Homem
de bem com a vida, a favor da vida. A quem a vida nada se nega. Criador de um
lirismo em prosa e verso, falado e cantado, e sempre de exaltação a vida.
A
canção em Vinícius nasce de um encontro, não vem de um conflito. Encontro
consigo mesmo, com o outro, com sua cidade. Com o menino livre e feliz que foi,
com o tempo da infância, fonte inesgotável quando tudo era indizivelmente bom.
Menino de beira de mar, os carinhos de vento no rosto e as frescas mãos de maré
nos seus dedos de água.
Encontro
com o próximo, com aquele que se dá à vida. O que não se defende, o que não se
fecha, o que não se recusa participar do espetáculo fascinante da grande e da
pequena ventura de viver.
Encontro
com os amigos, parceiros da vida em comum, amigos da arte em comum. Encontro
com a mulher amada, amiga infinitamente amiga. Encontro com a mulher do povo
entre moringas e cenouras emolduradas de vassouras. Com o operário em construção,
dono de uma nova dimensão, a dimensão da poesia.
Encontro
de sensibilidade pessoal com o sentimento popular da inspiração e da técnica
pessoal com o ritmo e inspiração geral. Encontro da mulher com o homem, do
amor. Das palavras com a música, da poesia com a canção. Poesia de aliança com
a vida e canção de aliança com a multidão. Voz pessoal, mas compreendendo
muitas vozes. Encontro com uma voz com todas as vozes.
Poeta
do encontro, cantor de vida. Vinicius tomou partido do sentimento contra o
ressentimento. Por isso, ele não semeia pedras como aquele que não ama. Semeia
canções, poesia.
Vinicius
canta o povo.
O
povo canta Vinicius.
A
bênção, Vinicius de Moraes.
A HORA ÍNTIMA
Vinícius
de Morais
Quem
pagará o enterro e as flores
Se
eu me morrer de amores?
Quem,
dentre amigos, tão amigo
Para
estar no caixão comigo?
Quem,
em meio ao funeral
Dirá
de mim: – Nunca fez mal...
Quem,
bêbedo, chorará em voz alta
De
não me ter trazido nada?
Quem
virá despetalar pétalas
No
meu túmulo de poeta?
Quem
jogará timidamente
Na
terra um grão de semente?
Quem
elevará o olhar covarde
Até
a estrela da tarde?
Quem
me dirá palavras mágicas
Capazes
de empalidecer o mármore?
Quem,
oculta em véus escuros
Se
crucificará nos muros?
Quem,
macerada de desgosto
Sorrirá:
– Rei morto, rei posto...
Quantas,
debruçadas sobre o báratro
Sentirão
as dores do parto?
Qual
a que, branca de receio
Tocará
o botão do seio?
Quem,
louca, se jogará de bruços
A
soluçar tantos soluços
Que
há de despertar receios?
Quantos,
os maxilares contraídos
O
sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão:
– Foi um doido amigo...
Quem,
criança, olhando a terra
Ao
ver movimentar-se um verme
Observará
um ar de critério?
Quem,
em circunstância oficial
Há
de propor meu pedestal?
Quais
os que, vindos da montanha
Terão
circunspecção tamanha
Que
eu hei de rir branco de cal?
Qual
a que, o rosto sulcado de vento
Lançará
um punhado de sal
Na
minha cova de cimento?
Quem
cantará canções de amigo
No
dia do meu funeral?
Qual
a que não estará presente
Por
motivo circunstancial?
Quem
cravará no seio duro
Uma
lâmina enferrujada?
Quem,
em seu verbo inconsútil
Há
de orar: – Deus o tenha em sua guarda.
Qual
o amigo que a sós consigo
Pensará:
– Não há de ser nada...
Quem
será a estranha figura
A
um tronco de árvore encostada
Com
um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem
se abraçará comigo
Que
terá de ser arrancada?
Quem
vai pagar o enterro e as flores
Se
eu me morrer de amores?
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