domingo, 4 de janeiro de 2009

Jorge Medauar em uma paródia excepcional

Em “Desencanto”, famoso poema de Bandeira, datado de 1912 e escrito, provavelmente, por influência de uma doença que lhe atormentava os pulmões, o poeta canta Eu faço versos como quem morre. Mais de trinta anos depois, Jorge Medauar, ainda um jovem poeta baiano e desconhecido, parodiou brilhantemente o poema bandeiriano cantando em “Esperança”: Eu faço versos como quem vive. Deu-se, então, segundo Hélio Pólvora, uma escaramuça cordial, com ampla repercussão nos meios literários do Rio de janeiro. Após, em uma de suas crônicas, Bandeira transcreveu os versos de Medauar e lhes deu resposta impressa no poema “A Jorge Medauar”, justificando a tréplica dizendo que em mim, pelo menos, verso puxa verso. Uma das estrofes do poema corre assim: “Façam-no como quem morre/ ou como quem vive, que ele viva!/ Vive o que é belo e deriva// da alma e para outra alma corre”.

Vejamos os poemas:

Desencanto
Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai gota à gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Esperança
Jorge Medauar

Eu faço versos como que luta
De armas em punho... de armas nas mãos...
Forma ao meu lado, pois na labuta
Os companheiros são como irmãos.

Meu verso é aço. Fornalha ardente...
Peito ou bigorna... Braço ou trator...
Corre entre o povo. Salgado e quente,
Cai gota a gota, por que é suor.

E nestes versos de luta ousada
Deixo a esperança que sempre tive
Nas tintas rubras da madrugada.

- Eu faço versos como quem vive.

A paródia, do grego paroidía, canto ao lado de outro, conforme Massaud Moisés em “Dicionário de Termos Literários”, designa toda composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema ou/ e a forma de uma obra séria. O poema de Jorge Medauar ergue-se ao mesmo nível do poema parodiado e, contrariando a definição de Massaud Moisés, o que se percebe claramente é que sua criação destina-se a homenagear Manuel Bandeira, que o entendeu como uma paródia admirável. O poema foi publicado por Medauar quando da passagem do aniversário do homenageado. Enquanto o primeiro poema foi forjado sob a marca da angústia, conforme dissemos, por conta de uma doença pulmonar que afligia o poeta de “Estrela da Vida Inteira”, o segundo reproduz com primazia os arroubos próprios de uma juventude esperançosa, disposta ao embate De armas em punho... de armas nas mãos..., em um canto agradável às hostes socialistas, das quais o poeta fazia parte, quer seja como redator da revista “Literatura”, quer secretariando Astrojildo Pereira, crítico literário e um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil.
Vale ainda ressaltar que, quanto à forma, ambos os poemas correm exatamente iguais; trata-se de dois eneassílabos com a predominância da cesura na quarta e nona sílabas, bem ao modo simbolista.

Este texto é um pequeno excerto do artigo que escrevemos chamado RETRATO DE UM POETA: A POESIA VIVA DE JORGE MEDAUAR.

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