terça-feira, 29 de junho de 2010

Casa de Eduardo Galeano

Fechada por futebol
Com a vitória do Uruguai sobre a Coreia do Sul, o escritor Eduardo Galeano, que queria na infância ser jogador, é todo felicidade. Ele colocou em sua casa em Montevidéu um cartaz dizendo: “Fechada por futebol.” Aliás, Galeano viu Garrincha jogar. “Era como assistir a Chaplin no gramado”, disse.

Fonte:
O Globo - 28/06/2010

Gullar pode ser Nobel?

O poeta Ferreira Gullar afirmou à coluna Painel de Letras (Folha de São Paulo) que sua candidatura ao Nobel de Literatura deverá ser reapresentada em Estocolmo em 2011.

Segundo o autor, as publicações na Suécia, dois anos atrás, de seu “Poema Sujo” e, mais recentemente, de uma antologia poética e da edição da revista Karavan, com dossiê dedicado a ele, levaram escritores e professores do país a propor a ideia. Gullar teve suas candidaturas registradas, em 2002 e 2004. O fato de ter ganho neste ano o Camões, principal prêmio a autores de língua portuguesa, também pesa.

Fonte:
Folha de S. Paulo - 26/06/2010

Veja recente nota que demos sobre Gullar e o Prêmio Camões: http://sopadepoesia.blogspot.com/2010/06/e-o-premio-camoes-2010-vai-para.html

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Celebração de Ilhéus

476 anos de história, 129 de emancipação política

Fotografia de José Nazal

Hoje a minha querida cidade de Ilhéus, onde nasceram e residiram tantos escritores, tantos poetas, comemora 476 anos de história, posto que foi uma das capitanias hereditárias do Brasil, e 129 de emancipação política. Bela, histórica e hospitaleira, está imortalizada nos romances de Jorge Amado e Adonias Filho, nas adaptações das suas obras para teatro e cinema, bem como em poemas de Sosígenes Costa, o poeta grego da Bahia, segundo Gerana Damulakis. Ainda Gil Nunesmaia, um dos primeiros haikaístas brasileiros é natural de Ilhéus, assim como Abel Pereira.
Fotografia de José Nazal

Em Ilhéus tenho grandes amigos, trabalho e estudo. E pela cidade, há muito tempo, sou completamente apaixonado. Por isso mesmo venho preparando um livro com poemas em sua homenagem, cujo título ainda não está definido, mas que pretendo publicar no próximo ano. A obra é composta por um poema longo, dividido em dez partes, e outros que versam sobre personagens e lugares da cidade.
Publico abaixo dois trechos de Saudação a Ilhéus, o poema longo ao qual me referi anteriormente, e outro, sobre um local e personagem bem conhecido do povo da cidade, o bom e velho Conde Badaró e sua barraca de praia.

SAUDAÇÃO A ILHÉUS

I

Ilhéus, de onde estou agora
abriga aurora e poente
encontro de rios que rasgam a terra
e o fragor do mar
o silêncio que se expande
a sinestesia de todas as cores
o segredo do ócio
o rumor de todas as águas
o cantar de todos os pássaros
a força do vento na vela
a tarde e a primeira manhã
montanha por montanha ao seu redor
onde paira a noite morna
as luas alvas, madrugadas
voando alto
a convergir todas as coisas
enquanto consagro horas à inutilidade
e escrevo versos para te saudar.

V

Sobre a tua superfície
uma imagem de água e de poder
em voltas que descrevem a história
que irrompe da lembrança mais longínqua
por onde navegam barcos ancestrais
com seus remos inquietos
a girarem no mesmo compasso
enquanto as ondas se afastam
e se aproximam, descompassadas
em rumores cada vez mais altos
cada vez mais exatos
por que na memória estão as águas recurvadas
o silêncio da alvorada
o nascer do sol à hora exata
à hora que mais esplende a vida
com todas as suas arcadas
enquanto afiro o peso da lucidez
e escrevo versos para te saudar.


NA BARRACA DO VELHO BADACA


É dia útil, dizem
mas toda segunda-feira
me cheira ao primeiro do ano.

Não deveria estar aqui
mas na barraca do velho Badaca
não existe hora para existir.

O sol se dá de presente
junto à praia
rebrilhando sobre as correntes.

O mundo corre lá fora
caduco, longe dos coqueirais
e da barraca do velho Badaca.

Mando meus compromissos
às favas e celebro
o que há de útil nessa vida.

Quem quiser conhecer um pouco mais sobre o município pode visitar este belíssimo site: http://www.ilheense.com.br/

domingo, 27 de junho de 2010

RUMOS ITAÚ CULTURAL LITERATURA

Abertas as inscrições para o edital

Em sua quarta edição, o programa Rumos Literatura é dirigido aos interessados em desenvolver textos reflexivos sobre literatura e crítica literária brasileira contemporânea. A novidade desta edição é a possibilidade de estrangeiros, residentes fora do Brasil, também se inscreverem. O programa busca colaborar no desenvolvimento de potencialidades ao estimular a formação do interessado em literatura na ampliação de sua rede de relacionamentos intelectuais e profissionais e, posteriormente, lançar e divulgar uma publicação com sua produção autoral.

O edital está dividido em duas categorias:
1. Produção Literária, para projetos de ensaio que tratem de um tema relativo à produção literária brasileira a partir do início dos anos 1980.
2. Crítica Literária, para projetos de ensaio sobre a produção crítica na literatura brasileira realizada a partir do início dos anos 1980.

Importante: o interessado não precisa escrever o ensaio final, apenas o projeto que será desenvolvido em 2011, conforme consta no edital.

Prazo de inscrições: foram prorrogadas até 13 de agosto de 2010.

Público alvo: todas as pessoas interessadas nos temas propostos pelo edital, independente do nível escolar e segmento de atuação profissional.

Edital completo:
http://www.itaucultural.org.br/rumos/regulamento_literatura.pdf

. Dentre os prêmios, os selecionados receberão apoio financeiro mensal e remuneração referente ao licenciamento dos direitos autorais do trabalho concluído e aprovado.
. e-mail tira dúvida: rumosliteratura@itaucultural.org.br

Uma Criatura

O poema, em terza rima, é do Machado de Assis, mas poderia facilmente ser atribuído a Augusto dos Anjos

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois esta criatura está em toda a obra;
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.

Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.

sábado, 26 de junho de 2010

Três poemas de Vinícius de Moraes

Vinícius é, sem dúvida, ao lado de Alberto da Cunha Melo, o poeta brasileiro que mais gosto. Sempre achei espetaculares os seus poemas, sobretudo os de amor. Tenho para mim que esses três são os seus melhores.

SONETO DA SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot,
a caminho da Inglaterra, 09.1938


SONETO DA FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Estoril - Portugal, 10.1939


SONETO DO AMOR TOTAL

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Rio de Janeiro, 1951

Três notinhas que valem a pena

Estreia de filme e peça teatral, ambos baseados na vida de escritores + lançamento de livros são destaque na imprensa escrita

Lançamento: Fábula de Saul Bellow

Depois de publicar “As Aventuras de Augie March”, no ano passado, a Companhia das Letras agora lança outro romance clássico de Saul Bellow (1915-2005), “Henderson, o Rei da chuva”, com tradução de José Geraldo Couto. Ambos chegam em traduções notáveis, que reproduzem a escrita cheia de energia e exatidão do autor. Apesar de muito diferentes entre si, os dois livros transmitem o mesmo humor e o mesmo prazer de compartilhamento. “Henderson”, além disso, é escancaradamente filosófico - suas especulações, nas palavras de um crítico, vão do sublime ao absurdo. Como nas melhores comédias. “Augie”, de 1953, e “Henderson”, de 1959, pertencem à primeira fase da obra do escritor, que já era então plenamente reconhecido nos Estados Unidos, mas nem tanto no resto do mundo, o que só viria a acontecer quando ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1976. Nessa fase inicial, Bellow prestava homenagens e pagava tributos à literatura do século XIX, ainda que nada de anacrônico sobrevivesse ao filtro de seu ouvido musical e atento à fala das ruas.

Fonte:
Valor Econômico - 25/06/2010


Keats foi poeta, sonhou e amou na vida

Na Inglaterra, na Austrália e na Nova Zelândia, a história é razoavelmente conhecida - o romance entre o poeta John Keats e sua musa, Fanny Brawne, ultrapassa a história da literatura. Havia o risco - essa história 100% romântica teria condições de interessar ao público não necessariamente de língua inglesa? Em Cannes, no ano passado, a diretora Jane Campion admitia que valia a pena ter arriscado. A resposta dos espectadores - jornalistas de todo o mundo - havia superado sua expectativa mais otimista. É verdade que “Bright Star”, traduzido para o português como “Brilho de Uma Paixão”, que estreia hoje nos cinemas, é o melhor filme da autora desde os sucessos do começo de sua carreira, com obras como “Um Anjo em Minha Mesa” e “O Piano”, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes.

Fonte:
O Estado de S. Paulo - 25/06/2010


Nos palcos, Clarice, Nara, Simone de Beauvoir e outros

O ritual de preparação leva duas horas, o que inclui a respiração ofegante, o corpo em movimentos bruscos, gritos e mantras entoados sem parar. A maquiagem, produzida delicadamente com a ponta dos dedos, consome mais uma hora e meia. E nada disso transforma Beth Goulart na personagem que encarna em "Simplesmente Eu, Clarice Lispector", monólogo cujo texto e direção ela também assina. "O mais delicado é encontrar o impulso, a emoção, o estado de alma da personagem", conta. "É essa emoção que une uma alma com a outra." Só minutos antes de entrar em cena, fitando a plateia pelas frestas da cortina, a atriz encontra a emoção e o impulso de Clarice Lispector (1920-1977). Essa metamorfose cênica, processo que só se desfaz ao rufar das palmas, é o desafio que mais sete diferentes espetáculos também apresentam nos palcos brasileiros. É uma tendência no circuito teatral: a vida real de escritores, poetas e músicos transformada em dramaturgia. Nara Leão, Simone de Beauvoir, Noel Rosa, Vicente Celestino, Lamartine Babo e Fiodor Dostoiévski são alguns dos personagens que voltam à cena em espetáculos nos quais a ficção e a realidade se misturam.

Fonte:
Valor Econômico - 25/06/2010

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Lorca, por Drummond

Relendo algumas coisas de Drummond me deparei com um poema que até então não conhecia, pelo menos não me lembrava dele, afinal são tantos poemas de Drummond para se lembrar, tantos poemas... Falo de “Invocação com Ternura”, que está em Viola de Bolso. Trata-se de um poema onde o poeta exalta a memória de Federico García Lorca, com versos ao melhor estilo do vate andaluz, octossílabos vazados em uma linguagem cotidiana, eu diria. E diria mais, octossílabos que dispensam a cesura medial com a finalidade de dar ao poema maior flexibilidade, imprimindo-lhe, mesmo assim, um andamento consistente. Espero que gostem.

INVOCAÇÃO COM TERNURA

Poeta humílimo, em ritmo pobre,
todavia me sinto rico
se em Granada diviso a nobre
lembrança de ti,Frederico.

Toda essa árabe, agreste pena
de gitana melancolia,
como, à brisa, se faz serena,
vindo-te nos versos, García!

De um vinho andaluz corre a flama
por sobre a taça que se emborca.
Se mil mortes sofre quem ama,
é de amor que inda vives, Lorca.

E já baixam teus assassinos
a uma terra qualquer e vã,
enquanto, entre palmas e sinos,
tu inauguras a manhã.

(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Fala aí, Raul!

Documentário sobre Raul Seixas em fase de montagem

Em fase de montagem do longa-metragem "Raul Seixas - o Início, o Fim e o Meio", a equipe do documentário incluiu uma cena, no depoimento do escritor Paulo Coelho, em que uma mosca invade o quadro justamente quando ele falava da canção Mosca na Sopa. Ao vê-la, o escritor disse para o inseto: "Fala aí, Raul!".

Fonte:
Folha de S. Paulo - 24/06/2010 - Mônica Bergamo

São João passou por aqui...

Para Elis e Ricardo

No São João do interior do nordeste tudo é muito simples. Há fartura nas mesas e cadeiras na calçadas. Fogueiras são acessas tão logo o sol se põe. Os vizinhos se achegam e perguntam: São João passou por aqui? Sim, respondemos! Formamos quadrilha e dançamos até o amanhecer. Tudo é movido por muita alegria e deliciosos licores. É a festa mais bonita que existe.

noite de são joão –
fogueiras lambendo o céu
ofuscam estrelas.
-

devotas na igreja
agradecem pelas graças –
nos bares cerveja.
-

do mel do cacau
o delicioso licor –
chegou o São João.

27.06.2009

OBS: Essa forma poética é de origem japonesa e conhecida como HAIBUN. Como se pode perceber, o haibun contém um texto curto, em prosa, seguido por um ou mais haikais. A prosa que antecede o haikai geralmente se refere a uma experiência vivida pelo escritor. Alguns autores de haibun preferem escrever a prosa de forma simples e direta, ou ainda compacta, curta ou telegráfica, omitindo verbos, pronomes e outros elementos gramaticais. O objetivo do haikai que acompanha a prosa é dar uma nova dimensão, provocar uma mudança de cena, voz ou tempo, tal como as duas partes de uma tanka. Um haibun também inclui um título e deve ser escrito no tempo presente.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Testamento, de Manuel Bandeira

Sou absolutamente incapaz de apontar o poema de Manuel Bandeira que mais gosto. São tantos, a começar por Vou me embora pra Pasárgada, Boi Morto, Consoada, O último poema, Bacanal... Ah, são tantos e tão belos poemas!
Ocorre que, como de praxe, relendo-o aleatoriamente, deparei-me com Testamento, um poema de 1943, onde o poeta, entre outras coisas, fala sobre não ter tido filhos. Parece-me um poema sobre a frustração, mas em contraste. O poeta transforma o que lhe falta em riqueza, em poesia, aquilo de mais grandioso que pode oferecer.
Esse poema, na tarde de ontem, me pegou de cheio, contrasta pelo avesso com o momento que vivo. Se por um lado tenho me deliciado diariamente com minha filhinha recém-nascida, por outro, quando leio Bandeira enxergo exatamente o poeta que gostaria de ser.

TESTAMENTO

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

terça-feira, 22 de junho de 2010

Prêmio da ABL para tradutor sob suspeita

Tradutores veem erros em obras do vencedor de Prêmio da ABL

A Academia Brasileira de Letras, três anos após causar espanto ao dar seu prêmio máximo, o Machado de Assis (R$ 100 mil), ao economista Roberto Cavalcanti de Albuquerque, que escreveu um livro em conjunto com Marcos Vinícios Vilaça, presidente daquela instituição, volta a ter uma de suas premiações no centro de uma polêmica. Tradutores apontaram erros que consideram "inacreditáveis" no trabalho do vencedor da categoria "tradução", o médico pernambucano Milton Lins, e contestam os critérios para a escolha dos laureados – que ocorre por indicação, e não por inscrição. Num poema do franco-uruguaio Jules Laforgue, em Pequenas traduções de grandes poetas-Volume 4, Lins traduz o que seria "têmpora" como "tampa" e transforma "fresca" em "frete". Os equívocos foram revelados pela tradutora Denise Bottmann, no blog Não gosto de plágio (link ao lado), e críticas ressoaram no meio. "São sandices completas, não têm nada a ver [com o original]”, afirmou Jório Dauster, tradutor de Nabokov e Salinger. Integrante da diretoria da Associação Brasileira de Tradutores, Joana Canêdo definiu os erros como "aberrantes". Criado em 2003, o prêmio de tradução da ABL já foi dado a Boris Schnaiderman (2003), Bárbara Heliodora (2007) e Paulo Bezerra (2009), entre outros.

Vencedor foi indicado por Ivan Junqueira e é colega de Vilaça na Academia Pernambucana de Letras

Colega do presidente da ABL, Marcos Vinícios Vilaça, na Academia Pernambucana de Letras o médico Milton Lins, 82, é um tradutor tardio. Começou aos 71 anos. Usa a aposentadoria para exercer a paixão, e já publicou, em edições de autor, dez livros com traduções. Questionado sobre os erros, disse: "É possível que eu tenha feito algumas variações. Mas não fui eu quem me premiei. Se eu fosse julgar, não me premiaria". Ele foi indicado pelo imortal Ivan Junqueira, que integrou, com Carlos Nejar e Evanildo Bechara, a comissão responsável pelo prêmio. Nem Junqueira nem Nejar souberam dizer de pronto quais foram os outros indicados ao prêmio - ambos disseram não lembrar. Num segundo contato, Junqueira afirmou que no primeiro telefonema tivera "um branco". "Mas agora lembro. Pensamos em Rosa Freire d'Aguiar, descartamos porque é viúva de Celso Furtado [que foi acadêmico]; em Leonardo Fróes, mas ele já ganhou; e em Paulo Henriques Britto, mas no ano anterior ele não tinha publicado [pré-requisito]".

Fonte:
Folha de S. Paulo - 19/06/2010

Tal questão não chega a nos causar espanto, pois aqui na Bahia o que bem temos são indícios de favorecimento de amigos por pessoas envolvidas tanto na promoção quanto no julgamento de obras literárias em concursos. Recentemente, o caso mais comentado foi o resultado do 4º Prêmio Wally Salomão de poesia, promovido pela Academia de Letras de Jequié, onde teriam sido premiados três poetas muito próximos de José Inácio Vieira de Melo, acadêmico daquela instituição, organizador do concurso e um dos jurados.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

no campo inimigo
o perigo tem um nome –
luís fabiano


sábado, 19 de junho de 2010

Poesia Diversa

Hilton Valeriano, professor de filosofia graduado pela PUC – Campinas, mantém um belíssimo blog, Poesia Diversa, onde publicou há pouco uma entrevista que concedi a ele. Eis o link para quem se interessar: http://poesiadiversidade.blogspot.com/

O Dia E

Hoje, dia 19, o Instituto Cervantes promove o Dia E, uma festa aberta ao público para homenagear o idioma espanhol e promover a interação entre as culturas. A data será comemorada simultaneamente nos 73 centros da rede Cervantes, espalhados em 42 países.
Em São Paulo, o Dia E acontece no Memorial da América Latina, das 10h às 24h. No Rio de Janeiro acontece das 11h às 21h na nova sede do Instituto Cervantes (Rua Visconde de Ouro Preto, 62. Rio de Janeiro/RJ). Em Belo Horizonte a comemoração será das 11h às 22h30 e foi organizada em colaboração com o Museu Abílio Barreto (Av. Prudente de Morais, 202 - Cidade Jardim – Belo Horizonte/MG). Já no Recife, a partir das 18:30hs, na sede do Instituto Cervantes (Av. Agamenon Magalhães, 4535 – Derby), em parceria com a Universidade de Salamanca, haverá lançamento de livros, palestras e um debate com a moderação do Antônio Campos. Em Salvador as atividades também duram o dia inteiro, das 11 às 20hs, na sede do Instituto Cervantes, na Ladeira da Barra.

Integrando-me às comemorações, deixo aqui alguns haikais, traduzidos para o espanhol pela minha querida amiga Cristina Capullito.

¿otoño o invierno?
caen las hojas confusas
en el seno materno

outono ou inverno?
caem as folhas confusas
no seio materno

-

se van las garzas
van volando sobre el río
van llenas de gracia

lá se vão as garças
vão pairando sobre o rio
vão cheias de graça

-

el viento de otoño
como un pájaro que pasa
partió sin un adiós

o vento de outono
como um pássaro que passa
partiu sem adeus

Interessantíssima crônica de José Saramago

Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo meu pai a declarar no Registro Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacônico José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudônimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi não ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram de arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto e Caralhana. Entrei na vida marcado com este apelido de Saramago sem que a família o suspeitasse, e foi só aos sete anos, quando, para me matricular na instrução primária, foi necessário apresentar certidão de nascimento, que a verdade saiu nua do poço burocrático, com grande indignação de meu pai, a quem, desde que se tinha mudado para Lisboa, a alcunha desgostava. Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele também, José de Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente de Sousa.

De: “As pequenas memórias”. Companhia das Letras, 2006.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre José Saramago, aos 87 anos

A notícia da morte de José Saramago, aos 87 anos, corre o mundo nesta sexta-feira. O que é pouco divulgado é o fato de que o escritor português iniciou sua carreira com um livro de poesia, Terra do Pecado (1947).
Prêmio Nobel de Literatura possuía autoridade para levantar sua voz tantas vezes contra as injustiças, a Igreja e os grandes poderes econômicos, tendo afirmado em 2008, durante apresentação em Madri de "As Pequenas Memórias", obra em que recorda sua infância entre os cinco e 14 anos, que: "Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário", Afirmação impossível de ser contestada atualmente. Trata-se realmente de uma grande perda.

Abaixo, três poemas de Saramago.

Retrato do Poeta Quando Jovem

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.


Science-fiction I

Talvez o nosso mundo se convexe
Na matriz positiva doutra esfera.

Talvez no interspaço que medeia
Se permutem secretas migrações.

Talvez a cotovia, quando sobe,
Outros ninhos procure, ou outro sol.

Talvez a cerva branca do meu sonho
Do côncavo rebanho se perdesse.

Talvez do eco dum distante canto
Nascesse a poesia que fazemos.

Talvez só amor seja o que temos,
Talvez a nossa coroa, o nosso manto.


Fala do velho do restelo ao astronauta

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.

Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.

No Blog da Companhia da Letras, Luiz Schwarcz, editor do Saramago no Brasil, se despede do amigo com um texto que vale ser lido. Eis o link:
http://www.blogdacompanhia.com.br/2010/06/saudade-nao-tem-remedio/

O CREDO DE DON JUAN

Esse poema faz parte do conjunto que venceu o Prêmio Bahia de Todas as Letras, edição 2009


Creio num Deus vil e atormentado
tal qual o mar quando a lua surge esquiva
com seu canto afastado, porém audaz,
arrogante em meio às visões de bem e mal,
cego ante a face exaurida do amor.
Creio nesse Deus, cujo reino não tem fim,
e ao mundo lanço o meu laço sabendo que após o gozo
viverei contraditória agonia.
Assim, como um ciclo que nunca se cumpre,
volto aos braços da sedução,
náufrago e só, tecendo a minha teia.
O fogo aquece o corpo e não arrefece,
mas a alma, dos seus tormentos não se esquece,
escarnece o céu não por prazer, mas por convicção.
Ah, ter escrúpulos é não ter mesmo nada!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O lugar da poética em Luanda Beira Bahia

Gustavo Felicíssimo

Antes de entrarmos na análise direta de Luanda Beira Bahia, romance de Adonias Filho, publicado originalmente em 1971, pela Civilização Brasileira, cabem aqui duas observações de cunho biográfico. A primeira diz respeito ao caráter inovador, pois trata-se do “primeiro livro brasileiro que une, através da ficção, o Brasil e a África[i]”. A segunda diz respeito a uma viagem que o autor fez à África lusófona, a convite de Salazar[ii], de onde retirou elementos fundamentais à confecção da obra “em que introduz, consciente e intencionalmente, a importância do elemento africano em nossa formação cultural[iii]”. Quando do seu lançamento, Luanda Beira Bahia causou certo espanto, pois até aquele momento a obra ficcional adoniana era inspirada por elementos da zona cacaueira, sul da Bahia, local onde nasceu e passou sua infância, temática retomada mais tarde, em 1975, no romance As Velhas.

Em Luanda Beira Bahia, Adonias Filho cria um mundo carregado de simbolismo, buscando um sentido profundo para o mistério da existência, nos episódios e nas personagens, conferindo à trama um sentido trágico que aparece envolvido por aquilo que Aristóteles, em Arte Poética
[iv], nomeou de “belo poético[v]”. Trata-se de uma narrativa modelar, onde a imitação é reproduzida em toda a sua potencialidade, amalgamando ritmo, linguagem e harmonia, aplicados em conjunto, momento raro da literatura brasileira, como no primeiro parágrafo do primeiro capítulo da obra, igualado apenas pelo início de Porto Calendário, do Osório Alves de Castro, e que o bibliófilo José Mindlin tanto admirava:

As folhas secaram, depois caíram, e quando isso aconteceu a jindiba pareceu um homem. Corpo era o tronco com os galhos secos abertos como cem braços. Nua, de repente ficava nua, culpa do sol ou do mormaço, talvez uma praga nas raízes. Aquele seu lugar, a dez metros do jardim, conhecendo a casa desde o começo, há anos, muito maior que o capinzal. Em cima, bem no alto, o céu não mudava. Outras nuvens, verdade, com o mesmo vento e as mesmas estrelas. Difícil dizer – para o menino – quem primeiro chegara, se a árvore ou a casa.

Imitar não significa copiar e, portanto, a obra poética, para ser inteira, deve trazer todos os elementos característicos do que está se usando para ser imitação. Neste caso, as emoções humanas, que para Aristóteles é mais importante que a expressão de valores e conteúdos morais. Está aí a grande tacada de Adonias Filho. Luanda Beira Bahia não se sustenta única e simplesmente pela força expressiva da representação ou pela unidade harmônica que possui, mas também pelo lirismo. Essa obra, de maneira profunda, suscita emoções, como no episódio em que Caúla, ainda um jovenzinho “de dezesseis anos em camiseta de meia e calça de brim, a barba querendo nascer” se apaixona pela primeira vez, e justamente pela moça do circo, “de louros cabelos, olhos azuis, pele de leite e seios pequenos na blusa de renda”, que só não era a coisa mais linda que conhecia “porque havia o mar”.
São também as comoções humanas que envolvem a narrativa. Elas chegam a provocar sentimentos de pavor e piedade, como na passagem da morte de José Babino e Nizuá. O leão marinho e o toureiro em uma luta de gigantes. E mais drasticamente, como na súbita descoberta dos amantes, Caúla e Iuta, em relação à identidade de ambos. Ela, grávida. Amantes e filhos do mesmo pai. Ambos mortos pelo genitor que após se mata, uma tragédia no melhor estilo grego.
Ainda a presença insólita de uma jindiba, árvore de origem africana, perpassa a obra. Essa árvore de tronco imenso, raízes profundas, copa gigante, simboliza no romance a tradição, o local de reencontro. Anterior ao estabelecimento da casa no pontal, de sua madeira se fez a urna que abrigaria o corpo do pai e dos filhos. Amantes.
Assim, podemos dizer que a narrativa mais bela, grandiosa, encantadora e sublime, pode despertar um sentimento de espanto. Esse espanto, que é sentido na beleza, atrai ao invés de afugentar. É desse modo que percebemos o lugar da poética em Luanda Beira Bahia.



RELAÇÃO EXTERNA:
BIOGRAFIA DE ADONIAS FILHO NO WIKIPEDIA:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Adonias_filho

______________
[i] Filho, Adonias. Luanda Beira Bahia, 1978. Civilização Brasileira. Citação de contra-capa.
[ii]António de Oliveira Salazar, 1889 —1970. Professor catedrático da Universidade de Coimbra e Estadista português que exerceu, através de uma ditadura, o poder político em Portugal entre 1932 e 1968.

[iii] Araújo, Vera Lúcia Romariz Correia de, 2000. Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid. URL: http://www.ucm.es/info/especulo/numero15/c_brasil.html
[iv] Editora Martin Claret, 2007.
[v] Idem. Pág. 23.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Haikais de Uaçaí Lopes

Recebi há poucos dias alguns livros de poesia do Uaçaí Lopes, poeta natural de Feira de Santana, com quem dividi espaço em uma das edições da Bienal do Livro da Bahia. Falo de Caminhos (1986), Digressões Acerca do Conteúdo do Armário (2001) e Voo de Assanhaço (2001). Nos dois primeiros, encontramos em cada, apenas um capítulo dedicado ao haikai. Já a terceira obra é formada exclusivamente por uma boa porção deles. Como explica em bilhete enviado juntamente com os livros, em Voo do Assanhaço o poeta faz uma síntese dos haikais inseridos nas publicações anteriores e agrega novas produções.
Trata-se, sem dúvida, de um conjunto muito rico e que contribuirá significativamente para os meus estudos sobre o haikai na Bahia.

De cada livro retirei dois haikais para compartilhar com todos.


Sobre o mar um véu.
Astros que bóiam nas ondas,
Espelho do céu.

-

Como um jarro antigo,
quanto mais velho mais caro.
Assim, o amigo.

-

Nada é perfeito:
O pássaro alça o vôo
e rasga-me o peito.

-

Ah! Quanto veleiro!
Salvador, o mar em flor:
dois de fevereiro.

-

Ao cair da tarde,
um haijin no meu jardim:
meu coração arde.

-

Velho samurai
podando com sua espada
o frágil bonsai.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Morreu Massao Ohno

Morreu na madrugada desta sexta-feira para sábado, de câncer no pulmão, o editor Massao Ohno, aos 74 anos. Pioneiro da edição independente no país, Ohno firmou-se publicando, sobretudo, livros de poesia, em edições de grande apuro gráfico.
Além de autores como Roberto Piva, Jorge Mautner e Hilda Hilst, também editou parte importante da poesia haikaística brasileira. Entre as obras de destaque estão a primeira antologia do haikai brasileiro e também latinoamericano.
Ohno também foi co-produtor de filmes brasileiros, o de maior destaque é "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), de Rogério Sganzerla.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

MONÓLOGO DE DON JUAN

Poema vencedor do Prêmio Bahia de Todas as Letras

Para Tirso de Molina, naturalmente

I

Desejo todas as mulheres
antes mesmo de as conhecer,
eu sou o pastor dos poentes,
o que as leva ao amanhecer;

são mulheres de fino trato
com olores e todo aparato

de lobas em pele de santas,
de putas com os seus pudores
e aquela nudez sacrossanta

vestida de lírio e de orvalho,
de lua e luar pro meu malho.

II

Levadas ao vinho e à mesa
de orgulhosas nunca se fazem,
sabem que o pecado é do corpo,
que a alma pura todas trazem;

pois se há abundância de afeto
lógico é dar-lhe o fim correto,

servir a quem delas precise
e delas se fazem cativos
antes que o ardor agonize,

que o fogo repouse no tempo
e a chama se esvaia no vento.

III

Infinitos por natureza
desejo e cobiça prosperam
onde florescem as paixões,
os prazeres que nos esperam,

as manhãs onde o corpo é luz
e exala o aroma que seduz:

a leveza do novo dia
escorre sobre seios fartos
onde, voraz, a alquimia

de dois corpos entrelaçados
louva os valores remoçados.

IV

O amanhã deve ser agora
o avesso da nossa existência,
e dela o que restar será
produto de eterna imanência,

o que fizermos e o que somos
hoje, tudo ao que nos expomos,

pois hoje é o dia do presente,
de olhar nos olhos da verdade
e concordar que se apresente

em cada corpo um novo porto,
ou então, um sedutor morto.

V

No tártaro estarei tranquilo
frente ao meu fatal julgamento,
nenhum drama, nenhuma culpa,
nos ombros nenhum sofrimento

me descobrirá arrependido,
meu olhar no espaço, perdido,

não poderá ser apontado,
pois a mim quase nada importa
ter a muitos desapontado:

se acaso Perséfone encontrar
um beijo seu eu vou roubar.

VI

E se no céu me deparar
não será por força divina,
mas ao certo, por honra e glória
de alguma santa libertina,

alguém que aspire viver,
amar e lutar por prazer,

por um membro sempre ao seu lado,
em riste, bélico, ardiloso,
no corpo de um Eros alado:

a imagem plena do poeta,
o encontro do alvo e sua seta.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Questão polêmica

Quando o escritor norte-americano Nicholas Carr (foto) começou a pesquisar se a internet estava arruinando nossas mentes, assunto de seu novo livro, ele restringiu seu acesso à internet, deu um tempo no e-mail e desligou suas contas no Twitter e no Facebook. Em seu novo livro The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains (W. W. Norton & Company, 276 pp., US$ 26,95), ele diz que a rede está nos privando da capacidade aprofundada de raciocínio. “Minha falta de habilidade em me concentrar era uma grande falha. Por isso deixei o Twitter e o Facebook e voltei a checar e-mail apenas algumas vezes por dia, em vez de a cada 45 segundos”. Apesar de inicialmente se sentir “perplexo” com sua repentina ausência de conexão, Carr disse que em algumas semanas ele já estava apto a manter o foco em uma única atividade por um longo período de tempo e, felizmente, pronto para seu trabalho. Seu livro examina a história da leitura e a ciência de como o uso de diferentes mídias afeta nossa mente. Explorando como a sociedade passou da tradição oral para a palavra escrita e depois para a internet, ele detalha como nosso cérebro se reprograma para se ajustar às novas fontes de informação. Ler na internet mudou fundamentalmente a forma como usamos nosso cérebro.

Fonte:
O Estado de S. Paulo - 07/06/2010

DEBATE SOBRE CULTURA NA UESC

Após onze anos, acontece o 3° Congresso de Estudantes da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz, com o tema "(Re)construindo e democratizando a Universidade". De 10 a 12 de Junho, no Auditório Paulo Souto.
Esse tipo de atividade é o fórum máximo de deliberação do Movimento Estudantil da UESC, no qual os principais objetivos são unificar e fortalecer, através da interação entre os estudantes dos diversos cursos; além de elaborar coletivamente o novo estatuto do DCE.
Para tanto, haverá uma programação científica, política e cultural bastante diversificada. Participarei de um importante debate sobre Cultura, na sexta-feira, entre 9 e 11hs, ao lado da Deputada Federal Alice Portugal e do Presidente da UNE.

As inscrições são gratuitas (podem ser feitas na sede do DCE-UESC) e dão direito a certificados de 20 horas para quem participar de pelo menos 75% da programação.

No sábado, dia dos namorados, o encerramento cultural será sob o comando da banda Zabumbahia, do meu amigo Luciano de Lucas, a partir das 13:00 horas, no Inferninho.

Dúvidas e informações:
dce@uesc.br / (73)3680-5092
Contatos:
Lucas "Índio": (73) 8805-1386
Thiago: (73) 8108-4559
Manuela: (73) 8858-8073

Mais informações: http://www.uesc.br/

terça-feira, 8 de junho de 2010

Flores de Cerejeira

Aspectos do haikai no Brasil

O Kasato Maru, primeiro navio a aportar no Brasil com imigrantes japoneses, segunda a historiografia oficial em 18 de Junho de 1908, trouxe consigo 165 famílias que vinham trabalhar nas fazendas de café no oeste paulista, mas não há registros que confirmem tenham trazido a pedra fundamental do haikai para o nosso país.

Confira o texto de nossa autoria, na íntegra, na revista Zunái. Eis o link: http://www.revistazunai.com/materias_especiais/haicais/gustavo_felicissimo_floresdecerejeira.htm

Confira também uma breve seleção de haikais de autores brasileiros: http://www.revistazunai.com/materias_especiais/haicais/gustavo_felicissimo_breveantologia.htm

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ilhéus 40°

Por Ildásio Tavares
Ildásio Tavares, Gustavo Felicíssimo e Heitor Brasilero Filho

Gustavo Felicíssimo me intima para ir a Ilhéus proferir uma conferência sobre a poesia de Sosigenes Costa, o Bardo de Belmonte. Por isso digo que me intima. Pela atraente grandeza da poesia do belmontense e pelo dever da amizade. Gustavo, do início da nossa amizade, cresceu na minha admiração e no meu afeto pelo verdadeiro sacerdócio que vem exercendo em prol da literatura; em prol da cultura e que, na condição de Diretor da Fundação Cultural de Ilhéus teve a sorte de achar um prior na figura elegante e dinâmica de Mauricio Corso.
Minha conferência estava inserida num evento que culminou com a entrega do prêmio Bahia de Todas as Letras, pelos dois importantes editores, a afabilíssima Baísa Nora, Diretora da Editus, a editora da UESC, e o Agenor Gasparetto, como é conhecido afetuosamente um gaucho de origem Italiana, fixado e transformado em grapiúna, diretor da Via Litterarum, editora tradicional da região. O prêmio é bancado pela Fundação Chaves com todo Apoio da Fundação Cultural de Ilhéus. Concorridíssimo, o prêmio este ano foi abiscoitado por muitos escritores jovens de diversas cidades do estado, e se reveste de maior importância porque além da premiação em dinheiro, estas editoras publicam em livro os trabalhos premiados. Isto, sem dúvida, constitui um relevante incentivo aos escritores emergentes que, hoje em dia, encontram pouco espaço para publicar seus trabalhos.
Destarte, Ilhéus salta à frente das demais cidades no prestígio à cultura. Fiquei sinceramente impressionado com o empenho da Presidência e de toda diretoria da Fundação de estimular a cultura. O Quartel General do evento foi o magnífico Teatro Municipal, com sua fachada Art Nouveau e seu recheio de um amplo palco com uma boca de cena de 7,5m e lugares para cerca de 500 espectadores, sentados em poltronas requintadas, dotado o teatro de um potente serviço de ar condicionado que chega a fazer frio se regulado a capricho.
O evento foi pontilhado de cenas teatrais, inclusive aberto por um palhaço vestido a caráter que arrancou risos da platéia. Foram tantos os conferencistas e de tão alto nível que neste espaço mal caberia para todos.
Pawlo Cidade, Diretor da Fundação lançou uma coleção de livros infanto-juvenis, com belas capas e ilustrações. Nisso tudo, Gustavo não parava pra baixo e pra cima, orquestrando a produção do evento, transportando os convidados, hospedando-os em hotéis sofisticados no Pontal que logo me trouxe um mundo de recordações. 1954, Av. Soares Lopes, 484, meus tios Auto Marques e Mariá, uma imensa rencada de primos irmãos, os Tavares Marques, eu Marques Tavares – Entendam, um caso comum no interior de casamento de dois irmãos com dois outros irmãos, Tio Auto irmão de minha mãe, tia Mariá irmã de meu pai. A gente atravessava o Pontal a nado. No primeiro dia eu tremi de medo. Mas meus primos já iam longe e eu não podia dar parte de frouxo. Pescávamos siris no cais antigo com tripas de galinha, um jereré, e uma lata de gás que levávamos cheia. E a beleza de Ilhéus.
Jéssica a mais velha de minhas meninas ficou encantada. Tirou inúmeras fotos de um alto de onde se avista a baía do Pontal. Abri minha palestra lendo um artigo sobre Jorge Amado que ali morou, estudou e ambientou seus romances imortais. Pra arrematar, a Fundação me levou pra almoçar no Vesúvio e jantar no Bataclan. Beleza pura.
Até logo Ilhéus, minha capital. Sou grapiúna. Meu umbigo está enterrado em Gongogi. Até logo.

domingo, 6 de junho de 2010

HAIBUN PARA FLORA

A flor desprendida do galho é uma tentativa de voo, e cada voo é sempre maior que o galho do qual a flor se desprendeu. Há no ar, levado pelo vento, um jardim de flores múltiplas aprendendo a voar.

borboletas são flores
que afinal foram voar –
voa, minha flor!

-

uma flor pousou
na minha vida de poeta –
eu sorri pra ela.

sábado, 5 de junho de 2010

SILÊNCIO DA TARDE

novo livro da haikaísta Benedita Azevedo

Para quem não sabe, Benedita Azevedo é uma das mais talentosas e atuantes haikaístas brasileiras. Seus haikais seguem o cânone tradicional e como só assim poderiam ser, são frutos da vivência da autora.
Como afirma Douglas Eden Brotto: “É nesse gênero poético que Benedita, dedicada professora, mostra realmente ser mestra: modestamente, revive sua antiga experiência de aluna-aprendiz, maravilhando-se com a intensa carga emotiva contida nas duas singelas frases que compõem o haikai. Aceitando naturalmente a brevidade, logo descobre a importância da concisão naquele texto exíguo: com um mínimo de palavras, expressar verbalmente apenas um esboço da cena, sem ornamentos, desprovido de adjetivos (...).

Alguns haicais inseridos na obra:

Ao romper da aurora
o sabiá dobra seu canto –
Só isso me basta.

-

Chega o Ano Novo –
Acenam do portão
os filhos e os netos.

-

Os trilhos do trem
vazios sob a neblina...
Só resta a lembrança.

-

Dia de Santo Antônio –
Será que há tantos solteiros
quanto velas acesas?

-

Silêncio da tarde -
Somente acordes de um piano
na reunião de maio.

Site da autora:
http://www.beneditaazevedo.com/

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ildásio Tavares leva o Prêmio do Pen Clube de Portugal

Foi Adelmo Oliveira que na terça-feira cedinho me deu a noticia, mas nem o poeta sabia ao certo os detalhes da premiação. Ildásio, que esteve comigo em Ilhéus por três dias participando do Bahia de Todas as Letras, levou o prêmio com o livro “Flores do Caos”, editado em Portugal pela Labirinto, uma editora que apenas publica poesia. Tive o prazer de ler essa obra ainda antes da publicação e sobre ela fiz uma palestra na Academia de Letras da Bahia, dentro do evento Encontros Literários, onde também falei sobre a obra de Myriam Fraga.
Sempre digo ser impossível se ater à história da literatura baiana no Século XX sem se dedicar demoradamente a Ildásio Tavares. É tão vasta a sua obra, sua formação e suas incursões literárias que seria inviável e extravagante discorrer sobre essa questão. Ildásio Tavares estréia na poesia no ano de 1967, com poemas inseridos na antologia Moderna Poesia Bahiana. Seu primeiro livro veio ao público em 1968, “Somente Canto”, a esse seguem-se outros, entre os quais se destacam: “Tapete do Tempo”, 1980; “IX Sonetos da Inconfidência”, 1997; o moderno “Odes Brasileiras”, de 1999; e “Flores do Caos”.

DOIS POEMAS DE ILDÁSIO TAVARES

O MEU TEMPO

Não existe hora certa, existe o meu relógio,
Lembrando sempre com seu tic-tac
Que há vida
Para ser vivida,
Que houve a vida
Que não se viveu.
Não importa que o rádio renitente ruja
São tal hora e tal minuto,
Hora oficial,
Afinal,
Que há de oficial em minha vida?


RESTOS

Há um resto de noite pela rua
Que se dissolve em bruma e madrugada.

Há um resto de tédio inevitável
Que se evola na tênue antemanhã.

Há um resto de sonho em cada passo
Que antes de ser, se foi, já não existe.

Há um resto de ontem nas calçadas
Que foi dia de festa e fantasia.

Há um resto de mim em toda a parte
Que nunca pude ser inteiramente.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O Prêmio Camões 2010 é de Ferreira Gullar

Isso mesmo. O bom Ferreira Gullar recebeu a mais importante premiação literária de língua portuguesa. O poeta almoçava em um sugestivo local, chamado Sítio do Pica Pau Amarelo, na cidade de Monteiro Lobato, quando foi comunicado ontem de que vencera o Prêmio Camões, o mais prestigioso da literatura em língua portuguesa. "Estava justamente comentando sobre a magia dessa região, onde Lobato nasceu, quando recebi um telefonema", contou.
"É para um grande homem da lusofonia que o Prêmio Camões rende homenagem", declarou em uma coletiva à imprensa a ministra portuguesa de Cultura, Gabriela Canavilhas.
Ferreira Gullar publicou sua primeira coletânea de poemas em 1949. "Dentro da noite veloz" e "Poema sujo", da década de 1970, figuram entre suas obras mais importantes.
O Prêmio Camões, de 100 mil euros, foi criado em 1988 por Portugal e Brasil para homenagear autores lusófonos que tenham contribuído para enriquecer o patrimônio cultural e literário de língua portuguesa.

Veja a lista completa de ganhadores do Camões. Só tem fera:

1989 - Miguel Torga, Portugal.
1990 - João Cabral de Melo Neto, Brasil.
1991 - José Craveirinha, Moçambique.
1992 - Vergílio Ferreira, Portugal.
1993 - Rachel de Queiroz, Brasil.
1994 - Jorge Amado, Brasil.
1995 - José Saramago, Portugal.
1996 - Eduardo Lourenço, Portugal.
1997 - “Pepetela” - Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, Angola.
1998 - Antonio Candido, Brasil.
1999 - Sophia de Mello Breyner, Portugal.
2000 - Autran Dourado, Brasil.
2001 - Eugénio de Andrade, Portugal.
2002 - Maria Velho da Costa, Portugal.
2003 - Rubem Fonseca, Brasil.
2004 - Agustina Bessa-Luís, Portugal.
2005 - Lygia Fagundes Telles, Brasil.
2006 - José Luandino Vieira, Portugal/Angola (o autor recusou o prêmio).
2007 - Antonio Lobo Antunes, Portugal.
2008 - João Ubaldo Ribeiro, Brasil.
2009 - Arménio Vieira, Cabo Verde.
2010 - Ferreira Gullar, Brasil.

Fontes:
Jornal A Tarde / Estadão

DOIS POEMAS DE FERREIRA GULLAR

MEU PAI

meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem

quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro


CANTIGA PARA NÃO MORRER

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.