sexta-feira, 3 de abril de 2009

MICRO ENTREVISTA

Três perguntas para João de Moraes Filho

Um dos mais talentosos poetas baianos está próximo de publicar seu segundo livro, "Em nome dos raios", na Bienal do Livro da Bahia. Esta entrevista é apenas um fragmento daquilo que será publicado na imprensa juntamente com um ensaio de nossa autoria. É só um tira-gosto!

Gustavo Felicíssimo - João, por favor, fale um pouco sobre como se deu sua formação como poeta e de que modo um mestre como Ruy Espinheira Filho se fez referência para você.
João de Moraes Filho
– Comecei escrever aos 10 anos, digo escrever com o propósito de ser escritor, influenciado por Ziraldo e seu Menino Maluquinho. Cheguei a editar dois livretos datilografados por mim: A menina inteligente e O P.O.D.E, ambos escritos e “publicados” em 1987. Todavia, a noção de Literatura só me veio tempo depois. Posso lhe afirmar: só quando fundei a Biblioteca da Academia de Desenvolvimento Cultural, em Cachoeira, isso em 1997, que me dei conta de uma certa organização da escritura criativa.
Através das doações da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e da Fundação Casa de Jorge Amado para a referida Biblioteca conheci os escritores baianos, especialmente os poetas, um deles Ruy Espinheira Filho de quem fui aluno no Instituto de Letras da UFBa. A poesia de Ruy fez-me refletir o verso, além disso, seu ritmo tocava-me em especial.
Quando estudante de Letras, assistir à defesa de seu doutoramento com a tese: Tumultos de Amor e outros tumultos: criação e arte em Mário de Andrade, nesse dia apresentei-me a ele (na sala 8 do ILUFBa) e pedi para autografar uma antologia que havia lido não sei quantas vezes, depois como aluno, o ouvindo, lendo a tradição literária orientada por ele fui tecendo e aprimorando a arte de ser livre, sem, contudo, proliferar rabiscos e treinos poéticos que só pertencem aos devaneios dos exercícios literários pessoais.
Assim, fui percebendo que haveria de retirar a essência para uma poética pessoal, contida em minha respiração, em meu olhar, minha vida e descuidos. Ruy é um dos poucos poetas na América Latina que sabe ser Mestre, digo sem medo de errar, por isso é um dos grandes nomes da literatura contemporânea.

GF – De que modo você percebe a sua terra, a histórica cidade de Cachoeira, sua gente, seu rio e a sua religiosidade presentes na poesia que você faz?
JMF
– Para mim é um tanto difícil responder a essa pergunta, pois sou parte dela, tanto da poesia quanto da cidade. Tive noção do que representa ser de Cachoeira quando sai dela aos 10 anos e fui morar no Rio de Janeiro. Refiro-me aos seus aspectos da tradição cultural, pela diferença senti minha identidade híbrida que ali se firmava. Em 2006 fui à Cartagena de Índias, na Colômbia, e fiquei impressionado com as aproximações culturais dessas cidades Heróicas, tanto que idealizei o projeto de intercâmbio lítero-cultural Recôncavo Caribe Colombiano. Com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia através do edital de intercâmbio e da Fundação Pedro Calmon, em 2007, foi possível a mim, aos poetas Douglas de Almeida e Wesley Correia representamos a poesia Brasileira no XI Festival Internacional de Poesia daquela cidade, e em 2008 foi a vez do poeta Geraldo Maia continuar o projeto.
Cachoeira é uma caixa de surpresa, tal qual a poesia.
Percebi que minha terra, como você se refere, estava presente também na poesia do poeta Pedro Blás, Julio Romero e Romulo Bustos Aguierre, ambos cartageneros. Portanto, há muito em Cachoeira que circula o mundo e vice-versa. Como sempre digo lá no Pouso da Palavra com meu compadre Damário Dacruz: é os pés fincados em Cachoeira e a mente na imensidão.

GF – Pra terminar eu gostaria que você nos falasse sobre os projetos e eventos literários e sociais que você desenvolve, porque você iniciou esse trabalho e de que forma eles influenciam na formação de novos leitores e, sobretudo, como contribuem para a formação de cidadãos conscientes do seu papel no planeta, que, no frigir dos ovos, é o que realmente mais importa.
JMF
– Como mencionei anteriormente fui iniciado como leitor com a leitura de O menino Maluquinho, aos 10 anos. Devo minha trajetória literária e de gestor cultural ao poder da leitura, que alimentou minha imaginação e sedimentou em mim o desejo de transformar a ditadura cristã de resignação perante o presente. Sei que não posso mudar o passado, mas o futuro depende de cada passo caminhado. Muitas pessoas não caminham porque não tem acesso a informação e estando numa sociedade da informação e do espetáculo sinto-me contagiado com o verme da multiplicação e dinâmica do mundo das idéias à prática, creio que por isso trabalho com literatura e cultura. Hoje trabalho com o Caruru dos Sete Poetas: Recital com gostinho de dendê (iniciado em 2004), que além de unir um momento da tradição afro-baiana à literatura promove o intercâmbio entre poetas locais e nacionais. Ano passado tivemos entre os convidados Ele Semog (Rio de Janeiro), Carlos Emílio Correia Lima (Ceará) e Jaime Figura (Salvador) e poetas jovens como Jurandir Rita (Maragojipe) e Herculano Neto (Santo Amaro) vencedor do Prêmio Braskem de Literatura 2008. A Oficina de Criação e Investigação Literária Poesia Ouvida (iniciado em 2003) é muito especial, pois se trata de uma ação articulada que promove leitura e a auto estima de jovens e escritores das diversas cidades do recôncavo através da veiculação de suas produções em rádio de longo alcance. Este ano o projeto será implementado por conta do apoio através de Edital do Banco do Nordeste e do Ponto de Leitura do Ministério da Cultura. Esse ano iniciamos uma parceria com alguns Talleres (Oficinas Literárias) colombianos, inclusive com a veiculação de poetas do Recôncavo na rádio da Universidade de Cartagena, ou seja, a poesia nossa de cada dia não tem fronteiras. Os resultados desse trabalho vão muito além da satisfação pessoal, alimenta aqueles passos que me referi a pouco. O que nós precisamos é de informação e coragem para pisar firme rumo ao que acreditamos. Isso a leitura e a cultura de matriz africana me ensinaram. Como conhecimento não é aquilo que você guarda, e sim passa adiante, o Poesia Ouvida é isso: alimento da alma, que é o que realmente importa nessa vida terráquea.
Pedra retorcida

Durante algum tempo,
hesitei abrir aquela porta.

O sentido de toda cidade
estava atado, como um nó,
lá dentro. Talvez fosse
o que jamais procurasse:
o sentido das coisas
explicadas por trás das portas.

Algumas Ruas também
hesitei atravessar.
Eram incansáveis e longas,
como as noites brincadas
lá fora, onde tudo mais cabia.

Em verdade,
nada procurava
além de um pequeno gole
guardado ou esquecido
por trás daquela porta verde:
sem trancas, maçanetas e levemente arranhada
com a dor de abri-la.

Os olhos esverdeados
acompanhavam a inquietação do vento
se infiltrando pela porta exilada
com quem fala: ó de casa!

(As Ruas atravessam o tempo não vencido.)

Aquela porta que hesitei abrir
largou mão de sua fronteira
e deu lugar a janelas
que me assombram pacientes,
até que o frio as feche novamente.

Faz frio por detrás das portas retorcidas;
o outro nos decifra,
enquanto se esconde.

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