quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A poesia direta e corajosa de Elói Martins

Faz poucos dias estive conversando com o amigo João Filho (há um link para o blog dele aí ao lado) sobre algumas coisas que marcaram para nós o ano de 2006, quando ele fundou, em Salvador, o Sebo Diadorim. Ali nos reuníamos todos os sábados, juntamente com outros amigos para trocar idéias sobre literatura, para lermos alguns poemas e jogar algum papo fora. Um dos poetas daquela turma cuja poética nos surpreendeu foi a de Elói Martins, tanto que seus poemas seriam inseridos na segunda edição da revista POESIA & AFINS, que, infelizmente, não foi à frente. O texto de apresentação dos seus poemas, escrito pelo poeta Raimundo Bernardes, seria este: Elói Alexandre Dias Martins é o jovem escritor baiano, formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Livre dos formalismos da lírica tradicional, a escrita poética de Elói oscila entre a ausência de métrica e a espacialização geométrica com que seus versos são organizados a fim de simbolizar, o que mais nos assusta, a consciente soberba de Bazarov diante do legado de seu pai. Poesia direta e corajosa, a pouquíssimos passos da prosa, cada palavra aí contida se nos encaminha com a eloqüência de um chamado que se pretende livre dos catálogos dos doutos, afinal, o que são os livros senão o fechar os olhos, uma muralha e um deserto?


EPITÁFIO PARA CECÍLIA

Ao findar o último arco do sol,
um negro foragido grafou
em árabe à falecida ama portuguesa;
vê-se na lápide as letras encarvoadas:

“Em louvor ao inevitável desvaneceu
Cecília; nascida a mais miúda de
estatura, nunca foi miúda no desejar.
Corcunda, sim, pitava igual às negras.

Os admiradores, se os têm, que rezem louvores,
em lembranças dos humanos feitos seus,
pois dada a zelos de filhos alheios, forasteiros,
ela o merece com efeito.

Avoadores, suspiros e sonhos
desprezou como alimento consolador,
e aos sessenta e nove anos abandonara a vida,
legando ao seu negro o desamparo.”


SOBERBA DE BAZAROV

"Meu pai organizou nossa fazenda
com alguma habilidade no cultivo.
Construiu o estábulo, preparou o pasto,
protegeu a cultura do pastar dos brutos,
domesticando, cercando como lhe era possível,
na proporção da pouca ciência do seu tempo.
Reconheço que aos poucos entregou os seus dias
numa luta contra pragas.
Filho único, herdei a fazenda,
predestinado agora a experimentar meu engenho:
deixei o pó ocupar os poros das folhas,
o esterco entupir as cocheiras,
o capim crescer ao léu rarefeito.
Esse ano semeei aos pássaros
sementes guardadas por meus ancestrais,
porque aprendi que a beleza pertence à desordem,
assim como o útil, às herdades abandonadas.
Educado pelos atuais doutos,
legarei um campo tomado de ervas daninhas."

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