Encontramos referência ao nome do poeta Walter Ruy nas páginas iniciais de “Gravuras no Vento”, de Oldegar Franco Vieira. Ali, o haijin maior da Bahia faz referência ao livro “Álbum de Outono”, Imprensa Oficial da Bahia, 1966. Imediatamente saímos a procurar o aludido livro e, por um grande lance de sorte, conseguimos. Em suas páginas iniciais o poeta afirma que até os 37 anos jamais havia composto sequer um poema, e que, paradoxalmente, um enfarte do miocárdio trouxe-lhe a poesia. A partir daí teria exercido intensa atividade literária, tendo traduzido poemas de autores ingleses, estadunidenses, franceses e espanhóis. Também produziu alguns ensaios literários e contos, grande parte publicados em jornais e revistas da Bahia, principalmente no Jornal A Tarde, tendo em vista que este era amigo de Hélio Simões, a quem o poeta faz um agradecimento especial na página 07 do livro.
“Álbum de Outono”, como o próprio título e biografia do autor sugerem, é o livro de um autor tardio, na idade madura, tendo publicado-o com aproximadamente 47 anos de idade. Não é um livro composto apenas por haicai. Ele se divide em duas partes, a primeira delas, “50 cantos de poucos encantos e muitos desencantos”, é composta por poemas de formas diversas; a segunda, a que interessa ao nosso estudo, “100 haicais do meu tricórdio”, é composta por haicais filiados à tradição Guilhermina, sendo os poemas compostos por título, rimas e métrica (5/7/5). Em nota que antecede esse capítulo, o poeta afirma que tais poemas se justificam pelo grande amor que devota à síntese, e evoca Manuel Bandeira para explicar que “o haicai é um gênero difícil, não pela forma em si, mas por exigir um pouco daquele milagre da gota de água que é o de em sua exiguidade refletir todo o universo”.
A intenção do poeta é válida, mas a afirmação de Manuel Bandeira nos parece um tanto desligada da realidade que cerca o haicai, pois este, na verdade, não “busca refletir todo o universo”, mas “captar um instante em seu núcleo de eternidade”, é o que consta nos “Dez mandamentos do haicai”, elaborados a partir de definições comuns entre os praticantes do Grêmio Haicai Ipê, provavelmente o mais importante do Brasil, sob a orientação do Mestre H. Masuda Goga.
No haicai busca-se dizer apenas uma parte daquilo que realmente é, por vezes, a menor delas. Sua finalidade é dar apenas uma sugestão, para que o leitor perceba ou vá além da imagem projetada pelo autor. Esta é, provavelmente, a razão maior que leva Paulo Franchetti a afirmar que “parece fracassar o haicai com título[1]”, pois o título no haicai determina seu entendimento e nos faz “reencontrar os limites da nossa própria tradição[2]”.
Dentro da tradição japonesa, os poemas de Walter Ruy precisariam, na verdade, serem chamados de Senryu, pois tratam não das questões ligadas à natureza, sua sazonalidade, mas, basicamente, do cotidiano da vida humana, dos sentimentos, costumes, atos e necessidades do homem na sociedade, como vemos em “Amor de carnaval”:
Só no carnaval
perdura a louca aventura...
Desejo carnal.
Entretanto, como defendem algumas correntes, essa seria uma questão superada, pois o haicai teria sido totalmente aclimatado ao gosto ocidental. Caso contrário, o soneto seria, até hoje, apenas italiano; a poesia concreta, apenas brasileira. Independente de escolas ou vertentes, no caso brasileiro, o que se evidencia é a vontade dos que ansiavam pela naturalização do haicai. Afinal, hoje, mesmo os haicaístas mais tradicionalistas se inspiram em temas como o dia de Santo Antônio, São João, Casamento caipira, Bolo de fubá, e outros temas vivenciais tipicamente brasileiros. Walter Ruy, no poema “Aridez”, canta o sofrimento de se viver na sequidão do sertão:
A pobre viúva
definha. Terra maninha
por falta de chuva.
Também em “Vingança”:
Ao ver a caatinga
adusta, pouco me custa
crer que Deus se vinga...
Em “Provocação” se aproxima do poema piada:
Está morta a pomba
da paz: beliscou demais
o estopim da bomba...
Por fim, resta-nos lamentar profundamente o esquecimento que incidiu sobre a obra de Walter Ruy. A falta de referências à sua poesia se dá tanto no “Dicionário de autores baianos”, quanto até mesmo em sites de busca na internet, sinal que a obra do poeta não conseguiu a sua devida e merecida valorização. Uma pena, pois vemos seus haicais como elementos de valor tanto estético, como histórico, muito útil até para a iluminação dos caminhos do haicai na Bahia.
Mais alguns haicais de Walter Ruy:
Tabagismo
Que importa o pigarro?
Esquece tudo, espairece
se fuma um cigarro...
Solteirona
Postada à janela,
espera. Não desespera
o coração dela...
Poeta
Tem no pensamento
estrelas. Dispensa vê-las
no firmamento.
Marinha
Vela branca em mar
turquesa. Quanta tristeza
vem me despertar...
“Álbum de Outono”, como o próprio título e biografia do autor sugerem, é o livro de um autor tardio, na idade madura, tendo publicado-o com aproximadamente 47 anos de idade. Não é um livro composto apenas por haicai. Ele se divide em duas partes, a primeira delas, “50 cantos de poucos encantos e muitos desencantos”, é composta por poemas de formas diversas; a segunda, a que interessa ao nosso estudo, “100 haicais do meu tricórdio”, é composta por haicais filiados à tradição Guilhermina, sendo os poemas compostos por título, rimas e métrica (5/7/5). Em nota que antecede esse capítulo, o poeta afirma que tais poemas se justificam pelo grande amor que devota à síntese, e evoca Manuel Bandeira para explicar que “o haicai é um gênero difícil, não pela forma em si, mas por exigir um pouco daquele milagre da gota de água que é o de em sua exiguidade refletir todo o universo”.
A intenção do poeta é válida, mas a afirmação de Manuel Bandeira nos parece um tanto desligada da realidade que cerca o haicai, pois este, na verdade, não “busca refletir todo o universo”, mas “captar um instante em seu núcleo de eternidade”, é o que consta nos “Dez mandamentos do haicai”, elaborados a partir de definições comuns entre os praticantes do Grêmio Haicai Ipê, provavelmente o mais importante do Brasil, sob a orientação do Mestre H. Masuda Goga.
No haicai busca-se dizer apenas uma parte daquilo que realmente é, por vezes, a menor delas. Sua finalidade é dar apenas uma sugestão, para que o leitor perceba ou vá além da imagem projetada pelo autor. Esta é, provavelmente, a razão maior que leva Paulo Franchetti a afirmar que “parece fracassar o haicai com título[1]”, pois o título no haicai determina seu entendimento e nos faz “reencontrar os limites da nossa própria tradição[2]”.
Dentro da tradição japonesa, os poemas de Walter Ruy precisariam, na verdade, serem chamados de Senryu, pois tratam não das questões ligadas à natureza, sua sazonalidade, mas, basicamente, do cotidiano da vida humana, dos sentimentos, costumes, atos e necessidades do homem na sociedade, como vemos em “Amor de carnaval”:
Só no carnaval
perdura a louca aventura...
Desejo carnal.
Entretanto, como defendem algumas correntes, essa seria uma questão superada, pois o haicai teria sido totalmente aclimatado ao gosto ocidental. Caso contrário, o soneto seria, até hoje, apenas italiano; a poesia concreta, apenas brasileira. Independente de escolas ou vertentes, no caso brasileiro, o que se evidencia é a vontade dos que ansiavam pela naturalização do haicai. Afinal, hoje, mesmo os haicaístas mais tradicionalistas se inspiram em temas como o dia de Santo Antônio, São João, Casamento caipira, Bolo de fubá, e outros temas vivenciais tipicamente brasileiros. Walter Ruy, no poema “Aridez”, canta o sofrimento de se viver na sequidão do sertão:
A pobre viúva
definha. Terra maninha
por falta de chuva.
Também em “Vingança”:
Ao ver a caatinga
adusta, pouco me custa
crer que Deus se vinga...
Em “Provocação” se aproxima do poema piada:
Está morta a pomba
da paz: beliscou demais
o estopim da bomba...
Por fim, resta-nos lamentar profundamente o esquecimento que incidiu sobre a obra de Walter Ruy. A falta de referências à sua poesia se dá tanto no “Dicionário de autores baianos”, quanto até mesmo em sites de busca na internet, sinal que a obra do poeta não conseguiu a sua devida e merecida valorização. Uma pena, pois vemos seus haicais como elementos de valor tanto estético, como histórico, muito útil até para a iluminação dos caminhos do haicai na Bahia.
Mais alguns haicais de Walter Ruy:
Tabagismo
Que importa o pigarro?
Esquece tudo, espairece
se fuma um cigarro...
Solteirona
Postada à janela,
espera. Não desespera
o coração dela...
Poeta
Tem no pensamento
estrelas. Dispensa vê-las
no firmamento.
Marinha
Vela branca em mar
turquesa. Quanta tristeza
vem me despertar...
[1] Franchetti, Paulo. O Haicai no Brasil. Alea, Dez 2008, vol.10, no.2, p.256-269.
[2] idem
Um comentário:
Simplesmente amei "Poeta": dispensar as estrelas do firmamento porque as tem no pensamento.
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