Antes de entrarmos na análise direta de Luanda Beira Bahia, romance de Adonias Filho, publicado originalmente em 1971, pela Civilização Brasileira, cabem aqui duas observações de cunho biográfico. A primeira diz respeito ao caráter inovador, pois trata-se do “primeiro livro brasileiro que une, através da ficção, o Brasil e a África[i]”. A segunda diz respeito a uma viagem que o autor fez à África lusófona, a convite de Salazar[ii], de onde retirou elementos fundamentais à confecção da obra “em que introduz, consciente e intencionalmente, a importância do elemento africano em nossa formação cultural[iii]”. Quando do seu lançamento, Luanda Beira Bahia causou certo espanto, pois até aquele momento a obra ficcional adoniana era inspirada por elementos da zona cacaueira, sul da Bahia, local onde nasceu e passou sua infância, temática retomada mais tarde, em 1975, no romance As Velhas.
Em Luanda Beira Bahia, Adonias Filho cria um mundo carregado de simbolismo, buscando um sentido profundo para o mistério da existência, nos episódios e nas personagens, conferindo à trama um sentido trágico que aparece envolvido por aquilo que Aristóteles, em Arte Poética[iv], nomeou de “belo poético[v]”. Trata-se de uma narrativa modelar, onde a imitação é reproduzida em toda a sua potencialidade, amalgamando ritmo, linguagem e harmonia, aplicados em conjunto, momento raro da literatura brasileira, como no primeiro parágrafo do primeiro capítulo da obra, igualado apenas pelo início de Porto Calendário, do Osório Alves de Castro, e que o bibliófilo José Mindlin tanto admirava:
As folhas secaram, depois caíram, e quando isso aconteceu a jindiba pareceu um homem. Corpo era o tronco com os galhos secos abertos como cem braços. Nua, de repente ficava nua, culpa do sol ou do mormaço, talvez uma praga nas raízes. Aquele seu lugar, a dez metros do jardim, conhecendo a casa desde o começo, há anos, muito maior que o capinzal. Em cima, bem no alto, o céu não mudava. Outras nuvens, verdade, com o mesmo vento e as mesmas estrelas. Difícil dizer – para o menino – quem primeiro chegara, se a árvore ou a casa.
Imitar não significa copiar e, portanto, a obra poética, para ser inteira, deve trazer todos os elementos característicos do que está se usando para ser imitação. Neste caso, as emoções humanas, que para Aristóteles é mais importante que a expressão de valores e conteúdos morais. Está aí a grande tacada de Adonias Filho. Luanda Beira Bahia não se sustenta única e simplesmente pela força expressiva da representação ou pela unidade harmônica que possui, mas também pelo lirismo. Essa obra, de maneira profunda, suscita emoções, como no episódio em que Caúla, ainda um jovenzinho “de dezesseis anos em camiseta de meia e calça de brim, a barba querendo nascer” se apaixona pela primeira vez, e justamente pela moça do circo, “de louros cabelos, olhos azuis, pele de leite e seios pequenos na blusa de renda”, que só não era a coisa mais linda que conhecia “porque havia o mar”.
São também as comoções humanas que envolvem a narrativa. Elas chegam a provocar sentimentos de pavor e piedade, como na passagem da morte de José Babino e Nizuá. O leão marinho e o toureiro em uma luta de gigantes. E mais drasticamente, como na súbita descoberta dos amantes, Caúla e Iuta, em relação à identidade de ambos. Ela, grávida. Amantes e filhos do mesmo pai. Ambos mortos pelo genitor que após se mata, uma tragédia no melhor estilo grego.
Ainda a presença insólita de uma jindiba, árvore de origem africana, perpassa a obra. Essa árvore de tronco imenso, raízes profundas, copa gigante, simboliza no romance a tradição, o local de reencontro. Anterior ao estabelecimento da casa no pontal, de sua madeira se fez a urna que abrigaria o corpo do pai e dos filhos. Amantes.
Assim, podemos dizer que a narrativa mais bela, grandiosa, encantadora e sublime, pode despertar um sentimento de espanto. Esse espanto, que é sentido na beleza, atrai ao invés de afugentar. É desse modo que percebemos o lugar da poética em Luanda Beira Bahia.
Em Luanda Beira Bahia, Adonias Filho cria um mundo carregado de simbolismo, buscando um sentido profundo para o mistério da existência, nos episódios e nas personagens, conferindo à trama um sentido trágico que aparece envolvido por aquilo que Aristóteles, em Arte Poética[iv], nomeou de “belo poético[v]”. Trata-se de uma narrativa modelar, onde a imitação é reproduzida em toda a sua potencialidade, amalgamando ritmo, linguagem e harmonia, aplicados em conjunto, momento raro da literatura brasileira, como no primeiro parágrafo do primeiro capítulo da obra, igualado apenas pelo início de Porto Calendário, do Osório Alves de Castro, e que o bibliófilo José Mindlin tanto admirava:
As folhas secaram, depois caíram, e quando isso aconteceu a jindiba pareceu um homem. Corpo era o tronco com os galhos secos abertos como cem braços. Nua, de repente ficava nua, culpa do sol ou do mormaço, talvez uma praga nas raízes. Aquele seu lugar, a dez metros do jardim, conhecendo a casa desde o começo, há anos, muito maior que o capinzal. Em cima, bem no alto, o céu não mudava. Outras nuvens, verdade, com o mesmo vento e as mesmas estrelas. Difícil dizer – para o menino – quem primeiro chegara, se a árvore ou a casa.
Imitar não significa copiar e, portanto, a obra poética, para ser inteira, deve trazer todos os elementos característicos do que está se usando para ser imitação. Neste caso, as emoções humanas, que para Aristóteles é mais importante que a expressão de valores e conteúdos morais. Está aí a grande tacada de Adonias Filho. Luanda Beira Bahia não se sustenta única e simplesmente pela força expressiva da representação ou pela unidade harmônica que possui, mas também pelo lirismo. Essa obra, de maneira profunda, suscita emoções, como no episódio em que Caúla, ainda um jovenzinho “de dezesseis anos em camiseta de meia e calça de brim, a barba querendo nascer” se apaixona pela primeira vez, e justamente pela moça do circo, “de louros cabelos, olhos azuis, pele de leite e seios pequenos na blusa de renda”, que só não era a coisa mais linda que conhecia “porque havia o mar”.
São também as comoções humanas que envolvem a narrativa. Elas chegam a provocar sentimentos de pavor e piedade, como na passagem da morte de José Babino e Nizuá. O leão marinho e o toureiro em uma luta de gigantes. E mais drasticamente, como na súbita descoberta dos amantes, Caúla e Iuta, em relação à identidade de ambos. Ela, grávida. Amantes e filhos do mesmo pai. Ambos mortos pelo genitor que após se mata, uma tragédia no melhor estilo grego.
Ainda a presença insólita de uma jindiba, árvore de origem africana, perpassa a obra. Essa árvore de tronco imenso, raízes profundas, copa gigante, simboliza no romance a tradição, o local de reencontro. Anterior ao estabelecimento da casa no pontal, de sua madeira se fez a urna que abrigaria o corpo do pai e dos filhos. Amantes.
Assim, podemos dizer que a narrativa mais bela, grandiosa, encantadora e sublime, pode despertar um sentimento de espanto. Esse espanto, que é sentido na beleza, atrai ao invés de afugentar. É desse modo que percebemos o lugar da poética em Luanda Beira Bahia.
RELAÇÃO EXTERNA:
BIOGRAFIA DE ADONIAS FILHO NO WIKIPEDIA:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Adonias_filho
______________
[i] Filho, Adonias. Luanda Beira Bahia, 1978. Civilização Brasileira. Citação de contra-capa.
[ii]António de Oliveira Salazar, 1889 —1970. Professor catedrático da Universidade de Coimbra e Estadista português que exerceu, através de uma ditadura, o poder político em Portugal entre 1932 e 1968.
[iii] Araújo, Vera Lúcia Romariz Correia de, 2000. Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid. URL: http://www.ucm.es/info/especulo/numero15/c_brasil.html
[iv] Editora Martin Claret, 2007.
[v] Idem. Pág. 23.
Um comentário:
luanda beira bahia tem gosto de mar!
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