Em
outubro do ano passado, logo após lançar “Em alguma parte alguma”, Gullar
concedeu uma entrevista ao jornalista Marcos Dias, do jornal A Tarde, diário aqui
da Bahia, oportunidade em que foi indagado sobre a métrica na poesia. Disse-lhe
o jornalista que por aqui “ainda há quem acredite que um soneto é a prova dos
nove para alguém ser considerado poeta”, e pergunta-lhe o que pensa a respeito.
O jornalista estava fazendo referência há poetas que sempre condenaram a
preguiça mórbida de escritores que teimam em desconhecer o que pulsa por dentro
das formas fixas, e que por isso mesmo não conseguem avançar um único passo em
suas obras, o que acabou resultando em tensões entre um e outro grupo.
Particularmente
penso que conhecer sobre versificação e métrica é fundamental, sobretudo nos
dias de hoje em que a poesia está engessada, o que pode parecer contraditório,
mas não é, pois com a banalização do verso livre – que de livre só tem o nome –
ganha muito quem possui passagem pelas formas fixas justamente porque elas nos
dão maior intimidade com o andamento do poema e mais consistência na composição
das imagens, aquilo que Pound chamou de melopéia e fanopéia, elementos que
carregam de energia a linguagem poética que, combinados o conteúdo do poema, se
extrai uma obra sublimada pela beleza estética.
Mas
vejamos o que Gullar respondeu ao jornalista: você pode fazer um soneto e ser uma poesia de alta qualidade e pode
fazer sonetos e ser uma bobagem. Uma das coisas que poesia rimada e metrificada
provocava era a ilusão de que se está rimada e metrificada direitinho é poesia.
E não era. Não basta estar dentro do tamanho e da medida para ser poesia. Grande
parte de poesia parnasiana brasileira não presta e, no entanto, está tudo bem
rimado e metrificado. Poesia não é isso. Agora, você pode fazer poesia rimada e
metrificada de alta qualidade. João Cabral de Melo Neto é um exemplo disso.
Nada
do que o poeta disse é novo, mas vale para todos o velho alerta de que se não
são quatorze versos rimados e metrificados que fazem um soneto, tampouco será
um poema qualquer amontoado de versos livres que não observem aquelas simples
considerações do velho Pound.
Mas
vamos ao que realmente interessa nessa postagem de hoje, um belíssimo poema
metrificado, uma redondilha menor cheia de ritmo. Um poema de Ferreira Gullar ao
melhor estilo Bossa Nova, que a meu ver poderia muito bem ser atribuído ao
Vinícius de Morais.
Definição da Moça
Como
defini-la
quando
está vestida
se
ela me desbunda
como
se despida?
Como
defini-la
quando
está desnuda
se
ela é viagem
como
toda nuvem?
Como
desnudá-la
quando
está vestida
se
está mais despida
do
que quando nua?
Como
possuí-la
quando
está desnuda
se
ela toda é chuva?
se
ela toda é vulva?
Em
Muitas Vozes, 1999. Ed. José Olympio, pág. 73.
3 comentários:
Gullar é uma grande poeta, sem dúvida, mas como seguidor do modernismo comete as mesmas idiotices quandos se refere ao parnasianismo... Se Raimundo Correa não presta ou não é poeta, o que é poesia?
muita calma nessa hora, meu caro! Gullar não falou nada sobre Raimundo Correa, mas sobre o verso ruim que, em geral, era feito pela maioria dos parnasianos. será que ele não tem razão?
Poesia não é tratado de versificação. Entanto, há muita poesia sendo bem tratada pelo verso.
Bom falar, Felicíssimo!
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