Outro
livro que li recentemente, mas dessa vez lamentando vencer as suas quase 300
páginas, e talvez por isso ele continue como obra de cabeceira, foi “Platero y yo”, um clássico de Juan Ramón Jimenez, Prêmio Nobel de
Literatura de 1956, em belíssima edição bilíngüe da Martins Fontes, com
tradução de Monica Stahel e ilustrações de Javier Zabala, publicado
em 2010.
“Platero
y yo” comumente é identificado como uma obra de literatura infantil, o que a
meu ver é um julgamento apressado. Essa caracterização se dá por conta de ser
uma obra de poderosa verve lírica e linguagem ao nível da fala comum,
contrastando com a natureza, a simplicidade das pessoas e da aldeia de Moguer,
onde nasceu o escritor.
Platero
é um burrico que acompanha o Eu da história por onde vá. Ele parece ser a
consciência de Jimenez, e Eu, o seu alter ego, fazendo ruir a ponte entre
personagem e narrador. Juntos caminham pelos campos, vales, montes e vilas
vizinhas, de primavera a primavera, o que dá à obra uma condição cíclica, repleta
de espontaneidade que, como sabemos, é também um recurso literário.
Em 138 capítulos de pouco menos de uma lauda cada
um, “Platero y yo” vivem situações amargas e dolorosas, ao lado de outras
felizes e divertidas, somadas às histórias e recordações que o escritor tem do
local, sendo que cada um deles pode ser lido como uma unidade autônoma dentro
do todo, o que possibilita que a obra possa ser lida de maneira linear ou
aleatória.
LXXXI
– A MENININHA
A
menininha era a glória de Platero. Quando a via chegar a seu encontro, entre os
lilás, com seu vestidinho branco e seu chapéu de arroz, chamando-o, dengosa: -
Platero, Plateriinho! -, o burrinho queria arrebentar a corda, e saltava como
um menino, e zurrava como um louco.
Ela,
em cega confiança, passava uma e outra vez por baixo dele, e lhe dava tapinhas,
e punha a mão, nardo cândido, naquela bocarra cor-de-rosa, ameada de dentes
amarelos; ou, pegando-lhe as orelhas, que ele punha a seu alcance, chamava-o
por todas as variações mimosas de seu nome: - Platero!, Platerão!, Platerinho!,
Platerete!, Platerucho!.
Nos
longos dias em que a menina navegou rio abaixo em seu berço branco, para a
morte, ninguém se lembrava de Platero. Em seu delírio, ela o chamava triste:
Platerinho!... Vindo da casa escura e cheia de suspiros, ouvia-se, às vezes, o
longínquo clamor lastimoso do amigo. Oh , estio tão melancólico!
Que
luxo Deus pôs em ti, tarde do enterro! Setembro declinava, rosa e ouro como
agora. Do cemitério, como ecoava o sino no ocaso aberto, caminho da glória!...
Voltei pelos muros, sozinho e melancólico, entrei na casa pela porta do curral
e, fugindo dos homens, fui para o estábulo e me sentei a pensar, com Platero.
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