quarta-feira, 23 de junho de 2010

Testamento, de Manuel Bandeira

Sou absolutamente incapaz de apontar o poema de Manuel Bandeira que mais gosto. São tantos, a começar por Vou me embora pra Pasárgada, Boi Morto, Consoada, O último poema, Bacanal... Ah, são tantos e tão belos poemas!
Ocorre que, como de praxe, relendo-o aleatoriamente, deparei-me com Testamento, um poema de 1943, onde o poeta, entre outras coisas, fala sobre não ter tido filhos. Parece-me um poema sobre a frustração, mas em contraste. O poeta transforma o que lhe falta em riqueza, em poesia, aquilo de mais grandioso que pode oferecer.
Esse poema, na tarde de ontem, me pegou de cheio, contrasta pelo avesso com o momento que vivo. Se por um lado tenho me deliciado diariamente com minha filhinha recém-nascida, por outro, quando leio Bandeira enxergo exatamente o poeta que gostaria de ser.

TESTAMENTO

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

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