sábado, 19 de fevereiro de 2011

Crônica Aquática


Dizem os cientistas que é grande o percentual de água no organismo humano. Quando somos bebês, entre zero e dois anos de idade, a quantidade gira entre 75 e 80%, mas vai diminuindo com o passar do tempo. Na minha idade, quase um quarentão, o índice se estabiliza entre 58 e 60%, constatações que me levam a especular que talvez resida aí o motivo que nos faz sentir aquela gostosa sensação de bem estar quando envolvidos pela água. Nosso corpo se sente confortavelmente abraçado e ao mesmo tempo livre para locomoção.
Sinto que tenho ainda alguns ganhos adicionais quando vou à natação cumprir diariamente pelo menos uma hora de exercícios físicos. Entre uma braçada e outra minha mente está desprendida e longe do mundo prático. Naquele momento existo apenas para superar a mim mesmo. Nenhum pensamento me acomete, nenhum verso me assalta anunciando o poema que está por vir, nenhuma ideia para a crônica da semana.
O melhor de tudo isso é que também não existe o trânsito barulhento a me incomodar, tampouco as músicas que os idiotas colocam a todo volume para sabermos que ali vai um sujeito com a auto-estima baixa, que precisa do som poderoso do automóvel para conseguir alguma atenção para si.
Quando estou nadando, o celular está desligado, eu estou desligado, a internet desconectada, o mundo para mim está desconectado. Não existe a hipocrisia nas notícias dos jornais que me tiram do sério ou TVs ligadas anunciando a alienação geral. Os políticos estão fazendo política, quase sempre em causa própria, mas isso, naquele momento, também não me incomoda, como não me incomoda o preço do livro ou do feijão, tampouco se meu professor lê Nietzsche ou Paulo Freire de joelhos.
Quando estou naquele mundo, cercado de água por todos os lados, nada encontra lugar em mim: nenhum enigma, nenhum vazio, nenhum sofismo ou silogismo, o boboca do Duchamp ou análises filosóficas sofisticadas, exceto a respiração ofegante e uma vontade tremenda de não voltar, de continuar alheio a quase tudo que os homens criaram e eu não preciso para viver.

2 comentários:

Daniel Andrade disse...

vc está me convencendo a nadar!
Como é bom fujir dessa bola azul e louca por alguns minutos

Jorge Elias Neto disse...

Já disse Tales de Mileto ...
Nadar é maravilhoso ... Não fossem esses ombros lesionados eu continuaria fazendo minha travessia da ilha do Boi para a ilha do Frade (vc se lembra ainda?...).
É um vazio que não se obtem facilmente com outras atividades fisicas.

Abraço,