Internado há seis meses num hospital em Belém, o poeta Max Martins, 82 anos, enfrenta seus dias decisivos. Ainda em dezembro sofreu uma parada cardíaca que durou trinta minutos, mas surpreendentemente seu coração voltou a bater. Por ele mesmo, pelos amigos, pela palavra – sua grande opção sempre: “Em primeiro lugar, eu quis ser poeta. Mas eu sabia que isto poderia me custar muito. Perdi os dentes, perdi o bonde, perdi uma maneira de ganhar dinheiro, de vencer na vida. Me dediquei só à poesia. O resto transformei em calo seco para que não doesse tanto”. Sob os efeitos da palavra Max apreendeu esta fala de fluxos errantes em todos os sentidos. Entre 1952 e 2002 foram quinze livros de intensidades livres, partículas loucas, inesperadas, sem estratificação.
desenho de Max Martins
Estanho
Não entenderás o meu dialeto
nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar.
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.
(do primeiro livro O Estranho, Belém, 1952)
1926/1959
Já então é tudo pedra
os dias, os desenganos.
Rios secaram neste rosto, casca
de barro, areia causticante.
E onde outrora o mar
– os olhos – búzios esburacados.
E tudo é duro e seco e oco,
o sexo enlouquecido
o osso agudo
coberto de pó e de silêncios.
Havia uma ferida, a primavera
que já não arde nem desfibra – seca
a flor amarela escura
anêmica impura
– rato no deserto
caveira de pássaro
exposta na planura
(do livro Anti-Retrato, Belém, 1960)
Max Martins nasceu em Belém em 1926 e escreveu 15 livros de poesia no período de 50 anos. Recebeu o Prêmio Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra, 1993.
Ney Ferraz Paiva é poeta, autor de “Não era suicídio sobre a relva” (2000), “Nave do Nada” (2004) e do inédito “Val-de-Cães” (2008). Reside em Palmas, Tocantins. E-mail: neyferrazpaiva@gmail.com
Compilado do site www.cronopios.com.br
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