quarta-feira, 29 de abril de 2009

Novo livro de Miguel Carneiro

Meus amigos, o poeta, contista e amigo Miguel Carneiro está com um novo livro de contos na praça. Trata-se de “Trancelim dos Incrédulos”, cujo prefácio nos deu a honra de fazer.
Conheçam, abaixo, nosso texto na íntegra.
Quem quiser adquirir algum exemplar é só entrar em contato com o autor através do e-mail: cancaodefogo@superig.com.br

MIGUEL CARNEIRO ACENANDO PARA O MUNDO
Por Gustavo Felicíssimo

O ideal de uma crítica literária é que o seu autor tenha a devida isenção e o distanciamento emocional necessários para imprimir um texto sem adjetivações supérfluas, como quase todos são. Entretanto, no caso presente, em que pese nossos esforços, essa é uma tarefa árdua, pois a obra sobre a qual nos debruçamos é a de um grande amigo, um homem bom, dono de um coração sem tamanho, mas, sobretudo, um escritor que goza da nossa admiração, seja como poeta ou contista.

Algum tempo corre ao vento, à brisa dos dias, ao avançar das horas, desde aquele dia em que o saudoso amigo Zeca de Magalhães, dono de um discernimento crítico respeitável, apresentou-me um conto de Miguel Carneiro, dizendo que aquele seria um dos melhores contos feitos por um autor baiano durante o último quartel do Século XX. Tratava-se de “No viés do Franzido”, que publicamos na derradeira edição do tablóide literário SOPA, em junho de 2006. Fora uma grande descoberta para mim, pois até então apenas conhecia a obra poética de Miguel Carneiro, da qual sempre fui admirador e divulgador de um poema em especial, “Declaração de Princípios”, cujo ápice está contido neste refrão: eu sou madeira de dar em doido/ sou barro bom de alvenaria/ martelo prumo e serrote/ sou poeta da Bahia. Tal poema faz parte de um livro, exclusivíssimo, feito de maneira artesanal, como alguns de João Cabral de Melo Neto, com tiragem de apenas dez exemplares, distribuídos para alguns familiares e amigos do autor. Após, dediquei-me a conhecer melhor a sua contística e me deparei com uma obra grandiosa, não pela quantidade de livros publicados, mas pela qualidade do seu texto que vem carregado de um grande sentimento de mundo, enfeixado de humanismo, em linguagem concisa e cortante.
Lembro-me de ter lido “O diabo em desordem”, um livro de quase duzentas páginas, em apenas uma sentada, depois seguiram-se “Esconso e outras histórias” e “O coronel já não manda mais no trecho”. Em todos esses livros, o que percebemos claramente, é que o poeta, em momento algum, está dissociado do contista. Pelo contrário, um está amalgamado ao outro, complementando-se, indissociáveis. Outra característica das obras citadas é o fato de suas histórias estarem, na maioria das vezes, situadas dentro do universo sertanejo, que Miguelito traz no sangue.
De Riachão do Jacuípe para o mundo, cantando sua aldeia, Miguel Carneiro vai escrevendo sua obra, resumindo um cabedal imaginário que emerge de suas lembranças e convivas do autor, transformadas em personagens. Desse modo, andando pelas ruas de Riachão, imaginamos ser possível, a qualquer momento, topar com Gumercindo Lélis, filho deserdado de Antônio Conselheiro, ou com a menina de Duestano, transformada em esposa do Coronel Trazíbulo Fernandes da Cunha, personagens de Miguel Carneiro. Personagens e histórias que nos parecem pertencer ao imaginário popular do lugar, como se passadas oralmente, de geração a geração, até encontrarem em Miguel Carneiro o interlocutor ideal, da mesma forma que o folclore alemão encontrou a excelência do texto dos irmãos Grimm.

“Trancelim dos incrédulos” segue o mesmo itinerário das obras citadas até aqui, apresentando-nos personagens tão vivos e cheios de alma, como no conto que dá título ao livro, cuja personagem, um vaqueiro corajoso, doca de um olho, sendo que o outro apenas serve para enxergar o que já está anuviado, mas que, no entanto, havia corrido mundo atrás de samba para vadiar. O conto corre em tom poético, com o narrador, oculto, contando suas proezas na região da Serra das Picas, suas leituras para o doutor que viera de longe buscar um palavrório. Temente a Deus, homem honrado, leva nos peitos esta vida vã...
O segundo conto deste livro é “O galo de ouro”, traz como epígrafe o poema “Pedra Retorcida”, de João de Morais Filho, cujo excerto que escolhemos corre desta forma: Aquela porta que hesitei abrir/ largou mão de sua fronteira/ e deu lugar a janelas/ que me assombram pacientes,/ até que o frio as feche novamente, ofertando ao leitor uma espécie de preâmbulo ao mistério em que está envolto este conto, repleto de enigmas, segredos e mortes de aventureiros que descambam no mundo em busca de uma jóia rara da ouriversaria que teria sido trazida de Lisboa na nau do fidalgo e capitão-mor Pedro Álvares Cabral. Mais, não nos cabe dizer.
O derradeiro conto do livro é “Naquele dia eu vi o diabo de perto”, onde Miguel Carneiro nos oferece uma narrativa urbana, ambientada na invasão das tropas de Hitler à França, mesclando realidade e ficção, prosa e poesia, marca indelével do autor. Na voz de um poeta brasileiro, comunista, o conto vai retratando o caos que vivia Paris (onde Miguel viveu algum tempo) naqueles dias, o drama dos judeus e também a difícil missão do poeta: proteger um menino de sete anos, perdido em meio ao caos.

De certo, fica-nos a confiança de que, ao considerar a tradição oral do seu povo, a contística de Miguel Carneiro fundamenta-se na identidade cultural e social de sua gente, registrando a história e suas personagens, merecendo da gente do seu chão, autoridades e da crítica, não apenas reconhecimento, mas também um justo e demorado aplauso. Ao mesmo tempo, estamos certos de que a reunião dos melhores contos de Miguel Carneiro em um único livro seria capaz de alçar seu nome ao mesmo patamar dos melhores contistas do nosso tempo.

2 comentários:

O Neto do Herculano disse...

Fico na ansiedade para poder apreciar mais este momento do Miguel.

Gerana Damulakis disse...

Também quero ler, inclusive porque conheço seus contos e gosto deles.