terça-feira, 1 de março de 2011

Renga do Rio Cachoeira


Quem adquiriu Silêncios travou contato com uma série de haikais que escrevi em um momento em que estava triste e comovido com a situação de descaso por que passa há décadas um dos principais rios aqui da zona cacaueira da Bahia, o Cachoeira. Esses haikais, como só poderiam ser, revelam o que sabemos estar acontecendo com inúmeros rios mundo afora: o desmatamento da mata ciliar, o despejo de esgoto e dejetos em seu leito, a diminuição da vida etc.
Para cada um desses haikais o poeta George Pellegrini escreveu um dístico, o que acabou por transformá-los em uma renga. E como se não bastasse me passou às mãos vinte haikais que também havia escrito sobre o mesmo tema para que eu fizesse o mesmo.
Desse nosso entrosamento surgiu a “Renga do Rio Cachoeira” que, seguindo a tradição japonesa firmada por Bashô, possui 36 estrofes, cada uma delas em homenagem a um dos poetas imortais do Japão. As estrofes, de três e dois versos, segundo Rosa Clement realçam a arte da transição ao encadear, respectivamente, estrofes sazonais, em que o dístico, muito suavemente, apenas alude ao terceto, proporcionando uma mudança de perspectiva.
Essa renga estará em meu próximo livro, Sendas, e, da qual, a pedido do mestre e amigo Carlos Verçosa, publico a seguir seis estrofes. Nas três primeiras o terceto foi feito por mim e o dístico, evidentemente, pelo George Pellegrini. Nas três últimas os papéis se invertem. Espero que gostem!

Renga do Rio Cachoeira

madruguei chorando –
silenciou-se o grande rio
ao me ver nascer

o lusco-fusco da aurora
descortinou as estradas

puro em sua nascente
desce o rio cortando o campo –
espalhando vida

e na calma dos remansos
a morte sobe fecunda

não é o rio da aldeia
mas o rio de todos nós
Cachoeira seu nome

não diz mais que o nobre salto
no abismo de suas pedras

questão de menino
o rio devia pagar
por seu desatino

na carona da corrente,
errante, uma baronesa

brincando de estátua
nas cachoeiras do rio --
martim pescador

refletida pelas águas
a cidade acinzentada

o cheiro da morte --
estendido sobre as pedras
o rio apodrece

ouço, canta uma graúna
a sabiá não replica

Um comentário:

George Pellegrini disse...

Que bela surpresa, capitán. Adorei ler os teus dísticos (que eu ainda não conhecia) diretamente publicados. Valeu, meu reis.
Vamos ver se nos vemos, véi. hehehe (desculpe a aliteração :)
Abraços e beijos nas meninas.
George