Quem
adquiriu Silêncios travou contato com
uma série de haikais que escrevi em um momento em que estava triste e comovido
com a situação de descaso por que passa há décadas um dos principais rios aqui
da zona cacaueira da Bahia, o Cachoeira. Esses haikais, como só poderiam ser,
revelam o que sabemos estar acontecendo com inúmeros rios mundo afora: o
desmatamento da mata ciliar, o despejo de esgoto e dejetos em seu leito, a
diminuição da vida etc.
Para
cada um desses haikais o poeta George Pellegrini escreveu um dístico, o que
acabou por transformá-los em uma renga. E como se não bastasse me passou às
mãos vinte haikais que também havia escrito sobre o mesmo tema para que eu
fizesse o mesmo.
Desse
nosso entrosamento surgiu a “Renga do Rio Cachoeira” que, seguindo a tradição
japonesa firmada por Bashô, possui 36 estrofes, cada uma delas em homenagem a um
dos poetas imortais do Japão. As estrofes, de três e dois versos, segundo Rosa Clement realçam a arte da
transição ao encadear, respectivamente, estrofes sazonais, em que o dístico,
muito suavemente, apenas alude ao terceto, proporcionando uma mudança de
perspectiva.
Essa
renga estará em meu próximo livro, Sendas,
e, da qual, a pedido do mestre e amigo Carlos Verçosa, publico a seguir seis
estrofes. Nas três primeiras o terceto foi feito por mim e o dístico,
evidentemente, pelo George Pellegrini. Nas três últimas os papéis se invertem.
Espero que gostem!
Renga do Rio Cachoeira
madruguei chorando –
silenciou-se o grande rio
ao me ver nascer
o lusco-fusco da aurora
descortinou as estradas
puro em sua nascente
desce o rio cortando o campo –
espalhando vida
e na calma dos remansos
a morte sobe fecunda
não é o rio da aldeia
mas o rio de todos nós
Cachoeira seu nome
não diz mais que o nobre salto
no abismo de suas pedras
questão de menino
o rio devia pagar
por seu desatino
na
carona da corrente,
errante,
uma baronesa
brincando de estátua
nas cachoeiras do rio
--
martim pescador
refletida
pelas águas
a
cidade acinzentada
o cheiro da morte --
estendido sobre as
pedras
o rio apodrece
ouço,
canta uma graúna
a sabiá não
replica
Um comentário:
Que bela surpresa, capitán. Adorei ler os teus dísticos (que eu ainda não conhecia) diretamente publicados. Valeu, meu reis.
Vamos ver se nos vemos, véi. hehehe (desculpe a aliteração :)
Abraços e beijos nas meninas.
George
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