quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma temporada no inferno - Trecho


Outrora, se bem me lembro, minha vida era um festim onde se abriam todos os corações, onde corriam todos os vinhos.
Uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos. — E encontrei-a amarga. — E insultei-a.
Levantei-me em armas contra a justiça.
Fugi. Ó bruxas, ó miséria, ó ódio, é a vós que meu tesouro foi confiado!
Consegui extirpar de meu espírito toda esperança humana. Pulei sobre toda alegria, para estrangulá-la, com o salto silencioso da fera.
Chamei os carrascos para, ao morrer, morder a coronha de seus fuzis. Chamei os flagelos para afogar-me com a areia, o sangue. A desgraça foi meu deus. Chafurdei na lama. Sequei-me ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera me trouxe o pavoroso riso do idiota.
Recentemente, quando me encontrava nas últimas, pensei procurar a chave do antigo festim, onde talvez eu recobraria o apetite.
A caridade é a chave. Esta inspiração prova que eu sonhava!
“Continuarás sendo hiena, etc...”, exclama o demônio que me coroou com tão amáveis papoulas. “Recebe a morte com todos seus apetites, e teu egoísmo e todos os pecados capitais”.
Ah! foi o que fiz, e em excesso: — Mas, caro Satã, eu te conjuro; um olhar menos irritado! e, na espera de algumas pequenas infâmias em atraso, para ti que preferes no escritor a ausência de faculdades descritivas ou instrutivas, eu destaco algumas folhas horrendas de meu caderno de condenado.

Arthur Rimbaud. Tradução de Janer Cristaldo.

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