazendo avião
Menininhas imaturas
Já na prostituição
Alegando para todos
Que é sua profissão.

Os pais estão sem controle
E precisam aprender
A lidar com o problema
Antes dos filhos crescer
E virarem marginais
Como estamos a ver.

É claro que muitos pais
Exageram no castigo
Punem com espancamento
E aí está o perigo
Contra o pequeno indefeso
E isso não é preciso.

Quebrar dentes com um murro
Ou deixar com o olho roxo
Queimá-los com o cigarro
Por causa de um muxoxo
Marcá-los com a fivela
E até deixá-los coxos.

Existem alternativas
Como cortar diversão
Bicicleta vídeo-game
Recreio Televisão
Que nem sempre funcionam
Dar limite é a solução.

Um tapinha no bumbum
A parte mais recheada
Por Deus feita para isto
Pra levar boas palmadas
Contra a desobediência
Da criança malcriada.

Um bolo em cada mão
Também é forma decente
Como um puxão de orelha
Para o desobediente
Que depois que chora um pouco
Volta pro colo contente.

Dizem que essa nova Lei
É pra não banalizar
A violência que existe
Pra criança não afetar
Mas não sei como permitem
A TV funcionar.

Um ditado popular
Diz que é melhor que a mãe bata
No seu filho queridinho
Pois mão de mãe não maltrata
Pior é ir pra cadeia
Ou o traficante que mata.

As mães mais experientes
Dizem que é melhor bater
Do que apanhar um dia
Do filho que viu nascer
Nessa inversão de valores
Que querem estabelecer.

Maioridade penal
Precisa ser reduzida
Em país civilizado
Que valoriza a vida
Criança que rouba e mata
Também tem que ser punida.

As instituições que dizem
Proteger o ‘de menor’
Preferem eles nas ruas
Vivendo numa pior
Se drogando e roubando
Sem uma opção melhor.

Até mesmo orfanatos
Evitam a adoção
De crianças por estrangeiros
Pra não perder a porção
Do dinheiro do governo
Que vem pra manutenção.

Acredito que quem fez
Essa Lei só pode ser
Um maluco sem juízo
Ou nunca chegou a ter
Um filho em sua vida
Por isso a quis fazer.

Congressista Deputado
Ou Ilustre Senador
Lembrem das suas infâncias
Quem foi que nunca apanhou
Da mamãe ou do papai
E vilão não se tornou?

Eu mesmo já apanhei
De cinto e de vassoura
E sempre amei os meus pais
Respeitei a professora
Não me senti oprimido
Nem tive vida opressora.

O Brasil tem mais problemas
Pra vocês se preocuparem
Corrupção desemprego
Leis para vocês mudarem
Para punir os bandidos
E não nos atormentarem.

Em vez de gastar dinheiro
Com uma copa do mundo
Onde a corrupção desvia
Para um buraco fundo
Criem escolas integrais
Com um ensino fecundo.

E os meninos de rua
Precisam ser acolhidos
Em internatos decentes
Que não os tornem bandidos
Mas cidadãos conscientes
Trabalhadores polidos.

Jotacê Freitas
Blog do Jotacê: oficinadecordel.blogspot.com

sexta-feira, 16 de julho de 2010

HAICAIS TÊM O “RUMOR DA ONDAS”

Por José Marins
Benedita Azevedo lança mais um livro de haicais realizados a partir de suas vivências na Praia do Anil, onde reside em Magé-RJ. São 99 poemas no estilo clássico que nos aproximam da natureza, dialogam com o leitor numa linguagem simples, mostrando imagens que passariam despercebidas não fosse a percepção treinada da autora e sua fina sensibilidade poética. Afinal a poética do haicai é a da observação, dos sentidos e das sensações que captam a diversidade natural e as manifestações humanas de nosso povo.
Na apresentação escreve a haicaísta Rosa Clement: “É um nome muito apropriado para quem mora perto do mar, e tem o privilégio de sentir a brisa e ouvir com frequência o rumor das ondas, como é o caso da autora. Rumor das Ondas é, portanto, um livro que oferece uma variedade de matizes e formas de paisagens e atividades humanas. É um esforço recompensado e um merecimento.”
Ler mais esse livro de Benedita Azevedo é um privilégio e um prazer para quem ama a poesia do haicai.

Eis alguns dos poemas do livro:

Quietude na praia –
Só a aragem da manhã
E o rumor das ondas.

-

Ao sol da manhã
Reflexos brilham no pasto –
Noite de geada.

-

Cintilando ao sol
As bolhas de sabão
Caem na varanda.

-

Ao romper da aurora
Suave perfume no ar –
Outra vez setembro.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

TOC 140, Poesia no Twitter - Fliporto

Concurso de micro poesia vai dar R$ 3 mil ao vencedor

A Fliporto, que acaba de anunciar os primeiros convidados da festa marcada para novembro, começa a agitar também pelo Twitter (@fliportoPE). Até o dia 29 de setembro, tuiteiros de qualquer lugar do mundo podem inscrever micro-poemas em português no concurso “TOC 140, Poesia no Twitter”. O anúncio dos vencedores será feito no dia 30 de outubro e a premiação será entregue em 15 de novembro, durante a Fliporto Digital.
O primeiro lugar ganha R$ 3 mil; o segundo colocado leva R$ 2 mil e para o autor do terceiro melhor poema será dado R$ 1 mil. Os três ganham um kit da Fliporto 2010 e livre acesso a todas as palestras.

Para se inscrever e ler cronograma e regulamento: http://www.fliporto.net/premio_tok140.html

terça-feira, 13 de julho de 2010

Contos do Japim - de Ramon Barbosa Franco

Dois investigadores sem nome tentam desvendar o assassinato de um padre, um conto narrado em três períodos da história da humanidade, um tropeiro que busca uma mula que se perdeu da comitiva, um espião brasileiro infiltrado num grupo de rebeldes da Costa do Marfim, um homem que topa com um leão dentro do seu quarto, uma loira sensual que chega para uma missão e um jovem escritor perdido com Jorge Luís Borges num labirinto habitado pelo minotauro. Estas e outras narrativas enxutas estão no livro 'Contos do Japim', primeiro trabalho individual do escritor e jornalista Ramon Barbosa Franco. Dedicada ao também escritor e jornalista Romulo Nétto, a obra literária tem o selo da Tanta Tinta (Carlini & Caniato Editorial),com sede em Cuiabá (Mato Grosso), e integra o catálogo 2010 da companhia. A capa foi desenvolvida por Marcelo Cabral e o próprio Romulo Nétto, também autor da Tanta Tinta, preparou e revisou os originais. Além de Romulo Nétto, a Tanta Tinta é a editora de Ricardo Guilherme Dicke (1936-2008), considerado por Hilda Hist e Glauber Rocha um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. "Os textos que formam o livro 'Contos do Japim' podem ser interpretados como o esboço inicial de um trabalho literário. Desde a infância escrevia meus continhos, aventuras inspiradas nos filmes do Indiana Jones, nas leituras do gibi Tex e também nos ninjas e samurais japoneses. Na adolescência, li Paulo Coelho e 'O alquimista' despertou em mim a busca pela lenda pessoal. Assim, me vi na perseverança de um dia me tornar escritor", destacou Ramon, que é jornalista em Marília, interior de São Paulo. Antes do primeiro livro individual, o escritor participou de outras três obras coletivas, sendo duas coletâneas (a do V Concurso Municipal de Conto, publicado pela Niterói Livros, e a do concurso estadual Mapa Cultural Paulista 2009-2010, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo) e uma biografia em co-autoria com a jornalista Silvia de Paula, publicada no ano de 2009 pela Poiesis Editora.
"Na minha formação, tanto de leitor, quanto de autor, estão autores brasileiros, como Graciliano Ramos, Marcos Rey e Orígenes Lessa, além de Guimarães Rosa e o meu amigo Romulo Nétto. Foi ele quem me sensibilizou à narrativa concisa e direta, tanto através de nossas conversas semanais, quanto pela sua Trilogia dos Gerais, publicada pela editora Carlini & Caniato", disse.
'O crime de batina', texto inicial de 'Contos do Japim', é um conto policial e, segundo observou Ramon, consiste no resultado da influência de autores ingleses, como Edgar Wallace, Conan Doyle e Agatha Christie, além dos cortes narrativos do norte-americano Edgar Allan Poe e do brasileiro Rubem Fonseca. "Rubem Fonseca e o português José Saramago solidificaram aquilo que começei a buscar a partir da leitura de Paulo Coelho. Li outro dia que o italiano Umberto Eco, autor de 'O nome da rosa', virou para o norte-americano Dan Brown, de 'O código da Vinci', e disse: 'Não é que eu não goste de você - afinal, eu criei você'. Acho que é mais ou menos isso que sinto ao pensar no Rubem Fonseca. Suas narrativas me criaram, me deram um norte. A literatura é assim, esta fluência sem limites. Mesmo sem nunca ter visto pessoalmente Rubem Fonseca ele me ensinou muito. O mesmo sinto pelo José Saramago. Ao receber a notícia de sua morte, no mês passado, parecia que perdia novamente meu avô materno ou um dos meus tios", comentou.
Além de 'O crime de batina', o leitor encontrará 'Trilogia', 'Arribada', 'Nosso Homem na África', 'Um leão entrou em casa', 'O marxista', 'Três minutos' e 'No labirinto'.
O lançamento oficial do livro acontecerá no dia 7 de agosto, durante o evento 'Literatura na calçada', em Cuiabá, entretanto, exemplares estarão disponíveis em livrarias no Estado de São Paulo, e também de Cuiabá. Enquanto não circula pelo Brasil afora, a obra pode ser encomendada pelo site da editora: http://editora-carlini-caniato.blogspot.com/

Contos do Japim
Autor: Ramon Barbosa Franco
Editora Tanta Tinta, Carlini & Caniato Editoral
88 páginas
Gênero: Contos
Preço: R$ 23,90
E-mail da editora: comercial@tantatina.com.br
E-mail do autor: monfranco8@hotmail.com
Blog do autor: http://www.ramonbarbosafranco.blogspot.com/

Capa: Marcelo Cabral

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Futebol & Poesia - I

Tal pai, tal filha
clique na imagem para vê-la maior

Festival do Japão, em São Paulo

A Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, entidade que divulga a produção literária da comunidade nipo-brasileira, mais uma vez se fará presente no Festival do Japão, em São Paulo, no Centro de Exposições Imigrantes, nos dias 16, 17 e 18 de julho de 2010. Em seu estande, haverá exposição de tanka e haikais em língua japonesa, tanto os produzidos por seus associados radicados no Brasil, como aqueles escritos por grandes poetas do Japão, todos acompanhados de tradução para o português. Além da língua japonesa, o haikai em língua portuguesa também terá seu espaço, através dos trabalhos de autores brasileiros.

O haikai tradicional, poema de três versos que discorre objetivamente sobre temas da natureza, é certamente a maior contribuição do Japão para a literatura brasileira. Durante os três dias do Festival ocorrerão concursos de haikai e tanka em japonês. Além disso, será realizado o 3º Concurso de Haikai Masuda Goga, exclusivamente em língua portuguesa. Masuda Goga (1911-2008) foi um mestre imigrante que contribuiu enormemente para a divulgação do haicai entre os brasileiros. O concurso deste ano será dividido em duas categorias: infanto-juvenil e adulta.

Considerado um dos maiores eventos de cultura japonesa no mundo, o Festival do Japão apresentará shows musicais, atrações culturais, danças típicas, culinária, exposições e atividades para crianças. O evento é realizado desde 1998 pelo Kenren (Federação das Associações de Províncias Japonesas no Brasil), entidade que reúne as 47 associações de províncias japonesas sediadas no Brasil e tem o objetivo de divulgar e preservar a cultura e as tradições japonesas. Também auxilia entidades e projetos assistenciais.

Maiores informações:
http://www.festivaldojapao.com

domingo, 11 de julho de 2010

Brigam Espanha e Holanda

Leila Diniz

Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar.
O mar é das gaivotas
Que nele sabem voar.
O mar é das gaivotas
E de quem sabe navegar.

Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar.
Brigam Espanha e Holanda
Porque não sabem que o mar
É de quem o sabe amar.

Do livro:
"Leila Diniz", Editora Brasiliense, 1983, SP

sábado, 10 de julho de 2010

HAIKAI COLETIVO

escritos a seis mãos
Dia 02 de Julho, após a Seleção Brasileira tomar aquele vareio da Holanda, eu e os poetas George Pellegrini e Piligra fomos almoçar em uma churrascaria e tomar umas geladas a fim de colocarmos o papo em dia.
De uma das laterais do restaurante apreciamos a bela vista do Rio Cachoeira, parte da mata atlântica e a vida pulsando ao seu redor. Muitas cores. Inúmeros pássaros, como garças e graúnas, à margem do rio espreitando suas presas; outros, ao final da tarde, revoando em busca de abrigo.
Em clima de descontração começamos a escrever haikais. Exercícios apenas, embora frutos da vivência, de momentos observando a natureza.

Alguns deles são individuais, outros foram feitos a seis mãos. Ao final, há até a tentativa de uma renga (que acredito possamos retomar). Os haikais individuais estão assinados com as iniciais de cada autor: George Pellegrini (GP); Piligra (PI); Gustavo Felicíssimo (GF). Os coletivos estão com as três iniciais (GP PI GF).

as garças imóveis
lamentam a existência -
os carros passeiam
(GF)

tantas baronesas
e uma ponte solitária -
o mundo é cruel
(GP)

o rio segue a sina
da solidão da existência -
o mar: sua piscina
(PI)

gavião planando -
o olhar aguçado espreita
a presa sonhando
(GP PI GF)

paisagem invernal -
uma pintura abstrata:
roupas no varal
(GP)

reflete a cidade
sob o concreto da ponte -
piligra sorri
(GF)

reflexo difuso -
o rio como espelho vivo
e a imagem de um vôo
(PI)

as garças paradas
são pontos brancos no rio:
velho cachoeira
(GP)

feito uma galinha
a saracura se move:
atriz no tablado
(GF PI GP)

na margem do rio
a garça contempla calma
o peixe arredio
(PI)

as pedras cinzentas -
herança amaldiçoada
do rio cachoeira
(GP)

no voo de uma garça
a eternidade imprópria
sempre me ultrapassa
(PI)

céu azul turqueza
após a mata atlântica
um mar de beleza
(GF)

branco, branco, branco -
é imponenente o império
das garças no rio
(GP)

congelada a estátua
da garça, na margem cinza
é pura poesia
(PI)


desce o rio cortando
ávores, pássaros e pedras -
o olhar do poeta
(GP PI GF)

a pedra polida
deixa o rio insatisfeito -
é a regra da vida
(PI)

a regra da vida
nega a nossa existência -
instinto fatal
(GF)

-

parado o rio
calado, insonoro -
histórias a fio

na colcha de minha avó
as imagens da infância
(GP)

flores sobre a mesa -
no olhar do poeta triste
o abstrato não existe!

não fosse a ponte sobre o rio
de um dos lados faria frio
(PI GF)

Piligra é Lourival P. Júnior, Professor universitário (UESC/BA) com Mestrado em filosofia pela UFPB (Universidade Federal das Paraíba). Publicou “Fractais”, 1996. Possui poemas publicados em “Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna”. Blog: http://kartei.blogspot.com/

George Pellegrini é licenciado em Letras pela UESC e doutorando em Literatura e Comunicação pela Universid de Sevilla (Espanha). Recebeu vários prêmios em poesia e conto, entre eles o Jorge Amado (UESB) e o Castro Alves (Salvador). Possui poemas publicados em “Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna”. E-mail: pellegrini13@yahoo.es

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Peleja Virtual entre Dois Vates Arretados

Lançamento ontém foi repleto de êxito
No inusitado Cordel, os poetas realizam uma peleja virtual, inspirados nas pelejas dos repentistas e emboladores. A diferença está basicamente na diversidade das estrofes. Em “A Peleja Virtual Entre Dois Vates Arretados”, os autores introduzem um narrador que inicia a contação em estrofes de seis sílabas. Após, o embate principia com estrofes de sete; passa pela de oito com o Oitavão rebatido; pela estrofe de dez sílabas; onze, com um Galope à beira-mar. Após, retorna o narrador com uma sextilha, abrindo espaço para a conclusão da Peleja com um acróstico de cada poeta.
Comenta Jotacê Freitas a respeito desse folheto que “a peleja é uma forma poética de disputa de qualidades e exibição de cultura, é importante rebaixar o oponente e exaltar-se para a platéia. Tradicionalmente, entre violeiros repentistas, os poetas saíam até na mão para resolver uma questão poética. No folheto premiado, os duelistas fazem uma exposição de vantagens pessoais e passeiam pela história da literatura grapiúna através dos seus maiores autores. Todo esse trabalho é construído com belos versos compassados pelas rimas, métricas e diversas formas do cordel, como pede uma boa peleja”.

Alguns trechos:

Narrador
Pelas vias da internet
Se encontraram certa vez
Dois poetas arretados
Todos dois com altivez
Prum embate curioso
Como assim nunca se fez

Narrador
Sem pandeiro e sem viola
Felicíssimo e Piligra
Começaram a peleja
E causaram muita intriga
Frente a um computador
Foi assim aquela briga:

GF
Neste meu Brasil andei
Sempre atrás de uma peleja,
Enfrentei muitos poetas,
Seu Piligra, não graceja,
Reze três Ave-Marias
Sete noites, sete dias,
Peça a Deus que te proteja.


PI
Não sou homem de peleja
Nem gosto de confusão,
Deus me ajuda todo dia
Mas de briga corro não,
Fique calmo seu Gustavo,
Não sou de levar agravo,
Peça ao padre a extrema-unção.

GF
Seu poeta falastrão
Ouça o meu enunciado,
Eu não peço extrema-unção,
Nem à corte do papado;
Faça como fez Camões
Peça a mim dois mil perdões
Que hoje estou endiabrado.


PI
Sou um homem batizado,
Devoto de São José,
Temo a Deus e sou cristão
E alimento a minha fé,
Perdão eu não vou pedir
Você pode desistir,
Poeta você não é.

E por aí vai.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Auto-retrato - Bocage

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Salomé, obra de Oscar Wilde originalmente escrita em francês ganha tradução de Ivo Barroso

O poema dramático “Salomé”, de Oscar Wilde, destaca-se pela intensa carga simbólica. A peça foi escrita em 1891, no seu melhor momento de produção literária. Escrito inicialmente em francês e depois traduzido para o inglês, o texto passou por sérias emendas que geraram críticas do próprio Wilde, que julgou o resultado decepcionante. Agora, a editora Berlendis & Vertecchia publica uma tradução de Ivo Barroso direta do francês, ao custo de R$32,00.
Para quem conhece “O Corvo & suas traduções”, organizado por Barroso, sabe que pode esperar um trabalho competentíssimo, ainda mais porque “Salomé” não só traz a história da princesa que dança sobre o sangue para o tetrarca Herodes Antipas, com o intuito de conseguir a cabeça de João Batista, mas também textos explicativos comparando as traduções em inglês e francês, curiosidades como os originais bíblicos que fundamentaram a peça, além de trechos relacionados de Fagundes Varela, Gustave Flaubert e Eugênio de Castro.
O tradutor ainda teve o cuidado para que a peça não perdesse a sonoridade e pudesse ser usada para ser encenada. Para que o leitor entre no clima, também foram selecionadas 16 pinturas relevantes que demonstram os diversos tratamentos artísticos do tema, assim como sua longevidade. As ilustrações vão do século XV ao século XX e incluem reproduções de obras de Rogier van der Weyden, Caravaggio, Ticiano, Jean Benner, Oscar Kokoschka, Frans Stuck, Gustav Klimt, entre outros.

Site da editora: http://www.berlendis.com

Mãe, lê pra mim

Campanha do Instituto Pró-livro estimula mães a lerem para filhos. Pais também devem entrar nessa!

Durante todo o mês de julho, a campanha “Mãe, lê pra mim”, do Instituto Pró-livro, será veiculada pela Rede Globo em spots de 30 segundos. Neles, artistas, formadores de opinião e outras pessoas darão seus depoimentos testemunhando como o incentivo à leitura dentro de casa influencia no processo de ler por prazer. Eu, que faço parte do Comitê do Proler aqui na minha região, estou feliz com essa campanha que pode beneficiar não apenas a indústria da livro (não sejamos bôbos), mas, sobretudo, uma geração inteira de mães que podem adquirir novos hábitos e assim formarem novos leitores, leitores para a vida. Os pais também devem entrar nessa!
O destaque é o ator Tony Ramos, que fala sobre a importância da leitura em sua vida. “A campanha nasceu a partir da análise dos dados da segunda edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a qual indica que 73% das crianças têm em suas mães a maior influência no hábito da leitura”, comenta Zoara Failla, gerente de projetos do Instituto Pró-Livro. O projeto do vídeo foi concebido durante a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, em 2009. Durante os dez dias do evento foram recolhidos depoimentos dos visitantes falando sobre quais foram seus principais incentivadores da leitura. Para ampliar a área de abrangência do “Mãe, lê pra mim?”, além de ampla divulgação na mídia, o IPL, com o apoio do Ministério da Cultura e o Plano Nacional do Livro e Leitura, distribuirá os vídeos da campanha em Pontos de Leitura do Programa Mais Cultura do Minc e juntamente com mais de quatro mil obras de literatura infantil e juvenil que beneficiarão 600 famílias.

Para conhecer mais sobre a campanha, assista ao vídeo: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=1166

terça-feira, 6 de julho de 2010

Novo exemplar do Correio das Artes

Está disponível a edição de junho do Correio das Artes, o último número com Antônio Mariano como editor. A edição traz em sua capa o título "Memória Resgatada", com homenagem a Antônio Barreto Neto, um dos grandes críticos cinematográficos da Paraíba.
Constam da edição, entre outros, Gonzaga Rodrigues, o próprio Barreto Neto com um ensaio sobre o cinema de Glauber Rocha, todos publicados no livro "Cinema por Escrito", que saiu sob a chancela de A União. E mais: textos de Jomard Muniz de Britto, Hildeberto Barbosa Filho, Rinaldo de Fernandes.

Essa e edições anteriores podem ser conferidos no site:
http://www.auniao.pb.gov.br/v2/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=58&Itemid=67

Auto-Retrato - Manuel Bandeira

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Auto-Retrato - Mário Quintana


No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!

COMO ALFONSINA

Valdelice Pinheiro

Como Alfonsina,
mar-a-dentro,
eu queria morrer
buscando algas
e cavalos marinhos,
catando na árvore vermelha
de cada coral
os meus perdidos versos
e devolvendo à superfície
o som sem jeito
e branco
de meu amor
e minha solidão.

Em: Expressão Poética. Pág. 71. Organização de Maria de Lourdes Netto Siomões. Editus, Ilhéus, 2007.

Poemas e artigos sobre a poesia de Valdelice Pinheiro:
http://www.revista.agulha.nom.br/valdelice.html

sábado, 3 de julho de 2010

Um estigma cheio de letras

Analfabetismo é um problema histórico difícil de resolver agora
A menina de 4 anos chegou da creche com um bilhete em punho: "Manhêê, lê!" Maria Helena, de 36 anos, três filhos e uma panela na mão, olhou o papel e logo voltou os olhos para a pia. Mas a filha não deu sossego. A mulher, então, deixou a panela, pegou a mão da garota e o bilhete e foi em busca de alguém que fizesse o favor de "entender as palavras escritas". A pequena fincou o pé e desabou num choro: "Não! É a mãe que tem que ler, não vale a vizinha, a professora mandou!" Cida tem 40 anos, é irmã de Maria Helena e trabalha como empregada doméstica. Ao som de seu radinho de pilha, Cida cumpre seus afazeres. Mas basta o carteiro aparecer para tirar o seu sossego. Cida sabe assinar o nome, "todinho, em letra corrida: Maria Aparecida de Oliveira da Silva", mas basta segurar a caneta para se esquecer das letras. Espalhados pelas cidades, metidos em uniformes de garis, buracos de construção, casas de família ou salões de cabeleireiros, há no Brasil 14 milhões de analfabetos. Eles ganham em média R$ 430, ante R$ 962 para aqueles que cursam o ensino médio. São analfabetos absolutos, que frequentaram muito pouco uma escola ou mesmo nunca pisaram numa delas. Essa população aprendeu a levar a vida no jeitinho, reconhece o ônibus pela cor ou guarda receitas e informações importantes na memória. Analfabetismo é um problema histórico difícil de resolver agora, diz ao Valor o economista Naercio Aquino Menezes Filho, do Insper-Instituto de Ensino e Pesquisa, de São Paulo. Segundo ele, ao longo do século XX, o Brasil não se esforçou suficientemente para pôr todas as crianças na escola.

Fonte:
Valor Econômico - 02/07/2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O Poeta Dante Milano

Relendo a breve, mas poderosa produção poética do mineiro Dante Milano (que também foi ótimo tradutor), me deparei com um texto conclusivo de Manuel Bandeira sobre sua obra. Diz ele: Dante Milano, nascido em 1899, estreou tarde em livro (Poesias, 1948), o que, se por um lado privou um grande público de mais cedo tomar conhecimento de um dos nossos poetas mais fortes e mais perfeitos, de, por outro lado, ao artista a vantagem de surgir em plena maturidade, sem cacoetes caducos dos primeiros anos do modernismo. A sua poesia é grave e pensativa – Mário de Andrade chamá-laia de “pensamenteada”. Exemplo singularmente raro em nossas letras, parece o Poeta escrever seus versos naquele indefinível momento em que o pensamento se faz emoção.

COMPOSIÇÃO
Dante Milano

Duas mulheres juntas
Formam desenhos dúbios

Se numa só há tantas,
As duas serão quantas?

Uma na outra transformo
E, misturando as formas,

No mesmo luar as banho,
Metamorfoses sonho.

Todas parecem uma
A quem a todas ama.

LEIA TAMBÉM
http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet241.htm