sábado, 27 de fevereiro de 2010

Convite para leitura

Convido os amigos, leitores, a conhecerem um poema inédito que fiz ainda em 2007, na tentativa de estabelecer um claro diálogo com Drummond em “Procura da Poesia”. A leitora crítica, Gerana Damulakis, publicou “Revelação” em sem blog.

Cordel do Fogo Encantado chega ao fim

Que pena! Desfez-se há poucos dias um dos grupos mais importantes do cenário pop nacional, o Cordel do Fogo Encantado, que, com a estrela luminosa de Lirinha levava aos palcos do país a mais pura poesia matuta, como o antológico “Ai se sesse”, de Zé da Luz, e também aquela, digamos, mais universal, como “Canto dos Imigrantes”, de Alberto da Cunha Melo.

Lembro-me muito bem de um dos meus encontros com Lirinha, se não me engano no ano de 2005, no auditório da CHESF de Salvador, onde ele foi fazer uma palestra sobre cultura popular, onde ratificou e certificou toda a grandiosidade da poesia que o move. Modesto, afirmou que tinha mais dúvidas que certezas sobre o assunto abordado e diz que seu antecessor no projeto, o escritor e mestre paraibano Ariano Suassuna, teria mais a contribuir que ele. No entanto, com firmeza trata de temas polêmicos e afirma a universalidade da literatura de cordel.

Neste dia, juntamente com outros poetas, pude entrevistar o Lirinha para uma das edições do tablóide literário SOPA. Abaixo, os principais trechos.

Entrevista

Gustavo Felicíssimo – Você tem juntado muita água em peneira?
Lirinha
– (risos) Você fala sobre o impossível?

Gustavo Felicíssimo – Em um poema Manuel de Barros aborda essa questão...
Lirinha
– Eu acho que ele fala do impossível, já que estar nesse mundo capitalista onde os objetivos são ligados ao lucro e você viver de poesia, eu acho que é juntar água na peneira, não só viver de poesia, mas fazer poesia num ambiente tão adverso, tão contrário a isso nesse momento, onde se espera um objetivo prático de todas funções humanas, principalmente nesse momento de acentuação dessa relação mais cruel do capital, onde vai vendo reduzido o espaço para esse tipo de vôo, esse tipo de sonho. Mas eu não acredito que desaparece, que morre-se, eu não acredito que vai acontecer uma geração que não faça poesia, eu não acredito, a poesia foi inventada em algum momento e agora não tem mais fim. Essa forma de expressão através das palavras e a busca por aquilo que emociona não tem fim. Como diz Prítido Monteiro de Brito: “tirar de onde não têm e botar onde não cabe” parece que tem o mesmo sentido de “carregar água na peneira”. Poetas de lugares diferentes que tiveram a mesma idéia. Eu vejo assim.

Jotacê Freitas – Você falou em sua palestra sobre a questão do resgate. Você tem consciência que o surgimento do grupo Cordel do Fogo Encantado estimulou a leitura do cordel pela juventude?
Lirinha
– Pode ter estimulado, mas isso não provoca o ressurgimento de uma manifestação inteira, porque pra isso acontecer é necessário a criação, e o Cordel do Fogo Encantado não distribui uma criação que preencha os espaços da falta da Literatura de Cordel, inclusive a gente nem faz folhetos de cordel. Eu acredito que o que o Cordel do Fogo Encantado pode ter facilitado é a descoberta de pessoas com essa potência poética nelas, mas não acredito que seja o Cordel (a banda) que favoreça essa, digamos, revolta da literatura, essa volta da literatura (de cordel). Eu acredito que a banda joga uma luz, um holofote pra um ambiente onde, por vários fatores, estava mal iluminado, na escuridão, e jogando esse holofote as pessoas tiveram a grandiosidade à frente da Literatura de Cordel. As pessoas, não o Cordel do Fogo Encantado. Volto a dizer, não pára, o que tem é muito garoto e muita garota que fazem, mas não encontram uma necessidade de publicação disso, ou então não têm a necessidade de aprofundamento nessa sabedoria adquirida. Então você estimula através do exemplo e eu acho que o Cordel é isso, um exemplo para uma geração, um exemplo de possibilidade, de que é possível. Pra minha cidade o meu grupo tem essa função que é estimular a possibilidade e isso faz com que as pessoas saiam de uma determinada condição de submissão, de achar que não vai conseguir com aquilo ir pra algum lugar. Então é isso, é mais uma abertura de possibilidades que a gente proporciona.

Gustavo Felicíssimo – Como é que foi essa transição de um grupo de teatro que tinha a poesia inserida nele para um grupo musical que leva a poesia de cordel adiante?
Lirinha
– A música foi uma descoberta recente do grupo. A gente não se juntou pra fazer um grupo de música. Era um espetáculo de poesia e foi no contato do dia-a-dia com os instrumentos que a gente começou a compor, então isso é interessante porque eu poderia - se não tivesse entrado nessa vida artística – morrer sem saber que tenho essa força criadora, agora, a nossa poesia, a poesia que eu cresci escutando tem uma musicalidade intrínseca, a métrica e a rima dão uma cadência que é muito musical. Talvez essa poesia da cantoria de viola e da Literatura de Cordel sejam uma das poesias mais musicais do mundo. Eu lembro que quando fui me apresentar no exterior pela primeira vez, na Alemanha, eu dizia uma poesia de Zé da Luz sozinho no palco, e muitas pessoas depois chegavam me dizendo em alemão que a música que eu tinha cantado sozinho era linda, e eu disse através de um tradutor que era uma poesia. Aí eu vim perceber o quanto eu canto no desenvolvimento dessa poesia por conta principalmente da métrica, mas como dizem: todo sertanejo fala metrificado.

Jotacê Freitas – Zé Ramalho já escreveu e publicou um folheto, Alceu Valença tem prometido um que diz que vai virar filme, e você tem algum folheto escrito?
Lirinha
– Eu tenho algumas coisas que vou publicar em algum momento, mas eu te digo outros que lançaram: Bráulio Tavares, Lenine com o seu Cordel Cibernético que está no segundo disco dele e que é um cordel musicado; Djavan também incursiona em vários momentos por referências à cantoria de viola e como influência, inclusive, em uma música ele fala isso: (cantando) “certa vez fugimos de uma função de cantadores do nordeste”; Siba faz cordel e é bom pra caramba. A gente se entendeu muito. Quando cheguei em São Paulo foi ele que me recebeu primeiramente, ele já estava lá e a gente fez muita coisa em São Paulo, inclusive, ele hoje tomou opção pela poesia de improviso. Mestre Ambrósio não existe mais e ele deu uma mergulhada nessa coisa, até lançou uma coletânea de poetas da mata norte, com vários poetas e vários estilos: embolador, cantador de viola, puxadores de maracatu, tudo que envolve improviso e métrica.

Fátima Santiago – Percebi que você tem uma memória espetacular e que tem inúmeros poemas decorados, como é que essa poesia chegou até você?
Lirinha
– Esse aí é um ponto interessante, pois não adiantaria eu ter boa memória e não ter tido o conhecimento, não ter sido apresentado a essa poesia. Fui apresentado dentro da minha família que já curtia muito a cantoria de viola e tinham livrinhos em minha casa de Patativa do Assaré, de Zé Laurentino, de Chico Pedroza que meus tios pegavam com ele e muita cantoria de viola no sítio em que meu pai nasceu. Então eu decorei uma poesia sozinho e isso tornou-se impressionante, depois em toda festa da casa e batizado pediam pra eu dizer, foi aí que Ivanildo Vilanova viu e me convidou para ir com ele a um festival de violeiros, depois comecei a viajar com eles para fazer participações nos intervalos das cantorias. O que eu acho interessante nessa história é que havia um livro na minha família e estava disponível para que eu pegasse esse livro e decorasse, então acredito, deveria ser algo com efeito prático se esse conhecimento estivesse mais ao acesso da juventude e isso que vocês fazem tem esse peso social importante, pois pode ser que uma criança em algum momento decore uma poesia e isso mude a vida dela, que ela vá viver disso.

Duda – Na sua opinião, a quem interessa essa compartimentação popular/ erudito, você acredita que existe a colaboração do próprio nordestino para que isso se perpetue?
Lirinha
– Acredito que existiu uma invenção do nordeste, um nordeste que é real, mas que não é apenas isso e que se perpetua no nosso país com uma idéia de que o nordeste, necessariamente, é mais arcaico, mais tradicionalista que o sudeste e isso não é verdade. Isso é perpetuado por uma literatura e muito por causa de várias caricaturas criadas tanto pelo nordestino e também por não nordestinos, mas isso é estruturado e aceito pela nossa população que também se enxerga numa empregada doméstica da novela das nove falando uma linguagem que você vê que não é daqui, mas que é a caricatura do nordeste, que é um sotaque que não é de lugar nenhum, mas que é a caricatura do nordeste e termina você aceitando e se vendo naquilo ali, e até acharia estranho se visse numa novela da Globo uma pessoa de sotaque nordestino dono de uma empresa grandiosa. Então existe essa relação que eu acho que é uma condição política negativa pra gente e que faz com que seja perpetuada uma determinada escravidão, uma submissão.

Duda – Então dentro da literatura o que pareceria um protesto, uma denúncia, virou um estado de ser...
Lirinha
– Não, eu interpreto isso da seguinte forma: quando o modernismo surgiu o regionalismo foi colocado como oposição ao movimento modernista, acredito que pela imprensa, pela mídia da época, não pelos regionalistas e essa oposição até hoje tem raízes muito fortes, como por exemplo: a histórica discussão entre Chico Sciense e Ariano Suassuna. Essa divisão não existe verdadeiramente, é uma divisão conceitual e todos estão praticamente na mesma linha de criação que é a da liberdade, é a da ousadia, que é trazer elementos do seu lugar, algo que é pessoal e isso tem tanto na obra de Ariano quanto na obra de Chico. Aí se criou isso porque Chico tinha dialogado com algo que no caso era o rock’n rol que não é pernambucano e isso fazia com que ele entrasse num time de arte diferente do de Ariano e isso não é verdade. Isso ocasionou um erro gravíssimo que foi o fato de Fred Zero Quatro, vocalista e letrista premiado no país inteiro por dois anos seguidos como o melhor letrista escreveu uma música que é “Os Arianos contra os Africanos” fazendo uma metáfora da raça ariana que seria a pureza, dando uma futucada no Suassuna e aí reside um erro absurdo, fruto desse preconceito porque Ariano foi um dos que mais colocou a discussão sobre o negro na roda dos intelectuais. Isso atrapalha muito a nossa história porque você faz uma trajetória artística e sempre, em todos os prêmios, concorrer a melhor grupo regional, melhor cantor regional e nunca ser colocado num ambiente nacional, nunca, aí você começa a se perguntar o que é isso de regionalismo. Será que isso é sinônimo de nordeste? Isso eu acho que tem que ser discutido. Eu também não quero levantar algo sem ter estrutura para defender, eu não tenho defesa acadêmica pra isso, mas quero jogar essa confusão na cabeça das pessoas. Acho que chegou o momento que essa definição não cabe mais. E se for cultura popular qual vai ser? Veja só: o Samba de Coco de Arco Verde, ele era um grupo que fazia apresentações no quintal da casa deles e era belíssimo, ainda é belíssimo, e aí houve uma modificação desse grupo para um ambiente de palco que foi a diminuição da quantidade de músicas, do tempo das músicas, houve uma adaptação para o ambiente de mercado, mas com total consciência deles que começaram a ter relação com o micro-fone, tecnologia. É muito cruel você ver que eles tomaram uma atitude semelhante a qualquer banda do cenário pop, mas eles ainda são interpretados como uma banda de cultura popular pela raiz de onde eles vêem, por um preconceito. Em vários momentos da pra trocar a palavra “cultura popular” por “pobre” e você não erra na análise.
Pra quem nunca viu a banda:

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Micro entrevista com W. J. Solha

A vontade de entrevistar W. J. Solha para um novo livro que preparo, nasceu das leituras que fiz de duas obras suas, ambas belíssimas: “Trigal com corvos” e “Relato de Prócula”. O primeiro de poesia, o segundo, um romance. Para esse livro tenho preparadas trinta entrevistas com pessoas que trafegam por diversas configurações artísticas a fim de oferecer ao leitor um amplo e democrático conceito de poesia. Esse projeto começou ainda em 2008 e muitas entrevistas já foram publicadas por aqui ou no antigo blog que mantínhamos. São apenas três perguntas para cada entrevistado, e cada entrevista um set diferente de perguntas.

Gustavo Felicíssimo - Poeta, romancista, dramaturgo, artista plástico, ensaísta. São muitas as áreas da arte por onde você transita com desenvoltura. Como a poesia dialoga com todas essas linguagens e o que determina, na prática, o que você vai fazer hoje?
W.J.Solha
– Na verdade, tudo é poesia, como diz a origem grega da palavra. Sempre ouvi falar de escritores que andam com cadernos de anotações – hoje, talvez, laptops – em que registram o que “pescam” no dia a dia, para utilização em seus romances e contos. Jorge Amado, por exemplo, colheu muita expressão ou jeito peculiar na Baixa do Sapateiro e arredores, para seus livros. Como eu tinha, quando comecei a escrever, o expediente de oito horas a dar no Banco do Brasil, acostumei-me, já que sempre vivi cercado de livros de arte, muitos de fotografia, a perambular... dentro deles, nas horas livres de que dispunha, coisa que faço até hoje, quando – aposentado - disponho de todo o tempo do mundo. Lembro-me de que uma descrição da chegada a cavalo do personagem principal de meu romance “A Canga”, criei-a – sem imaginar para que ela me serviria – ante uma reprodução do monumento Colleoni, de Verrocchio, “a presença com a cara macha e arrasadora, da cabeça aos cacos”. Sempre mantive, assim, um “banco de frases”. Meus romances eu sempre os escrevi como as histórias me chegam, sem qualquer preocupação literária. Feito isso, vou enxertando, neles, os “achados” obtidos pelo artifício. Meu primeiro livro publicado – “Israel Rêmora” – é composto de capítulos em que a narrativa é feita na terceira pessoa, intercalados de poemas na primeira. Esses poemas eram, nada mais, nada menos, do que as frases de meu “banco”, desvinculadas da intenção de contar, o que produzia um efeito de ... elevação, quando entravam no contexto. Vai daí que, um belo dia, me perguntei “Por que não faço um poema longo seguindo o mesmo sistema?” Foi assim que surgiu “Trigal com Corvos”, foi assim que surgiu (ou está surgindo agora ) um outro livro no mesmo formato.

Quanto ao que você também me pergunta: o que determina, na prática, o que vou fazer hoje, minha resposta é que para isso agem forças internas e externas. Em 78, levado pelos brios da cidadania ferida, fiz versos de cordel, martelo agalopado e gemedeira para a primeira cantata da língua portuguesa, a criada pelo maestro José Alberto Kaplan para cantar a luta épica dos camponeses paraibanos pela reforma agrária. A “Cantata pra Alagamar” foi apresentada por corais de vários pontos do país e gravada pela Marcus Pereira, de São Paulo, em 1980, sob os auspícios de Dom Hélder. Já no ano passado, recebi a encomenda de produzir versos para outra obra pioneira, “A Ópera Dulcineia e Trancoso”, a primeira armorial, para o maestro Eli-Eri Moura, e ela teve estreia com tudo que tinha direito, no Teatro de Santa Isabel, do Recife. Mas de repente me vem o desejo de dar à juventude pessoense uma ideia – num só lance de vista - do que é a obra completa de Shakespeare, e paro tudo, em 1997, para trabalhar durante nove meses no painel que se pode ver no auditório da reitoria da UFPB, um retângulo de 2 metros por 7 metros e vinte, composto de trinta e seis telas, cada uma alusiva a uma das peças do Bardo. Doutra feita, o jogador Edmundo quis insultar um juiz de futebol e o chamou de “Paraíba”, o que causou muita revolta no estado e fez com que eu, em reação, oferecesse a um dos principais jornais daqui a ideia de homenagear todos os paraibanos de nome nacional com um retrato de página inteira, na capa dos suplementos de domingo. Passei o ano 2000 e metade de 2001 retratando gente como Assis Chateaubriand, Zé Lins do Rego, Augusto dos Anjos, Walter e Vladimir Carvalho, Pedro Américo, José Dumont, Sivuca, Zé e Elba Ramalho, Geraldo Vandré, o jogador Júnior, o pintor Antonio Dias, a atriz Marcélia Cartaxo, etc, etc, isso enquanto escrevia meu poema longo “Trigal com Corvos”. Até que o cineasta Marcus Vilar resolveu fazer um curta-metragem com um trecho de meu romance “A Canga”, joguei tudo pra cima e fui fazer roteiro e storyboard, acabando, inclusive, no papel principal no filme. Daí me nasceu a angústia de não ter, ainda, contado como eu, o colega do BB, José Bezerra Filho, e todo o povo da cidade de Pombal, no alto sertão, produzimos o primeiro longa-metragem de ficção, em 35 mm, da Paraíba, e escrevi meu último romance, “Relato de Prócula”. Terminado o livro, veio-me a vontade de, novamente, trabalhar a longo prazo com novo poema longo... e assim vai...

GF - Você acredita que há um papel relevante destinado à crítica ou o artista deve ser o grande crítico de si mesmo?
Solha
– Crítica é sempre uma atividade perigosa. Monteiro Lobato acabou com a vida de Anita Malfatti. Rachmaninoff passou dois anos em tratamento, depois da crítica violenta que sua primeira sinfonia recebeu nos jornais de Petersburgo. O artista deve ser o grande crítico de si mesmo, ou não aguenta rebordosas desse tipo. Mas que há um papel relevante destinado à crítica, há. Não há textos que eu goste mais de ler do que os dos grandes críticos que são historiadores de arte, como Argan, Gombrich e Faure. Quem não gostou imensamente de “O Escorpião Encalacrado”, de Davi Arrigucci Júnior sobre Cortazar, ou – aqui na Paraíba – de “Signo e Imagem em Castro Pinto”, de João Batista de Brito?
Sinto uma necessidade enorme de mostrar, sempre, a três ou quatro pessoas os meus livros quando chegam àquele ponto em que não consigo acrescentar nem tirar mais nada, deles. Lembro-me de que tinha certeza de ter produzido uma obra-prima, quando terminei meu primeiro romance. Pedi, então, ao poeta e crítico Jurandy Moura que me lesse os originais, mais para ouvir os aplausos do que para outra coisa. Daí que tive um choque quando ele me disse que achara o romance muito ruim, que na verdade ali não estava um, estavam dois, três livros. E, cabeça fria, deu-me um enorme conselho:
- Anote a data de hoje aí na capa, vá fazer outra coisa e, daqui a seis meses, releia esses originais.
Foi o que fiz. Seis meses depois, tive o impacto. “Jurady tinha razão!” Mandei, então, a obra para o Prêmio Fernando Chinaglia e ganhei-lhe o primeiro lugar.
A verdade é que ninguém faz arte para si mesmo, por mais que faça basófia do contrário. Arte é comunicação e “quem não se comunica, se trumbica”. Claro que há obras mais e menos populares. Com menor ou maior número de leitores. Mas todas foram feitas para os outros. Pouca coisa deprime mais um dramaturgo do que ver o teatro vazio numa estreia sua. Porque ele escreveu para a multidão que deveria estar enchendo aquele espaço enorme das poltronas, frisas, camarotes e galeria.
Quando cheguei onde poderia chegar com meu romance “Relato de Prócula” (lançado em 2009 por A Girafa, hoje Arte Pau Brasil) submeti-o a quatro cobras – três do Rio, um de São Paulo. Dois me disseram que eu fizera uma obra-prima, dois, que eu me dera mal com o livro. Retrabalhei a história em cima dos comentários negativos, submeti-a, então, a um quinto leitor, esse gaúcho, que me fez mais críticas ainda e, esgotados todos esses recursos, submeti os originais à editora A Girafa, que os aprovou e publicou. Um dos que não tinham gostado do romance antes – o grande poeta e tradutor Ivo Barroso – releu a obra já publicada e lhe deu um tremendo elogio, no Estadão.
Com poesia isso é ainda mais complicado. Fico besta quando vejo um gênio como Oliveira de Panelas fazendo repentes e me lembro de que passei catorze anos trabalhando intermitentemente no “Trigal com Corvos”. No meio dessa trabalheira fiquei entre os finalistas do Nestlé de 1991, dei um descanso ao livro e voltei a retrabalhá-lo, até que resolvi mandá-lo para o Affonso Romano de Sant´Anna, que o considerou “notável”, avisando-me, no entanto, que eu não encontraria editor para ele. Consegui que a Palimage, de Portugal fizesse uma co-edição com a Imprell da Paraíba – paga por mim - e o poema acabou recebendo o Prêmio João Cabral de Melo Neto da UBE Rio, 1992.

GF - Seria a poesia uma espécie de fuga da realidade ou um modo de se chegar à essência do ser humano?
Solha
– Dante, quebrando a tradição que determinava ser obrigatória a abordagem de altos temas somente em latim, fez da Toscana – com a “Divina Comédia” - berço do idioma italiano. Affonso Romano de Sant´Anna, em “Que País é Este”, foi a voz do povo brasileiro revoltado com a ditadura. Foi a minha, pelo menos. Virgílio, com “A Eneida”, deu fundamento mítico a Roma. Sacralizou-a. Brecht, em “Aos que Virão depois de Nós”, diz à posteridade o que era ser alemão na época terrível do nazismo. Mas há versos que vão mais fundo, como os Salmos e o Cântico dos Cânticos (ou Cantares de Salomão), “O Poema dos Dons”, de Jorge Luís Borges, a “Saudação a Walt Whitman”, de Fernando Pessoa. A densidade é tal, nos grandes poetas como Pound, Ferreira Gullar, T. S. Eliot, Baudelaire, Drummond, que acaba gerando uma profundidade que não se consegue por outros meios. Veja Augusto dos Anjos em “O Lamento das Coisas”;

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

Isso põe o leitor em conexão com a parte mais funda do ser. Por isso e pela ressonância de seu vocabulário estranho, tornou-se incrível a quantidade de paraibanos que – mesmo sem qualquer preparo intelectual específico - repete esse poema ou “O Monólogo de Uma Sombra”:

Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias.

O poeta, enfim, é aquele inspirado que nos tira as palavras da boca. Como faz Neruda quando diz “Gosto quando te calas porque estás como ausente”, ou como faz Vinicius, quando ao falar de amor, exige:

Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.,

Biografia:
Nasceu em Sorocaba, 1941, renasceu no alto sertão da Paraíba em 62, quando tomou posse no BB. Ali fez literatura, teatro e - com o colega José Bezerra Filho, mais o povo da cidade - produziu O Salário da Morte, o primeiro longa-metragem de ficção, em 35mm, do estado. Trabalhou como ator nesse filme, em Fogo-Morto e em Soledade (ambos de 1975), no curta A Canga, de 2001, nos longas cearenses Lua Cambará, em 2002, e Bezerra de Menezes, em 2008. Em 74 ganhou o Prêmio Fernando Chinaglia com o romance Israel Rêmora, publicado pela Récord no ano seguinte. Em 88 ganhou o prêmio INL com A Batalha de Oliveiros, editado pela Itatiaia. Em 2005 ganhou o Prêmio João Cabral de Melo Neto com o poema longo Trigal com Corvos. Em 2006 ganhou o Prêmio Graciliano Ramos com a coletânea de contos, romances e um roteiro cinematográfico de História Universal da Angústia. Em 2007 ganhou a Bolsa Funarte de Incentivo à Criação Literária com o projeto do romance Relato de Prócula, publicado por A Girafa em 2009. Tem o painel Homenagem a Shakespeare no auditório da reitoria da UFPB e o quadro A Ceia, no Sindicato dos Bancários. Escreveu para o maestro José Alberto Kaplan os versos da Cantata Pra Alagamar, em 78, os versos do Oratório da Via-Sacra para a Prof. Ilza Nogueira em 2005, os versos dA Ópera Dulcineia e Trancoso para o maestro Eli-Eri Moura em 2009. Escreveu e montou os espetáculos A Bátalha de OL contra o Gígante FERR e A Verdadeira Estória de Jesus. Reside em João Pessoa desde 1970.
Relação externa:

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dão - Para Embelezar a Noite

Faz pouco tempo recebi em Ilhéus, na Fundação Cultural, a visita do produtor cultural Uzeda, que estava trazendo para a cidade uma apresentação do grupo Samba Chula de São Bráz. Conversa vai, conversa vem, Uzeda me fala de um músico muito talentoso, Dão. Que surpresa! Dão, meu amigo de longas datas, ainda em Salvador, estava com seu primeiro Cd na praça e já havia ido aos Estados Unidos e México. Ainda lançaria o trabalho na Europa. Fiquei muito feliz com as notícias.

Vai daí que em uma das minhas idas à Salvador, ao dobrar uma esquina do Porto da Barra, me encontro com meu amigo. Que alegria! Botamos o papo em dia em combinamos que um hora dessa Dão apareceria aqui no sul da Bahia para algumas apresentrações.


Para Embelezar a Noite, nome do novo Cd de Dão, representa a essência da musicalidade negra, cheia de swing e originalidade em suas canções influenciadas pelo soul, funk, samba, reggae, blues e rock’ n roll com o embalo da musicalidade negra baiana. Com o tempero da black music universal e a vivência dos bares e casas noturnas de Salvador, fui construindo o repertório do CD junto com o público, noite a noite, diz o cantor, que neste trabalho faz homenagens a James Brown, Ary Barroso, ao poeta Castro Alves e ao sambista Bezerra da Silva que aparecem em citações, repentes ou acordes. Para embelezar o CD, o encarte ganhou os traços e formas do artista plástico e cartunista baiano Cau Gómez e da fotografia de Rosângela Guedes.

Trajetória:
Com cinco anos de carreira, Dão coloca o pé na estrada no ano de 2004, circulando os principais palcos das cidades baianas. Em 2006 lançou o EP “Ligue o som e curta o brilho” um compactos simples com cinco canções. No ano de 2008, apresentou-se para o grande público do Projeto Música no Porto, logo após no aniversário de 459 anos da Cidade de Salvador, quando abriu o show do rapper MV Bill. No mesmo ano, Dão misturou palestra-show com o tema “Música Negra Urbana” na University of Delaware, nos Estados Unidos, além de algumas apresentações musicais em outras cidades americanas.

Tudo isso para mostrar a vocês o belíssimo videoclipe da música Não vá dizer que vai ficar de fora desse samba. Não deixem de ver, pois vale muito a pena.



quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Rock & Poesia - Despedida em alto astral


Acontece nesta quarta-feira, na Casa dos Artistas, em Ilhéus, a apresentação do poeta Heitor Brasileiro com a Banda Dr. Imbira, na despedida do projeto Rock & Poesia.

O evento, que tem o apoio da Fundação Cultural de Ilhéus, é uma atividade lítero musical que contou com a participação de Gustavo Felicíssimo e O Quadro (dia 3 de fevereiro); Daniela Galdino e Rebocados (dia 10); e Ulisses Prudente e Infected Minds (17).

No palco da Casa dos Artistas, poetas e músicos dividiram o mesmo espaço, fundiram seus trabalhos e estilos em uma iniciativa até então inédita na região.

A repercussão e a receptividade foi tão boa que já pensamos na possibilidade de reeditar o evento no segundo semestre.

Rock & Poesia
Casa dos Artistas
Hoje – 20 horas
Inteira R$ 10,00
Meia – R$ 5,00

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Oração Pelo Poema (Poema Nº 1)

Alberto da Cunha Melo


Escrevo de cabeça baixa
por que levantá-la depois?
Não o faça para ser visto
pelos que passarem na estrada.

Viver na mesma posição
mas deixando a alma sair
pelos olhos e pela boca,
como água a jorrar de uma estátua.

Este é o tempo em que Deus regressa
pelos quatro cantos da casa.
Vem desenterrar o poema
do meu corpo e gritar comigo.

Recebe-o diante do espanto
dos amigos que não o vêem,
tenho gestos incompreensíveis
e digo coisas já remotas:


Senhor, protege meu poema
e obscurece com tua sombra
os versos mortos, as palavras
que sobram, o tempo perdido.


Relação externa:
Poema único, dividido em 30 partes, foi escrito no verão de 1967 e publicado originalmente em 1969, em separata da revista Estudos Universitários, da Universidade Federal de Pernambuco. Está disponível, na íntegra, neste endereço: http://www.plataforma.paraapoesia.nom.br/albertora2004.htm

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Perguntas ao Pó (Poema Nº 1)

Para Castro Alves

Por que vieste assim, tão frágil,
sua vida beijando a morte,
se bebeu do leite da escrava
e se podia melhor sorte;

por que partiste muito jovem
se teus versos é que nos movem,


se teu canto é que nos conduz
sobre o éter dos novos dias,
caminho ao encontro da luz,


e por que não, sopro de vida
em meio à plêiade perdida?

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Canção Cigana

Carlos Falck


Mulher de narciso e lua!
Caracol de meu silêncio,
véu pintado na janela
com guizos e tempestades.

Aspiro na tarde branca
o cheiro de tuas pernas;
há um frio desesperado
por fora do teu vestido.

E porque teu corpo leve
foge do sonho e do beijo,
o homem cai na pedreira
e morre no teu deserto.

Mulher, de narciso e lua!
Poltra na planície, nua,
correndo, com serafins,
pelos caminhos dos lírios,

vim de longe no teu rasto,
quero beijar teus mamilos;
e se nada disso for
mais do que sonho dourado,

vou caminhar sem destino
(meu destino é desatino),
gritando por ti na rua,
mulher de narciso e lua!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Transe - um brinde à vida

Às vésperas de comemorar três anos de união com minha esposa, lembro do motivo que me levou a escrever esse soneto: uma ameaça de morte. Feliz, brindo à vida. A propósito, que fazem, mesmo, os covardes entre nós?

Como é doce a lembrança de outras faces,
bem mais doce, porém, a imagem desta
que em meu ser encontrou pequena fresta
e adentrou de mansinho, sem disfarces.

Delícia que me leva à realidade,
assegura a certeza na ilusão
vivida, no porvir e na visão
que me encarcera, assim, noutra verdade.

Embora eu não estranhe a voz do medo,
esse ser que atormenta e também cega,
vivo agora o que ao homem não se nega:
entregar-se ao amor sem arremedo.

Apesar de sentir o véu da morte
insisto em ser senhor da minha sorte.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Satori Uso, o filme

Não deixe de assistir, pois esse curta é formidável. Trata da vida de um poeta fictício. A indicação veio de um novo amigo e conterrâneo, o jornalista Ramon Barbosa Franco, do Jornal da Manhã, de Marília. (GF)

Por Rodrigo Garcia Lopes

Em 1985, depois de um ano on the road pela Europa, e enquanto editava a página Leitura da Folha de Londrina, quis publicar meus novos poemas, então inspirados no zen budismo e influenciados pelo haiku. Como achei anti-ético publicar meus poemas numa página que eu mesmo editava, achei a solução de inventar um poeta japonês que teria imigrado para Assaí, cidade perto de Londrina, nos anos 50, depois de ter vindo do Japão, ter convivido com os beats na California, e depois de perder toda a sua obra na viagem de navio para o Brasil. Ele acaba recebendo um convite da família Akiro para trabalhar no sítio da família em Assaí até ser descoberto como o grande poeta japonês desaparecido e de ser assediado por poetas que vinham a seu encontro em seu sítio.

Inventei toda uma biografia para Satori Uso (falso brilhante, ou iluminação mentirosa) e o personagem acabou dando muito o que falar. Na página indicava que eu havia traduzido os poemas para o japonês junto com uma tradutora japonesa também inexistente. Lembro que no curso de Jornalismo da UEL fui elogiado pelo meu trabalho de "investigação jornalística" por uma professora até o hoje dramaturgo Paulo de Moraes cair na gargalhada e entregar tudo. O problema é que por um bom tempo passaram a duvidar de qualquer poeta novo que eu apresentasse.

Depois publiquei mais poemas sob a persona do Uso em Polivox (de 2001) e ele passou a cada vez mais adquirir vida própria. Alguns anos atrás passei a bola para o Rodrigo Grota, que se animou a fazer um filme sobre o poeta inexistente. Fizemos juntos o roteiro e o filme acaba de ficar pronto, em 35 milímetros. Tive a honra de ser uma das 30 pessoas que viram a pré-estréia em Londrina, em fim de dezembro. Ficou uma beleza. E minha indicação do escritor e historiador Rogério Ivano para o papel-título foi feliz. Longa vida ao Satori Uso.
Obs: Veja as postagens logo abaixo.

Satori Uso - Parte 1

Satori Uso - Parte 2

Parabéns pra Inaê Sodré

Hoje é aniversário da amiga e poeta Inaê Sodré. Já que não poderei estar em Salvador comemorando com ela, natural, então, que a homenageie com a publicação de um poema seu aqui no blog. Parabéns, menina! Paz, luz e felicidade!

Anonimato

Nasci num quarto
Meio escuro
Meio candeeiro
Meio alumiado.
Dezoito de fevereiro
Nasci Vagalume
O espaço todo
Todo mundo viu
O quarto
A casa
A rua
A cidade
Tudo luziu
Em vez de chorar,
O vagalume
Experimentando asas e volts,
Sorriu.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

2ª noite do Rock & Poesia

Foi de arrasar a segunda noite do Rock & Poesia. Tanto a poeta Daniela Galdino quanto a Banda Rebocados jogaram duríssimo. Além de poemas próprios, Daniela mandou muito bem em poemas de muita força, diria, adequados ao seu modo visceral de recitar. Trouxe poetas como Augusto dos Anjos, Neruda e surpreendeu com um poema de Marighela.
A Banda Rebocados também jogou duro. Mandou um repertório que, mesclando releituras de clássicos da música brasileira e composições próprias nos surpreendeu, fazendo por merecer os elogios ao seu som setentista, pra frente e alegre.
As letras da banda mostram mesmo que música não se faz com a bunda e os poemas de Daniela indicam que ela está próxima do seu segundo vôo solo. Evohé!

Daniela Galdino, sentada ao fundo, à esquerda, e a Banda Rebocados em momento de descontração

Nesta quarta-feira de cinzas tem uma mistura ainda mais ousada e improvável que as apresentadas até aqui. Vamos receber uma banda que faz um som grunge, a Infected Minds, fortemente influenciada pela Nirvana, e o poeta Ulisses Prudente, que faz um cordel muito ousado, sem métrica, rimas ou estrofes regulares, quase que totalmente desvinculado das tradições. O poeta chama seus poemas de Neo-Cordel.

É ver e conferir. Nesta quarta-feira, 17, às 20 horas, na Casa dos Artistas, em Ilhéus.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Contracultura e haikai

A vertente mais nova do haikai é aquela que coincidentemente mais foi divulgada e cultuada entre nós a partir dos anos 60. Deve-se muito a Millôr Fernandes o seu desenvolvimento a partir das suas tiradas humorísticas nas revistas O Cruzeiro, primeiramente, e depois na Veja. Millôr deu um ar descontraído ao haikai, aproximando-o do poema-piada, eliminando a métrica, título e referências às estações do ano, contribuindo para o aparecimento de jovens poetas. Esse formato foi muito difundido no mundo, inclusive no Japão. Este formato é também conhecido por Senryu por tratar de questões unicamente humanas, em tom irônico ou satírico.
Em seu livro Hai kais
[1], em breve introdução à obra, Millôr afirma ver o haikai como uma forma fundamentalmente popular e, inúmeras vezes, humorística. E assim compôs e publicou-os acompanhados por ilustração que acentua o sentido cômico dos seus versos.
Também não se pode descartar a importância de poetas concretistas como Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari que a partir da segunda metade do século passado buscaram traduzir ou transcrever o haikai japonês para o nosso idioma.
Entretanto, quando falamos de haikai no Brasil, o nome de Paulo Leminski surge invariavelmente em primeiro plano. Sabe-se que já no início da década de 60 ele começou a estudar japonês, cujo interesse teria surgido na academia de judô em que treinava. Alinhado aos valores contraculturais e libertários dos anos sessenta, Leminski produziu uma obra tensa, densa e provocadora como sua própria personalidade. E como Millôr, também produziu uma obra livre de amarras, cheia de sacadas, clicks, como ele dizia. São de sua lavra os seguintes haikais
[2]:


passa e volta
a cada gole
uma revolta

***

esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem

***

nu como um grego
ouço um músico negro
e me desagrego

Referências:
[1] Editora Senzala, 1968
[2] Melhores poemas de Paulo Leminski, Seleção de Fred Góes e Álvaro Martins, 7ª edição, Editora Gaia, 2006

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O haikai de origem japonesa ou tradicional

Podemos definir o haikai japonês, tradicional, como aquele que melhor valoriza os elementos da natureza, que nega o ego humano e procura registrar um acontecimento particular, uma paisagem, referindo-se ao seu agora, de forma simples e com sentido completo. Tudo em apenas três versos, sem título ou rima.
Neste modo de composição deve-se introduzir no haikai um kigo, que nada mais é que um termo (nome de animal, mês, planta) que o escritor inclui para dar ao leitor uma noção da estação do ano em que foi escrito. Nele há um sentido de transitoriedade que simbolicamente reconhecemos no transcurso do tempo. Assim, entre muitos exemplos possíveis, um haikai de primavera deve conter termos como os que indiquem alegria, flores, renovação; os de verão calor, animação, liberdade; os de outono; melancolia, nostalgia, colheita; e inverno, festa junina, reclusão, frio.
Há muita diferença entre o haikai tradicional e o poema como entendemos no ocidente. Um dos motivos, aponta Sato Hiroaki, "se deve por sua frequente inabilidade de se sustentar sozinho como algo completo
[1]". Talvez por isso não seja raro encontrarmos textos que afirmam não ser o haikai um poema em si, ou que para sua prática não é sequer necessário ser poeta.
Bons exemplos para este exemplo são os haikais de Teruko Oda. Vejamos alguns
[2]:


Na beira da estrada
com as abelhas divido
meu caldo de cana.


Chega com o vento
um insistente chamado –
Cigarra de outono.


Um quê de leveza
no roçado ainda seco –
Canta o curió.

Referências:
[1] Segundo o autor (Franchetti, 1996 apud Observations on Haiku (publicado em Chanoyu – Quaterly (Tea and the Arts of Japan), nº 18, 1977, PP.21-27.
[2] Retirados do livro Flauta de Vento, Escrituras, São Paulo, 2005.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O haikai Guilhermino

Guilherme de Almeida, no início do período de desenvolvimento do haikai no Brasil, procurando nacionalizá-lo, dotou-o de uma estrutura formal rígida. Além do título e da métrica que já haviam, ele utiliza a rima. No esquema proposto o primeiro verso rima com o terceiro, ambos possuem cinco sílabas métricas. No segundo verso, que possui sete sílabas, há uma rima interna que acontece entre a segunda e a sétima sílaba, como nestes:

VENTO DE MAIO

Risco branco e teso
que eu traço a giz, quando passo.
Meu cigarro aceso.


CARIDADE

Desfolha-se a rosa:
parece até que floresce
o chão cor-de-rosa.


O HAIKAI

Lava, escorre, agita
a areia. E enfim, na bateia,
fica uma pepita.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

As quatro formas de haikai praticadas no Brasil

Dedicaremos esta semana às formas haikaísticas praticadas no Brasil. O texto faz parte do prólogo de um ensaio nosso sobre o haikai na Bahia que em breve será publicado em sua íntegra.

As transformações havidas no Japão e no mundo ampliaram o horizonte do haikai, tornando sua estrutura adaptável. Como veremos, o haikai foi utilizado à maneira que melhor se adequou à necessidade de cada autor e lugar.
Todavia, teorizar demais sobre o haikai é ao mesmo tempo perdê-lo, sendo suficiente dizer que a ele devemos nos amalgamar, como se acompanhássemos naturalmente o fluir do tempo, o curso de um rio que se transforma em algo diverso quando encontra o mar. Assim também é o haikai quando buscamos capturar um instante, uma ação, e representá-la com palavras. Entretanto se faz necessário registrar as formas de haikai produzidas no Brasil ao longo do tempo, que são quatro no total.


I - O modelo trazido por Afrânio Peixoto

Para Carlos Verçosa
[1], autor de Oku: viajando com Bashô[2], coube a Afrânio Peixoto não apenas o mérito pioneiro de introduzir e divulgar o haikai no Brasil, em 1919, apresentando o haikai como “epigrama lírico”, em Trovas Brasileiras. Peixoto também teria sido o nosso primeiro poeta a publicar um livro de haikai.
Em Missangas
[3], no capítulo X[4], após o ensaio O haikai japonês ou epigrama lírico, Peixoto traz 52 haikais de sua autoria. Diz Verçosa que se trata de um autêntico livro inserido em um outro livro. Desse modo, o poeta baiano não só pode ser considerado o precursor do haikai no Brasil, como também o primeiro poeta a publicar um livro de haikai no nosso país. São 52 haikais com título e métrica (5/7/5 sílabas), como os que seguem:


COMO OS CÃES DA RUA

Na lata de lixo,
Coitadinho, procurava
Um naco de pão...


COMPARAÇÃO

Um aeroplano
Em busca de combustível...
Oh! é um mosquito.


A BELEZA ETERNA

O sabiá canta,
Sempre uma mesma canção:
O belo não cansa.

Referências:
[1] Escritor paranaense radicado na Bahia há mais de 30 anos.
[2] Secretaria de Cultura e turismo do Governo do Estado da Bahia, 1996. Uma das mais importantes obras sobre o haikai no Brasil.
[3] Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1931.
[4] Idem. p. 233 a 248.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

1ª noite do Rock & Poesia

Não foi brincadeira não! Nossa apresentação na Casa dos Artistas, em Ilhéus, ao lado da banda OQuadro e do artista Cícero Matos foi agradabilíssima. Tudo correu em perfeita comunhão, de maneira espontânea, com apenas um ou outro detalhe previamente determinado. A platéia foi formidável, formada em parte por amigos, é verdade, estava ligadíssima e colaborou em muito para aquela uma hora e quarenta minutos de transe e transa total. Massa! Em breve postarei aqui um vídeo da apresentação.
Abaixo, uma foto de um momento de descontração, quando rolava um bate-papo com a platéia. E lá estou, ao fundo, de branco e chapéu, alguns integrantes da banda ao lado e os quadros que Cícero pintou durante o evento. A foto é do amigo Pedro Montalvão.

Semana que vem tem mais: Daniela Galdino & Rebocados.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Carlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Nova edição do Correio das Artes

Está disponível para download a nova edição do Correio das Artes. A matéria de capa é dedicada ao cantor e compositor Gilberto Gil. Em entrevista exclusiva o músico fala de fé, misticismo, ciência e a presença desses temas na sua música.
Também consta um artigo nosso contestando os critérios de Marco Lucchesi para inclusão de autores em Roteiro da poesia brasileira, anos 2000, que saiu pela Global.

O Correio das Artes é um suplemento cultural do jornal paraibano A União, produto governo do estado da Paraíba. É editada por Antônio Mariano e diagramado por Junior Damasceno. Esta edição traz ilustrações de Tônio e Nivaldo Araújo.


Eis o link:
http://www.paraiba.pb.gov.br/images/stories/editais/correio_das_artes_janeiro2010.pdf