domingo, 1 de março de 2009

CLARO ENIGMA

Obra clássica, o livro “Claro Enigma”, de Drummond, é um dos pontos mais altos da obra deste que é um dos maiores poetas da língua portuguesa. Neste que é o seu oitavo livro, Drummond retorna às formas mais clássicas da poesia, como o soneto e a redondilha, após um período ligado ao modernismo paulista, atitude que foi muito criticada pelos imbecis.
Apesar de ser “A Rosa do Povo” o seu livro mais conhecido, é em “Claro Enigma” que muitos (inclusive este blogueiro) vêem o poeta em sua totalidade com relação à arquitetura e consciência verbal, bem como no emprego metafórico, sem nunca perder um lirismo impulsionado pela linguagem empregada bem ao nível da fala comum, característica marcante em sua obra.
São de “Claro Enigma” os dois poemas abaixo:

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.


SER

O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.

Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.

Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?

Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te

como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.

O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.

Nenhum comentário: