quarta-feira, 29 de abril de 2009

Novo livro de Miguel Carneiro

Meus amigos, o poeta, contista e amigo Miguel Carneiro está com um novo livro de contos na praça. Trata-se de “Trancelim dos Incrédulos”, cujo prefácio nos deu a honra de fazer.
Conheçam, abaixo, nosso texto na íntegra.
Quem quiser adquirir algum exemplar é só entrar em contato com o autor através do e-mail: cancaodefogo@superig.com.br

MIGUEL CARNEIRO ACENANDO PARA O MUNDO
Por Gustavo Felicíssimo

O ideal de uma crítica literária é que o seu autor tenha a devida isenção e o distanciamento emocional necessários para imprimir um texto sem adjetivações supérfluas, como quase todos são. Entretanto, no caso presente, em que pese nossos esforços, essa é uma tarefa árdua, pois a obra sobre a qual nos debruçamos é a de um grande amigo, um homem bom, dono de um coração sem tamanho, mas, sobretudo, um escritor que goza da nossa admiração, seja como poeta ou contista.

Algum tempo corre ao vento, à brisa dos dias, ao avançar das horas, desde aquele dia em que o saudoso amigo Zeca de Magalhães, dono de um discernimento crítico respeitável, apresentou-me um conto de Miguel Carneiro, dizendo que aquele seria um dos melhores contos feitos por um autor baiano durante o último quartel do Século XX. Tratava-se de “No viés do Franzido”, que publicamos na derradeira edição do tablóide literário SOPA, em junho de 2006. Fora uma grande descoberta para mim, pois até então apenas conhecia a obra poética de Miguel Carneiro, da qual sempre fui admirador e divulgador de um poema em especial, “Declaração de Princípios”, cujo ápice está contido neste refrão: eu sou madeira de dar em doido/ sou barro bom de alvenaria/ martelo prumo e serrote/ sou poeta da Bahia. Tal poema faz parte de um livro, exclusivíssimo, feito de maneira artesanal, como alguns de João Cabral de Melo Neto, com tiragem de apenas dez exemplares, distribuídos para alguns familiares e amigos do autor. Após, dediquei-me a conhecer melhor a sua contística e me deparei com uma obra grandiosa, não pela quantidade de livros publicados, mas pela qualidade do seu texto que vem carregado de um grande sentimento de mundo, enfeixado de humanismo, em linguagem concisa e cortante.
Lembro-me de ter lido “O diabo em desordem”, um livro de quase duzentas páginas, em apenas uma sentada, depois seguiram-se “Esconso e outras histórias” e “O coronel já não manda mais no trecho”. Em todos esses livros, o que percebemos claramente, é que o poeta, em momento algum, está dissociado do contista. Pelo contrário, um está amalgamado ao outro, complementando-se, indissociáveis. Outra característica das obras citadas é o fato de suas histórias estarem, na maioria das vezes, situadas dentro do universo sertanejo, que Miguelito traz no sangue.
De Riachão do Jacuípe para o mundo, cantando sua aldeia, Miguel Carneiro vai escrevendo sua obra, resumindo um cabedal imaginário que emerge de suas lembranças e convivas do autor, transformadas em personagens. Desse modo, andando pelas ruas de Riachão, imaginamos ser possível, a qualquer momento, topar com Gumercindo Lélis, filho deserdado de Antônio Conselheiro, ou com a menina de Duestano, transformada em esposa do Coronel Trazíbulo Fernandes da Cunha, personagens de Miguel Carneiro. Personagens e histórias que nos parecem pertencer ao imaginário popular do lugar, como se passadas oralmente, de geração a geração, até encontrarem em Miguel Carneiro o interlocutor ideal, da mesma forma que o folclore alemão encontrou a excelência do texto dos irmãos Grimm.

“Trancelim dos incrédulos” segue o mesmo itinerário das obras citadas até aqui, apresentando-nos personagens tão vivos e cheios de alma, como no conto que dá título ao livro, cuja personagem, um vaqueiro corajoso, doca de um olho, sendo que o outro apenas serve para enxergar o que já está anuviado, mas que, no entanto, havia corrido mundo atrás de samba para vadiar. O conto corre em tom poético, com o narrador, oculto, contando suas proezas na região da Serra das Picas, suas leituras para o doutor que viera de longe buscar um palavrório. Temente a Deus, homem honrado, leva nos peitos esta vida vã...
O segundo conto deste livro é “O galo de ouro”, traz como epígrafe o poema “Pedra Retorcida”, de João de Morais Filho, cujo excerto que escolhemos corre desta forma: Aquela porta que hesitei abrir/ largou mão de sua fronteira/ e deu lugar a janelas/ que me assombram pacientes,/ até que o frio as feche novamente, ofertando ao leitor uma espécie de preâmbulo ao mistério em que está envolto este conto, repleto de enigmas, segredos e mortes de aventureiros que descambam no mundo em busca de uma jóia rara da ouriversaria que teria sido trazida de Lisboa na nau do fidalgo e capitão-mor Pedro Álvares Cabral. Mais, não nos cabe dizer.
O derradeiro conto do livro é “Naquele dia eu vi o diabo de perto”, onde Miguel Carneiro nos oferece uma narrativa urbana, ambientada na invasão das tropas de Hitler à França, mesclando realidade e ficção, prosa e poesia, marca indelével do autor. Na voz de um poeta brasileiro, comunista, o conto vai retratando o caos que vivia Paris (onde Miguel viveu algum tempo) naqueles dias, o drama dos judeus e também a difícil missão do poeta: proteger um menino de sete anos, perdido em meio ao caos.

De certo, fica-nos a confiança de que, ao considerar a tradição oral do seu povo, a contística de Miguel Carneiro fundamenta-se na identidade cultural e social de sua gente, registrando a história e suas personagens, merecendo da gente do seu chão, autoridades e da crítica, não apenas reconhecimento, mas também um justo e demorado aplauso. Ao mesmo tempo, estamos certos de que a reunião dos melhores contos de Miguel Carneiro em um único livro seria capaz de alçar seu nome ao mesmo patamar dos melhores contistas do nosso tempo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Caríssimos, no link abaixo poderão encontrar um ensaio de nossa autoria sobre os caminhos do haicai no Brasil, com ênfase no haicai produzido aqui na Bahia, estado que deu ao Brasil alguns dos precursores dessa forma oriental de fazer poesia.

Conheçam:

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Saulo Mendonça, um craque do haicai

Recebi faz poucos dias os três livros de Haicai publicados pelo poeta paraibano Saulo Mendonça: “Libélula” (1990); “Pirilampo” (2005) e “Luz de Musgo” (2008). Os dois últimos compêndios em edição bililgue, Português/Espanhol.

Para os que não conhecem, salientamos que o haicai tradicional japonês possui exatas 17 sílabas, ou sons, como queiram, divididas em três versos, 5-7-5, cada verso iniciado geralmente com a descrição de uma cena da natureza, e uma preocupação com a inclusão do kigô (termo próprio de uma estação).
Entretanto, como é sabido, foi através dos franceses, com a publicação do livro “La Sensibilité Japonaise”, de Georges Boneau, que o haicai se disseminou pelo ocidente, contagiando poetas alemães, ingleses e também os norte-americanos, mas, sem a rígida disciplina nipônica, mais ou menos ao acaso, afirmou Guilherme de Almeida, um dos precursores do haicai no Brasil. Tal fato, aliado à liberdade poética, imaginamos, fez com que se estabelecesse, assim, uma estética haicaística diferente da original. No Brasil, muitos são os poetas que cultivam seus haicais desse modo.
Saulo Mendonça aplica em seus poemas essa estética tipicamente ocidental, mais preocupado com a captação de um instante que com elementos canônicos, como fizeram poetas reconhecidos como grandes haicaístas, entre eles Millôr Fernandes e Paulo Leminski. E assim vai tecendo com destreza e maestria os seus poemas, vejamos:

Pintassilgo no terraço
cantando ao amanhecer.
Meu relógio de parede.

***

Noite de primavera.
Um fruto caiu no lago
e amassou a lua.


Percebemos que nos poemas acima e em tantos outros de Saulo Mendonça, é perfeita a captação do momento, aquela percepção inspirada, ou como dizem os japoneses: "anotações poéticas e sinceras de momento de elite". Como afirma Rosa Clement, "transmitir com clareza esse momento tem sido um espinho no pé descalço do haicaísta".
Foram essas as qualidades da poesia de Saulo Mendonça que nos chamou a atenção quando a conhecemos através de um texto de Amador Ribeiro Neto, para quem seu haicai "nasce da fonte mais pura, límpida, translúcida. Da busca da linguagem mais econômica e representativa. Milimetricamente posta no estreito caminho".
Tudo isso com muito lirismo e com uma consciência literária pouco vista atualmente. Senhor dos elementos que devem compor um poema, seja ele um haicai ou qualquer outra forma, o poeta vale-se do jogo semântico, das aliterações e da síntese para exprimir o momento de apreensão, gerando poderosas imagens que transcendem qualquer explicação, como podemos ver nos poemas abaixo:

Um gato dorme
sobre a balança:
sono pesado.

***

A moça nubente
resolvida, despe-se:
mais um sim

Desse modo, daqui da Bahia, saúdo a descoberta de Saulo Mendonça, um craque do haicai.

domingo, 26 de abril de 2009

Haicai Postal - 4

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sábado, 25 de abril de 2009

Emily Dickison

Eis talvez o mais belo e conhecido poema da poeta norte americana que morreu desconhecida. Sobre sua obra disse Harold Bloom: “À exceção de Kafka, não lembro de nenhum escritor que tenha expressado o desespero com tanta força e constância quanto Emily Dickison.” A tradução é de Ivo Bender.

Bem pouco a fazer tem o pasto:
Reino de irrestrito verde,
Só tem borboletas para criar,
E abelhas para entreter –

E ondular o dia inteiro aos sons
Que a brisa consigo arrasta;
Cumprimentar a todas as coisas
E embalar, ao colo, a luz solar –

Fazer com rocio, à noite, colares de pérola,
Compostos com tal requinte,
Que uma fidalga não saberia
Perceber a diferença –

E acabar-se, ao fenecer,
Por entre aromas divinais
De especiarias dormidas
Ou de agonizantes nardos –

Quedar-se, por fim, em nobres celeiros
E, pelo sonho, levar a escoar-se o tempo;
Bem pouco a fazer tem o pasto,
Feno eu quisera se –

***

The Grass so little has to do -
A Sphere of simple Green -
With only Butterflies to brood
And Bees to entertain -

And stir all day to pretty Tunes
The Breezes fetch along -
And hold the Sunshine in its lap
And bow to everything -

And thread the Dews, all night, like Pearls -
And make itself so fine
A Duchess were too common
For such a noticing -

And even when it dies - to pass
In Odors so divine -
Like Lowly spices, lain to sleep -
Or Spikenards, perishing -

And then, in Sovereign Barns to dwell -
And dream the Days away,
The Grass so little has to do
I wish I were a Hay -

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Confissão de um velho boêmio

Alberto da Cunha Melo


Toda vida devia ser
uma festa sem fim, velório
festivo da morte do tempo,
fogueira de azuis, crematório

ou, mesmo, hospital de lembranças
dos que nunca foram crianças,

e pularam toda a pureza,
ao invés de pular a corda,
dançar nas horas da beleza;

dos que hoje morrem sem saber
que festa acabam de perder.

terça-feira, 21 de abril de 2009

IX SONETOS DA INCONFIDÊNCIA

Poemas de Ildásio Tavares

Caros leitores, não nos cabe aqui contestar o movimento que entrou para a história com a inadequada nomenclatura de inconfidência ou se Tiradentes possuía mesmo aquela improvável figura cristianizada, também não nos cabe contestar esse tedioso feriado que produz um desfalque bilionário à nação. Finalmente, saber que os inconfidentes não pleiteavam a independência do Brasil e que defendiam a manutenção da escravatura para os cativos que não tivessem nascido no país também não nos cabe, mas...

Nos cabe, sim, falar um pouco sobre o livro IX SONETOS DA INCONFIDÊNCIA, de Ildásio Tavares, publicado em 1999 em uma co-edição das Editoras Giordano e Lemos Editorial. Melhor, cabe informar que sob o título de "As Flores do Caos", esses poemas serão publicados em breve em Portugal, numa seleção de 68 sonetos do autor. Nos cabe também reproduzir um trecho da análise que Fábio Lucas fez sobre a obra do poeta de Itapuã. Ele diz: “Da leitura dos Nove Sonetos da Inconfidência, de Ildásio Tavares, nasce um novo conceito da linguagem poética aplicada à celebração de personalidades-símbolos da História brasileira.
Os nove sonetos se organizam entre cadeias de polarizações múltiplas. Por exemplo: o canto geral que pulsiona os versos evoca a epopéia como gênero, destinada a magnificar os feitos de homens que, no passado, ousaram ir além das fronteiras do possível para conduzir a bandeira da espécie, em gestos sobre-humanos. Os nove sonetos, porém, não deixam de reunir, em seu canto, o protesto e a indignação nascidos da injustiça, dramatizando-a. Reconquistam deste modo, o aval que o relato historiográfico buscava.”

Reproduzimos os sonetos III e IV:

III – O ALFERES

Meu coração é um arsenal de horrores
e dores que atropelam meu país.
Gargalha puta! Zomba, meretriz!
O dia há de chegar dos teus senhores.

Errei aonde? Fui eu só que errores
cometi? Eu confesso tudo ao juiz
e hei de morrer sem medo. O povo diz
que é de medo que morrem os desertores.

Mais vale um bom soldado que uma tropa
de covardes; de traidores; fanfarrões.
A cada dia um lhe cabe sua Termópilas.

Não temo a morte, a vida me dá asco.
Só eu é que garanto os meus colhões?
Então só eu errei. Chamam o carrasco.


IV – O SILVÉRIO

Meu coração é de metal sonante
e se eu tivesse trinta corações
eu venderia todos. De ilusões
jamais viveu quem é comerciante.

Patrão sempre há de haver. A cada instante
o mundo está trocando seus patrões.
Mas o ouro é quem seduz as multidões
e das nações é o doce governante.

Quero viver a vida. De que adianta
mexer a terra e revolver a messe
se a merda a mesma merda ficaria?

Só o dinheiro a todo mundo encanta.
Se trinta corações hoje eu tivesse,
eu juro, todos trinta eu venderia.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Começou a 9ª Bienal do Livro da Bahia

Com uma programação pouco interessante, onde o visitante, potencial leitor, é tratado exclusivamente como um consumidor e o livro como apenas mais um produto, a 9ª Bienal do Livro da Bahia pouco faz em prol de fomentar a leitura, que é o que realmente interessa. Entretanto, tenho a impressão que a situação é a mesma em todo país.

Leiam ótimo artigo sobre o tema em:

Haicai postal - 3

clique na imagem para ver em tamanho maior

domingo, 19 de abril de 2009

3º Prêmio Internacional Poesia ao Vídeo

Estão abertas as inscrições para o 3º Prêmio Internacional Poesia ao Vídeo, promovido pelo Instituto Maximiano Campos (IMC). A iniciativa tem como objetivo estimular a produção e interpretação de poemas, inéditos ou não, utilizando o vídeo como plataforma, estabelecendo um diálogo entre a literatura e mídias digitais. No total, serão distribuídos R$ 9.000,00 em premiação para os três primeiros colocados, R$ 3.000,00 a mais em relação à edição de 2008, além de passagens e hospedagens para a Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas, que acontece entre os dias 05 e 08 de novembro e será palco das premiações.
As inscrições devem ser feitas até o dia 1 de outubro no site www.fliporto.net. Lá os participantes deverão preencher o formulário de inscrição e em seguida enviar o vídeo para o e-mail ppv_envio_video@fliporto.net. O vencedor receberá R$ 4.000,00; o segundo colocado R$ 3.000,00 e o terceiro R$ 1.000,00 (mil reais).
Pessoas de quaisquer nacionalidades podem participar do concurso, desde que os poemas sejam originalmente de língua portuguesa ou espanhola, portanto não serão aceitos poemas traduzidos. Os vídeos serão julgados em duas instâncias: através de júri popular no site www.fliporto.net, e por uma banca formada por três especialistas em literatura. Os vencedores serão conhecidos uma semana antes no site da Fliporto.
Em sua última edição, o Prêmio recebeu 300 inscrições, vindas de três países. Os dois primeiros lugares saíram para Pernambuco. Tuca Siqueira foi a vencedora com o vídeo “Rainha dos Segredos”, baseado no poema de Cida Pedrosa; A segunda colocação foi para Eva Elis Jofilsan, com “Vertical”, de Biagio Pecorelli; Já o terceiro lugar saiu para o carioca Luiz Fernando Proa, com o poema “Celebração”, de Cairo de Assis Trindade. Assista aos 60 vídeos classificados que disputaram a premiação em 2008.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Poema a seis mãos

com a mão estendida para um novo amigo

Pobre do mestre
Quando o discípulo
Não o suplanta

Pé-ante-pé
O acalanta

Pedro Montalvão/ Heitor Brasileiro/ Gustavo Felicíssimo

quarta-feira, 15 de abril de 2009

FANNY DUPRÉ

A primeira mulher a publicar um livro exclusivamente de haicais no Brasil.

Fanny Luiza Dupré nasceu em Paranapiacaba, estado de São Paulo, em 1911. Freqüentou o grupo de estudos de cultura japonesa mantido por Jorge Fonseca Jr. na Faculdade de Direito da USP. Em 1949 publicou "Pétalas ao Vento", livro de haicais que vinha escrevendo desde 1939.

ALGUNS HAICAIS DE FANNY DUPRÉ

Saudosa de ti
caminho só pela rua.
É noite de estio.

***

Bolha de sabão.
Borboleta distraída...
Colisão no ar!

***

Crepita a fogueira...
Entre nuvens mais estrelas.
Fogos de artifício.

domingo, 12 de abril de 2009

PEQUENA ANTOLOGIA DE SALVATORE QUASÍMODO


O poeta Aníbal Beça traduz poemas de Salvatore Quasímodo em comemoração aos 50 anos do Prêmio Nobel de Literatura concedido ao poeta italiano em 1959.

DAR E TER

Nada me dás, não dás nada
tu que me escutas. O sangue
das guerras secou,
o desprezo é um desejo puro
e não provoca nem o gesto
de um pensamento humano,
fora da hora da piedade.
Dar e ter. Em minha voz
há ao menos um signo
de geometria viva,
na tua, uma concha
morta com lamentos fúnebres.

DARE E AVERE

Nulla mi dai, non dai nulla
tu che mi ascolti. Il sangue
delle guerre s’è asciugato,
il disprezzo è un desiderio puro
e non provoca un gesto
da un pensiero umano,
fuori dall’ora della pietà.
Dare e avere. Nella mia voce
c’è almeno un segno
di geometria viva,
nella tua, una conchiglia
morta con lamenti funebri.

NÃO PERDI NADA

Estou Aqui agora, o sol gira
às minhas costas como um falcão e a terra
repete mimha voz na tua.
Recomeça o tempo visível
no olho que redescobre a luz.
Não perdi nada.
perder é andar mais além
de um diagrama do céu
em movimentos de sonhos, um rio
pleno de folhas.

NON HO PERDUTO NULLA

Sono ancora qui, il sole gira
alle spalle come un falco e la terra
ripete la mia voce nella tua.
E ricomincia il tempo visibile
nell’occhio che riscopre la luce.
Non ho perduto nulla.
Perdere è andare di là
da una diagramma del cielo
lungo movimenti di sogni, un fiume
pieno di foglie.

BASTA UM DIA PARA
EQUILIBRAR O MUNDO


A inteligência a morte o sonho
negam a esperança. Nesta noite
em Brasov, nos Cárpatos, entre árvores
não minhas, busco no tempo
uma mulher de amor. O mormaço estala
as folhas dos álamos e eu
me digo palavras que não conheço,
derramo terras de memória.
Um jazz escuro, canções italianas
passam tombadas sobre a cor das íris.
No rangido das fontes
se perdeu tua voz:
basta um dia para equilibrar o mundo.

BASTA UN GIORNO
A EQUILIBRARE IL MONDO


L’intelligenza la morte il sogno
negano la speranza. In questa notte
a Brasov nei Carpazi, fra alberi
non miei cerco nel tempo
una donna d’amore. L’afa spacca
le foglie dei pioppi ed io
mi dico parole che non conosco,
rovescio terre di memoria.
Un jazz buio, canzoni italiane
passano capovolte sul colore degli iris.
Nello scroscio delle fontane
s’è perduta la tua voce:
basta un giorno a equilibrare il mondo.

Ver texto integral em:
http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=3924

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Soneto da luz

Ildásio Tavares



Quando eu nasci , já recebi a cruz,
plantada no caminho à minha espera,
a projetar a sua sombra austera
onde eu busquei sedento paz e luz.

Quando eu nasci, já recebi Jesus
como anúncio de dor e primavera.
Mas era uma outra luz ;uma outra esfera –
meu caminho, não sei onde conduz.

Resta-me a cruz e a dura provação
dos espinhos da vida, triste dança
de enganos, dissabores ,ilusão

que penetram-me o peito feito lança
e afastam a luz que a vista não alcança –
numa só chaga pulsa o coração.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

MICRO ENTREVISTA

Três perguntas para Heitor Brasileiro Filho

Caríssimos, Heitor Brasileiro Filho é um poeta muito criativo, com bagagem, leituras, porém sem livro publicado por enquanto. Sua poesia, como poderão perceber, transita por diversas configurações, sempre com lirismo e alguma rebeldia. É natural de Jacobina, Bahia, nascido em Setembro de 1964. Radicado em Ilhéus desde 1994. Licenciado em Letras e pós-graduado em Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa (UESC). Ensaísta, contista, cronista e poeta com destacada participação em concursos literários, Brasileiro é o nosso entrevistado da vez.

Gustavo Felicíssimo - Uma parte da sua poesia possui forte influência do Concretismo, outra parte do Modernismo e há, ainda, a influência da lírica tradicional brasileira. Você diria que essa mistura é uma tendência entre os jovens escritores atualmente?
Heitor Brasileiro
– Não seria seguro afirmar sem antes conhecer a obra de cada um dos autores. A estes devo desculpas por minha limitação. Trabalho no território do tangível e tenho tímida formação no que concerne a Crítica Literária. Escrevo poemas. O que faço é fruto da vivência, da observação e da ação, da contemplação e do estudo, da leitura do livro e da leitura da vida. Cabe o fazer. Nos poemas que escrevo influências são identificáveis, o que varia é a intensidade e a constância. Referência existe para extrair-se algo, a mim não cabe juízo do melhor ou do menor. Entendo isso como “o direito à pesquisa histórica” a que se referiu Mário de Andrade. Não penso fixo quando estou criando, mas são inerentes seleção e apuro. É individual. É escolha, ainda que não seja consciente. O Concretismo me ensinou que o poema não se limita à palavra, e não a nega que não é besta. Porem, não precisa estar preso a uma estrutura linear: na página o branco fala, o espacejamento também se expressa, e não somente na página, mas em qualquer superfície. Ofereceu-me ao espírito inquieto, experimental, outros recursos. Então, por que não brincar? Do Modernismo da primeira fase, ignorado ou mal aplicado na maioria das escolas, como não se apaixonar pelo espírito combativo, anárquico, pela inquietação? Convite para as mudanças em curso... E falo somente de dois momentos de nossa Literatura. Cabe a cada um cuspir ou cantar seu tempo, sua aldeia, seu bangalô ou seu castelo, seu éden ou a sua masmorra. O processo literário se cumpre com anuência do outro. Quando o toca. Do autor ao leitor a um grande percurso a cumprir-se. A mim importa a voz: o que fala, como fala, de onde fala, para quem. Quanto a nossa Lírica (tradicional ou não) é rica, intensa e extensa. Toda história tem dinâmica. É bom conhecer os incríveis autores que compõem o vasto mosaico da Literatura Brasileira. Se não conhecer a tradição como negá-la? “Tem que ter cultura pra cuspir na estrutura”, nisso Raulzito tinha razão. Na história dos movimentos literários uma tradição se sobrepõe a outra, não a suplanta, e nem sempre por um processo de ruptura, mas de associação e superação. Admiro a lucidez, a sensibilidade, de Octavio Paz quando nos diz o que parece óbvio, mas não o é para uma maioria: um poema é uma obra. Realizá-la é tarefa de esforços e sortilégios, de raro prazer. A música, a cadência rítmica, a distribuição das imagens, “a dança das palavras entre as idéias” como pontuou Pound. Sinta-se à vontade. É poesia. Sonho e matéria. É experimento. Descoberta constante.

GF - Qual o papel que deve desempenhar hoje o poeta frente ao distanciamento existente entre ele e o leitor comum?
HB
– Em qualquer época, o papel do poeta é escrever poemas dando o melhor de si naquilo que se propõe. Não existe o poeta sem o poema. Numa outra esfera, não existe literatura sem o leitor. O poeta sempre encontrou meios de levar sua criação ao encontro do leitor: das experiências mágicas nas cavernas aos nossos dias; do menestrel à prensa de Gutenberg, do mimeógrafo ao Blog literário. Mas ainda é pouco, pela importância da poesia na formação do pensamento humano. Não existe nação sem a presença física e real do livro cumprindo seu papel educativo e prazenteiro. A política editorial do nosso País é estúpida, suicida, concorre para o aborto de talentos. É cruel, sobretudo, com os novos autores. Decerto que no lar e na escola é aonde se principia a formação do leitor, e isso implica educação. Nas esferas do poder urge mudança de atitude. O autor merece respeito. O leitor também. É papel de qualquer governo digno do nome promover políticas públicas de incentivo à leitura; de manutenção e zelo pelo que tem dado certo; de produção e distribuição do livro; de implementação de um parque editorial democrático, contemplando a diversidade de nossa produção literária e estreitando distâncias em nosso Território. Urge criar meios de real incentivo, e é dever nosso criar formas de produção e distribuição do conhecimento, de promoção e distribuição equânime da arte. Enquanto o gigante não desperta, resta-nos vestir a armadura de David. Voltando ao princípio: diante de tudo, o maior desafio do poeta é o fazer poético. Fazer a ordenha da pedra. A catarse. Extrair poesia de toda essa brutalidade. Lembro mais uma vez o mexicano Octavio Paz, “a poesia existe para que o impossível se cumpra”. Para que se cumpra o possível, porém, existe o homem em sua integridade.

GF - Para o artista contemporâneo o local de nascimento é mero acidente de percurso?
HB
– Do ponto de vista de um mundo globalizado, sim. Isto é, havendo inclusão digital, com as ferramentas que merecemos ou deveríamos dispor com essas novas tecnologias. Mas não respondo pelo outro. Agora, do ponto de vista afetivo, o lócus é referência pra mim. Nasci em Jacobina e a vivi intensamente, foi o despertar. Salvador me abriu os horizontes e atou laços. Ilhéus é o lugar que escolhi para viver. Sou feliz. Ilhéus é vertigem. O chão e a nuvem. Amo Ilhéus, inclusive com as mazelas a serem tratadas. Felicidade não é conformismo. Não faço cruzeiro, nem ponte aérea, uma vez ou outra visito uma metrópole. O fato de viver no interior da Bahia não me isola do mundo. Tenho raízes desde o ponto de partida. Nasci no sertão da Bahia, em Jacobina. Um lugar onde passaram meus avós e estão os pais. Irmãos. Amigos. Um lugar na infância do homem e do poeta. Um lugar que existe além do consciente. Não recebo convite para expor obra, palestra, ou lançamento. Mas a levo comigo para aonde quer que eu vá. Disse o Cacaso, “minha pátria é aquela que aceita minhas malas”. Gosto do clima da roça. A criação é algo do íntimo, do indivíduo, todavia impregnado de vivências. Parte do individual para o coletivo. A criação poética comporta a soma da existência, e o poeta torna isso possível num poema. Veículo disparador de idéias e emoções, sensitividade, magia capaz de tocar o território esquecido da alma. Bumerangue em moto contínuo. Ao texto estabelecido não se impõe fronteiras. O ato criador é solitário, individual, mas resulta na promoção do diálogo. Toda arte tem compromisso com seu tempo, mesmo que em seu tempo não haja compreensão e receptividade. A arte sobrevive porque é atemporal, não é produto que pereça. Como todo produto artístico, do gênio humano, a poesia pertence ao outro. Propriedade de que a lê. Patrimônio comum de toda a humanidade.

CRACK

não havia mais
caminho

uma pedra


B A N Z O

Uns morrem de bronca
outros de azia
neurópida
arrelia ...

Meu avô Zeca morreu de banzo
bem ele dizia
todo homem tem um limite

Zeca Moreira agora está quite
com a vida
(nosso tempo e suas diatribes)
orgulhoso morreu de banzo
cria mais honroso
que morrer de gripe

do homem centenário
áspero
rústico
ficou o camponês cuidador do gado

até com a idade foi ante perdulário
preferiu morrer aos noventa e seis
mas, bom temente, não marcou
horário
(como bem cria
julgou mais honroso
que uma broncopneumonia)

Vingou-se do tédio e humilhou a dor
zombou da angústia e da nostalgia
e com ele foi-se uma legião
de arcanjos
louvar-lhe a coragem e a rebeldia

Uns morrem de bronca
outros (quando o fígado
vira bife) de aleivosia

vaidoso
meu avô Zeca
morreu de Banzo

domingo, 5 de abril de 2009

FAUNO GRISALHO

Por Heitor Brasileiro Filho (*)

Paulo Augusto Garcez de Sena
Em Salvador, antes de mudar-me para Ilhéus, tive a honra e o prazer de receber a visita quase diária do poeta Paulo Augusto Garcez de Sena (1943-1998). Residíamos na Rua Archimedes Gonçalves, Jardim Baiano, no mesmo bairro de Nazaré onde vivera sua infância.
Paulo Garcez: jornalista que se deu o luxo de dispensar a carteirinha, produtor cultural amante das artes, diretor de vídeo com algumas aparições em filmes de curta metragem, e sobretudo, poeta. Sua obra é pequena e dispersa, mas além de boa poesia - em que pese o talento pouco explorado - tinha aura e alma de poeta. Essencialmente dionisíaco, aflorava o lado apolíneo quando o assunto realmente o apaixonava. Infelizmente, nem todos souberam interpretar a manifestação de sua lucidez. Não se trata de inconfidência quando digo que cultivou em vida dois grandes inimigos: o álcool de cuja doença relutava em admitir e a obsessiva dispersão que o distanciou da criação textual.
O único livro que leva sua assinatura, dentre alguns que ajudou a compor e a editar, “A Escritura da Palavra e do Som”, com poemas e letras de músicas reunidos às pressas por seus amigos do Ceará, saboreamos desde a sutileza lírica de “A Pérola e a Concha”, ao humor irônico e inteligente de “O Poeta Desiste de Sua Glória Para Amar a Bela e Desleixada Ana Virgínia”. Cito de memória porque o único exemplar de que dispunha não se encontra mais comigo.
Tribuno intempestivo, não fazia diferença o palco da Sala Walter da Silveira, palanque em via pública ou tamborete de bodega, criativamente, reunia num mesmo discurso citações de Glauber a Gramsci, de Lacan a Zé Limeira. Da antiga tradição baiana do gogó canoro, definitivamente a sua verve não era ruiana, tampouco castroalvina, senão gregoriana: satírica por opção, mas inconoclasta por natureza.
Se é verdade o que dizem sobre céu e inferno acredito que Paulo Garcez foi pro céu (não está no purgatório porque não era homem de meio-termo), se não chegou ainda é porque parou num boteco pra tomar uma e errou o caminho. Mas, no inferno, jamais: teria sido expulso por insubordinação. O clube do capiroto sabe o que faz e é seletivo e rigoroso com seus propósitos, jamais iria admitir um sujeito decente como o Paulo Garcez. Jamais iria admitir alguém com tamanha integridade pessoal e tamanho coração.
(*)Heitor Brasileiro Filho é natural de Jacobina, Bahia. Radicado em Ilhéus desde 1994. Licenciado em Letras e pós-graduado em Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa (UESC). Ensaísta, contista, cronista e poeta com destacada participação em concursos literários.

O POETA DESISTE DE SUA GLÓRIA
PARA AMAR A BELA E DESLEIXADA ANA VIRGÍNIA


eu que me invento outro
eu que sou o texto
e não possuo a alma
eu que posso ser Deus
e ser ínfimo quando quero
eu que conquistei o âmago
e amei melhor que todas as mulheres
o amor que imaginei como fosse
e por isso fui o mais amado
e o mais invejado ser que se conheceu
eu que tenho o poder total
sobre tudo que desejo e não desejo
eu a idéia mais original e mais inteligente
que este pequeno mundo em minhas mãos já teve
eu o poeta mais amado de que se tem notícia
e que mais fez sofrer corações e corpos
eu a idéia de grandeza mais real
de toda a pequenez humana
eu o espelho onde o reflexo se mira
e se envaidece porque é um só
eu o imaginário onde todos querem se ver
e morrem da ânsia do real
eu o auto-elogio que todos repetem
estou cansado de ser tudo isso
e a tudo renuncio para amar
a bela e desleixada
Ana Virgínia.

Mais em:
http://www.joaodorio.com/Arquivo/2007/02,03/poetica.htm

sexta-feira, 3 de abril de 2009

MICRO ENTREVISTA

Três perguntas para João de Moraes Filho

Um dos mais talentosos poetas baianos está próximo de publicar seu segundo livro, "Em nome dos raios", na Bienal do Livro da Bahia. Esta entrevista é apenas um fragmento daquilo que será publicado na imprensa juntamente com um ensaio de nossa autoria. É só um tira-gosto!

Gustavo Felicíssimo - João, por favor, fale um pouco sobre como se deu sua formação como poeta e de que modo um mestre como Ruy Espinheira Filho se fez referência para você.
João de Moraes Filho
– Comecei escrever aos 10 anos, digo escrever com o propósito de ser escritor, influenciado por Ziraldo e seu Menino Maluquinho. Cheguei a editar dois livretos datilografados por mim: A menina inteligente e O P.O.D.E, ambos escritos e “publicados” em 1987. Todavia, a noção de Literatura só me veio tempo depois. Posso lhe afirmar: só quando fundei a Biblioteca da Academia de Desenvolvimento Cultural, em Cachoeira, isso em 1997, que me dei conta de uma certa organização da escritura criativa.
Através das doações da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e da Fundação Casa de Jorge Amado para a referida Biblioteca conheci os escritores baianos, especialmente os poetas, um deles Ruy Espinheira Filho de quem fui aluno no Instituto de Letras da UFBa. A poesia de Ruy fez-me refletir o verso, além disso, seu ritmo tocava-me em especial.
Quando estudante de Letras, assistir à defesa de seu doutoramento com a tese: Tumultos de Amor e outros tumultos: criação e arte em Mário de Andrade, nesse dia apresentei-me a ele (na sala 8 do ILUFBa) e pedi para autografar uma antologia que havia lido não sei quantas vezes, depois como aluno, o ouvindo, lendo a tradição literária orientada por ele fui tecendo e aprimorando a arte de ser livre, sem, contudo, proliferar rabiscos e treinos poéticos que só pertencem aos devaneios dos exercícios literários pessoais.
Assim, fui percebendo que haveria de retirar a essência para uma poética pessoal, contida em minha respiração, em meu olhar, minha vida e descuidos. Ruy é um dos poucos poetas na América Latina que sabe ser Mestre, digo sem medo de errar, por isso é um dos grandes nomes da literatura contemporânea.

GF – De que modo você percebe a sua terra, a histórica cidade de Cachoeira, sua gente, seu rio e a sua religiosidade presentes na poesia que você faz?
JMF
– Para mim é um tanto difícil responder a essa pergunta, pois sou parte dela, tanto da poesia quanto da cidade. Tive noção do que representa ser de Cachoeira quando sai dela aos 10 anos e fui morar no Rio de Janeiro. Refiro-me aos seus aspectos da tradição cultural, pela diferença senti minha identidade híbrida que ali se firmava. Em 2006 fui à Cartagena de Índias, na Colômbia, e fiquei impressionado com as aproximações culturais dessas cidades Heróicas, tanto que idealizei o projeto de intercâmbio lítero-cultural Recôncavo Caribe Colombiano. Com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia através do edital de intercâmbio e da Fundação Pedro Calmon, em 2007, foi possível a mim, aos poetas Douglas de Almeida e Wesley Correia representamos a poesia Brasileira no XI Festival Internacional de Poesia daquela cidade, e em 2008 foi a vez do poeta Geraldo Maia continuar o projeto.
Cachoeira é uma caixa de surpresa, tal qual a poesia.
Percebi que minha terra, como você se refere, estava presente também na poesia do poeta Pedro Blás, Julio Romero e Romulo Bustos Aguierre, ambos cartageneros. Portanto, há muito em Cachoeira que circula o mundo e vice-versa. Como sempre digo lá no Pouso da Palavra com meu compadre Damário Dacruz: é os pés fincados em Cachoeira e a mente na imensidão.

GF – Pra terminar eu gostaria que você nos falasse sobre os projetos e eventos literários e sociais que você desenvolve, porque você iniciou esse trabalho e de que forma eles influenciam na formação de novos leitores e, sobretudo, como contribuem para a formação de cidadãos conscientes do seu papel no planeta, que, no frigir dos ovos, é o que realmente mais importa.
JMF
– Como mencionei anteriormente fui iniciado como leitor com a leitura de O menino Maluquinho, aos 10 anos. Devo minha trajetória literária e de gestor cultural ao poder da leitura, que alimentou minha imaginação e sedimentou em mim o desejo de transformar a ditadura cristã de resignação perante o presente. Sei que não posso mudar o passado, mas o futuro depende de cada passo caminhado. Muitas pessoas não caminham porque não tem acesso a informação e estando numa sociedade da informação e do espetáculo sinto-me contagiado com o verme da multiplicação e dinâmica do mundo das idéias à prática, creio que por isso trabalho com literatura e cultura. Hoje trabalho com o Caruru dos Sete Poetas: Recital com gostinho de dendê (iniciado em 2004), que além de unir um momento da tradição afro-baiana à literatura promove o intercâmbio entre poetas locais e nacionais. Ano passado tivemos entre os convidados Ele Semog (Rio de Janeiro), Carlos Emílio Correia Lima (Ceará) e Jaime Figura (Salvador) e poetas jovens como Jurandir Rita (Maragojipe) e Herculano Neto (Santo Amaro) vencedor do Prêmio Braskem de Literatura 2008. A Oficina de Criação e Investigação Literária Poesia Ouvida (iniciado em 2003) é muito especial, pois se trata de uma ação articulada que promove leitura e a auto estima de jovens e escritores das diversas cidades do recôncavo através da veiculação de suas produções em rádio de longo alcance. Este ano o projeto será implementado por conta do apoio através de Edital do Banco do Nordeste e do Ponto de Leitura do Ministério da Cultura. Esse ano iniciamos uma parceria com alguns Talleres (Oficinas Literárias) colombianos, inclusive com a veiculação de poetas do Recôncavo na rádio da Universidade de Cartagena, ou seja, a poesia nossa de cada dia não tem fronteiras. Os resultados desse trabalho vão muito além da satisfação pessoal, alimenta aqueles passos que me referi a pouco. O que nós precisamos é de informação e coragem para pisar firme rumo ao que acreditamos. Isso a leitura e a cultura de matriz africana me ensinaram. Como conhecimento não é aquilo que você guarda, e sim passa adiante, o Poesia Ouvida é isso: alimento da alma, que é o que realmente importa nessa vida terráquea.
Pedra retorcida

Durante algum tempo,
hesitei abrir aquela porta.

O sentido de toda cidade
estava atado, como um nó,
lá dentro. Talvez fosse
o que jamais procurasse:
o sentido das coisas
explicadas por trás das portas.

Algumas Ruas também
hesitei atravessar.
Eram incansáveis e longas,
como as noites brincadas
lá fora, onde tudo mais cabia.

Em verdade,
nada procurava
além de um pequeno gole
guardado ou esquecido
por trás daquela porta verde:
sem trancas, maçanetas e levemente arranhada
com a dor de abri-la.

Os olhos esverdeados
acompanhavam a inquietação do vento
se infiltrando pela porta exilada
com quem fala: ó de casa!

(As Ruas atravessam o tempo não vencido.)

Aquela porta que hesitei abrir
largou mão de sua fronteira
e deu lugar a janelas
que me assombram pacientes,
até que o frio as feche novamente.

Faz frio por detrás das portas retorcidas;
o outro nos decifra,
enquanto se esconde.

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quarta-feira, 1 de abril de 2009

CORTES E RECORTES

Plínio de Almeida

O ladrão sutil e fino
Teve bem suas razões...
Plínio, o poeta peregrino,
Possuía cinco milhões!

Caladinho, caladinho,
Ninguém o soube a rimar
No longo do seu caminho
O poema de enricar!

Por tantos anos afora
A todos Plínio enganou...
Nunca deu mostras cá fora
Do que lá dentro amealhou!

Mas, se verdade, eu me enteso,
E em pesar me desfiguro...
Como pôde ser um creso,
Todo o dia dando “duro”!

O formal nos seus grilhões
Compondo grandes quantias
Já chama a cinco milhões
De “parcas economias”!

Pensando tal ao “O Diário”
Na força das inflações,
O novo milionário
Nunca viu esses milhões!

Ilhéus - Diário da Tarde - 05/07/1958. Edição 8.783.

Plínio de Almeida nasceu em Santo Amaro da Purificação em 1904, “logo pisou o solo da região cacaueira baiana, tornou-se parte viva e pulsante dela mesmo” escreveu o historiador Adelino Kfoury. Faleceu em Itabuna, no ano de 1975, com 71 anos recém completados, sem conseguir reunir em livro a sua obra em verso, o que fizemos através da FICC (Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania) através de Flávio J. Simões Neto, seu presidente e a Editus, a Editora da UESC. A publicação do compêndio com aproximadamente 500 páginas deverá ser lançada durante o segundo semestre de 2009.