Renato Prata é natural de Itabuna, nascido em 1937, e marido da poetisa Olinda Prata. Bacharel em Direito, fez carreira no serviço público até aposentar-se em 1994. Venceu em 2003 o Prêmio Braskem de Literatura, promovido pela Fundação Casa de Jorge Amado, por onde publicou “Sob o Cerco de Muros e Pássaros”. Participou de algumas antologias onde a poesia baiana esteve em destaque e, no ano de 2007, publicou “A Quinta Estação”, seu segundo livro solo.
Do poeta fala-se facilmente que se voltou para a poesia depois da aposentadoria. Argumento contestável. Nasce-se poeta, por isso o entusiasmo criador nunca deixou de fazer parte da vida do autor. Ele sequer deixou de tecer seus poemas, mesmo preferindo deixá-los na “gaveta” por muito tempo. E como diz Heloísa Prazeres no prefácio de “A Quinta Estação”, o poeta Renato Prata, é dono e senhor do seu próprio dictum, anos a fio adestrando no silêncio do seu vagar, vivendo a poesia como coisa de casa.
Sua lírica não deve ser vista unicamente sob o prisma das alegorias, pois trata-se também de uma densa meditação sobre a vida e seu transcorrer, as agruras de quem escreve e luta contra o texto, em exercícios metalingüísticos, a fim de domá-la. E uma das maneiras de superá-la é retirar-lhe o sentido primitivo e recriar no texto o seu oposto, eivado de metáforas, como no poema “A criança sozinha”, inserido em seu primeiro livro:
Deixarei de mim as coisas simples
As perplexidades mais fiéis
Qual não entender o infinito
Ou a noção de um cosmo finito
Simplesmente encapsulado
Essa incompreensão do absoluto
Sem termo que se lhe compare
De um tempo sem corte ou emenda
Atadas as portas em círculo
Como deduzir a eternidade
Sabendo perecíveis as estrelas?
Não posso desconstruir até o nada
Quando estou certo de que Ele nos criou.
À oficina de criação literária da mestra Maria da Conceição Paranhos, da qual esse ensaísta também participou, entre os anos de 2004 e 2005, Renato Prata chega com o peso de um prêmio importante concedido ao autor inédito, o Braskem. Era ele o aluno mais dedicado, o único que não faltava às reuniões e que fazia religiosamente os “deveres de casa” propostos pela mestra. O resultado de tanto empenho teve como conseqüência o apuro inegável e a evolução que observamos em seu fazer poético que já era dos melhores. Não à toa, o poeta dedica à Maria da Conceição Paranhos o belíssimo poema “O gato passeia no soneto”, do livro “A Quinta Estação”, acompanhem:
Calça o passo em silêncio pela casa
E sanciona um modo de viver
Que sai do território e extravasa
Se toda a vizinhança é só lazer
Não se sabe se noiva ou se descasa
No telhado da noite ao bel-prazer
Se salta nos espaços não tem asa
Mas terá sete vidas para ser
Donos talvez o gato não aceite
Talvez divida a casa e aproveite
Sendo ele da morada o senhorio
Perdi quando criança o meu bichano
Que não foi com a mudança por engano
E restou mais fiel ao lar vazio.
A tímida repercussão que está tendo a obra de Renato Prata não faz jus à grandeza do seu verso ou ao compêndio de suas reflexões existencialistas, onde nos mostra um lirismo filosófico limpo e sem truques, que nela e dela emergem: Importa reconhecer a vida/ Nos incidentes esparsos e nos milagres/ Que se fizeram hábito; tampouco aos seus tratos de jardineiro que nos fazem lembrar Drummond em “Procura da poesia”: Não acharás a poesia em anúncios/ Nua ou com seus paramentos/ Nos classificados da gazeta/ Em volantes pela rua.
Modesto e avesso à publicidade, o poeta segue desconhecido da mídia e, parece-nos, afeito a vôos para horizontes de maior adensamento literário, como têm feito tantos artífices provinciais pouco talentosos.
Renato Prata confirma e eleva, em seus dois livros, sua habilidade criadora. A par da ampla beleza formal, distribuída em versos livres, terças rimas, redondilhas e sonetos, há, nesses livros, a presença de um ser em harmonia e sintonia com os dramas e dissimulações de seu tempo, como no poema “Embarque em Stockwell Station”, dedicado a Jean Charles de Azevedo, imigrante brasileiro, inexplicavelmente confundido com um homem-bomba e morto no metrô de Londres com tiros à queima-roupa por forças da unidade armada da Scotland Yard, em 2005. Acompanhemos o poema:
Não desistirei de ganhar o pão
E corro para o trabalho
Aqui desterrado não serei um cidadão do mundo
Talvez me ignorem
Talvez estranhem o meu tipo
Lá um dia saberão o que tiver de ser
Terá meu visto expirado?
Sei o agora
O trabalho é meu destino
Desço para o metrô
Eis que o vagão me espera
Sento em algum lugar
É quando o destino se antecipa
Sou alvejado no ombro
Sete balas me coroam.
Aí está o poeta quase que de corpo inteiro, em sua porção humana, com todo o vigor de sua composição.
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