terça-feira, 13 de janeiro de 2009

PEQUENO ORATÓRIO

João Filho

Meu coração, pobre capela,
tão devedor do gesto alheio.
A débil luz de sua vela
deixa confuso este romeiro.

Não quer rezar, contudo reza,
no seu altar de pedra tosca–
a comunhão é o que pesa –
Deus não é busca nem espera.

Como quem ama o que lhe arrasa
tem muita pressa em ficar nu,
por mais que a si mesmo combata
é só de perdas o seu prêmio.

Meu coração, casulo d'alma,
sua canção do corpo cego,
e na prisão da própria palma
nada perdoa sem duelo.

Neste jardim sem calendário
pleno de azul e acácias, sorve
esta manhã e o seu contrário:
o que acompanha o que se move.

Meu coração, pobre capela,
este seu salmo dito ao vento
só não é vão, porque o modela
uma outra Mão fora do tempo.

Quando apagares, coração,
e para além do apagamento
o esquecimento for seu pão,
aí serás completamente.

Hiperghetto: http://hiperghetto.blogspot.com/

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