São muitos os poetas nordestinos que contribuíram para a assimilação
e popularização do haikai no Brasil, a partir do pioneirismo de Afrânio
Peixoto, passando por Gil Nunesmaia, Oldegar Vieira e Abel Pereira, na Bahia;
Eduardo Martins, na Paraíba; Pedro Xisto, em Pernambuco; Adriano Espínola, no
Ceará, entre outros.
O nome mais recente dessa lista de notáveis é Cloves Marques, um
alagoano de Delmiro Gouveia, embora radicado no Recife há mais de 40 anos.
Trata-se de um poeta que possui uma obra haikaística vasta e que por diversos
motivos agrada. O principal deles está no livro intitulado “365 haicais de sol
e chuva” (edição do autor com o patrocínio da Chesf), um compêndio de muito boa
qualidade, tanto estética quanto literária.
Seus haikais refletem uma realidade nordestina, sobretudo a
sertaneja, onde as estações do ano se dividem entre a chuvosa e a seca,
refletem também a natureza do local e suas peculiaridades, como por exemplo, as
flores da macambira ou da sucupira, a sombra da ingazeira, o facheiro, o
Capibaribe, tudo amalgamado à compreensão de que a tessitura de um bom haikai não
passa, necessariamente, pelo intelecto, mas, sobretudo, pela vivência do autor
em sintonia com a natureza.
Brotou uma folha.
Quando a chuva molha a terra,
não existe escolha.
Por impensado que pareça, ao se
empenhar na transmutação de elementos nordestinos para o haikai, Cloves Marques
termina por aproximar a sua poesia à de João Cabral de Melo Neto, a partir da
exposição de uma realidade concreta, desvelando a sua essência sem que para
isso seja necessário abrir mão da efemeridade caracterizada pelo paradoxo,
eliminando a linearidade do pensamento, quase sempre em estruturas bipartidas,
embora dispostos em três versos, promovendo contrapontos entre o permanente e o
transitório.
O beija-flor para
na flor lilás da sucupira.
Suga a poesia.
Tudo, como se vê, com um lirismo poucas vezes visto entre
haikaístas brasileiros contemporâneos, cuja vocação lírica está esgotada ou
anda sendo, por razões estéticas, evitada, uma vez que, seguindo a estética
japonesa que a cada dia ganha novos adeptos, seus cultores irão se deparar com
conceitos que recomendam, por exemplo, não deixar a arte aparecer na arte
(karumi). Cloves Marques procura um
equilíbrio entre as tradições oriental e ocidental, descortinando a realidade
com alguma parcimônia, não temendo essa confrontação estética, terminando por
criar um haikai mais ao gosto do leitor não iniciado nas teorias do tradicional
haikai japonês, como neste caso, onde a forma japonesa abriga uma alma
nordestina:
A chuva é assim:
traz a vida, encharca a lida
é começo e fim.
Mais haikais de Cloves Marques:
Toques na vidraça.
A chuva tamborilou
como quem abraça.
***
Vento no braseiro.
O homem dorme com fome,
a chuva primeiro.
***
Às vistas do céu,
a flor do mandacaru.
Silente troféu.
Entrevista com
o autor:
Biografia:
Cloves
Marques é escritor, fotógrafo e engenheiro civil. Natural de Delmiro
Gouveia/AL, nasceu em 10 de setembro de 1944. Reside, há mais de 40 anos, no
Recife/PE. Publicou, entre outros, Pra não Morrer de Amor (poema), É Eterno,
Mas é Preciso (poema), Crônicas do Encontro (crônicas), Umareru – Instantâneos
de Natal (haicai), Haicai ao Recife (haicai), Máscara em Haicai (ensaio, haibum
e haicai), 365 Haicais de Sol e Chuva (haicai – premiado, em 2005, com Menção
Honrosa, pela Academia Pernambucana de Letras e Conselho Municipal de Cultura
do Recife); Tankas de Amor Amado, 2008, (premiado com Menção Honrosa, em 2006,
pelo Conselho Municipal de Cultura do Recife) e Noturno – Tankas da Madrugada,
também de 2008 . Participou de diversas exposições fotográficas e de
antologias. É sócio efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste, da
Academia Recifense de Letras e membro da UBE/PE.
4 comentários:
Este sim tem hai-kais de qualidade. Tenho visto alguns aqui na blogosfera que pelo amor de Deus! Um abraço. Obrigado pela partilha.
Parabéns a Cloves.
Um abraço
Cloves, um grande poeta, além de um grande ser humano!
Conhecendo mais um pouco - aprendendo.
Obrigado!
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