quarta-feira, 16 de março de 2011

Octávio Mora: Um Grande Poeta Injustiçado


Tenho todos os livros (hoje raridades) de Octávio Mora, poeta que, segundo Pedro Sette Câmara, é um dos grandes injustiçados da nossa língua. Concordo com o Pedro, sobretudo quando penso na capacidade do poeta de nos oferecer poemas carregados de significados vários, pois impregnados de uma multiplicidade de sentidos poucas vezes vista em nossa poesia. Mais à frente voltarei ao assunto. Por enquanto, fiquem com dois bons exemplos para o que digo. Boa leitura!

EM SAQUAREMA

(i.m. Walmir Ayala)

Cemitérios onde os rastos
não são os de humanos pés
mas os de humanas marés
de ressecas e ombros gastos

Os cemitérios tão junto
do mar que do céu defronte
ao deitar-se no horizonte
são do próprio sol defunto

Cemitérios do convívio
com os elementos soltos
os mortos no chão revoltos
mediterrâneos de alívio

Os cemitérios que banham
o mar sem mármores rente
de costas todas de frente
numa encosta de montanha

Cemitérios ou são arcos
de círculos que recordam
os horizontes e abordam
a terra a bordo de barcos

 Os cemitérios que olham
para o mar cujo azul frio
cujas ondas só um vazio
preenchem e não o molham

Cemitérios sob os astros
sobre as ondas oscilantes
cujas campas flutuantes
cujas cruzes foram mastros

Os cemitérios que o sul
contemplam em vez do norte
as águas secas da morte
separando o céu do azul

 Cemitérios hoje portos
para onde afinal desterram
morrendo os que em vida erram
errantes depois de mortos

Os cemitérios que o vento
atravessa entre destroços
já nus descarnados ossos
sem fôlego ou comprimento

Cemitérios com veleiros
em vez de túmulos Velas
de barcos não de capelas
cemitérios marinheiros.


SEMPRE EVA

Mordendo, ao modo de quem come,
a polpa escura das maçãs,
as noites, tardes e manhãs
umas nas outras, como a fome.

Partes as frutas com os dentes
e encontras, sob a casca, a cor
verdadeira  de seu sabor
íntimo. Açúcar som sementes.

         Pelas sementes, mais
ou seu sabor ácido, a planta
cresce-te dentro da garganta
até os pés.Dizes-te: escuto.

         Inseparável das raízes
faz-se o silêncio sem escolha
que reproduz, folha por folha,
árvore audível, o que dizes.

Macias, as palavras, dentro
das frases, ásperas, mastigas
e a tua própria voz obrigas,
maçã, ao silêncio de seu centro.

Calas? Para que não transbordes
do teu silêncio e se descubra
o quanto és doce, a polpa rubra,
sempre, do próprio lábio mordes.

Octávio Mora estreou em poesia com o livro Ausência viva (1956). Depois publicou Terra imóvel (1959). A esses se seguiram Corpo habitável (1967), Pulso horário (1968), Saldo prévio (1968), Exiliurbano (1975) e Oda amarga y otros poemas (1985). Diplomado em Medicina (1956), Sociologia (1967), Comunicação (1971), também atuou como roteirista. Exerceu durante alguns anos a profissão de médico e aposentou-se como professor titular de Literatura na UFRJ.

Obs: Os poemas acima foram  extraídos de 41 POETAS DO RIO, org. Moacyr Félix.  Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998.  514 p.

3 comentários:

João Filho disse...

Todos os livros? E o primeiro: Ausência viva?

Grande abraço e vida longa

Gustavo Felicíssimo disse...

sim, meu caro. são todos mesmo. comprei-os de uma só vez n'O Sebo Cultural, de João Pessoa. o que mais gosto é Exilurbano: Andar Térreo, de 1975, que trás um selo de Petrópolis (Imprensa Vespertina), mas parece ser uma edição do autor, inclusive, sem ficha catalográfica. Ausência Viva e Terra imóvel, de 56 e 59, respectivamente, trazem o selo de uma tal Livraria São José e tb me parecem edições do autor. os outros saíram pela Orfeu.

Claudio Sousa Pereira disse...

Li e tenho facsimilado o "Ausência Viva", de Octávio Mora. De fato o autor é um injustiçado, face ao nível altíssimo alacançado pelo poeta tendo apenas na ocasião 23 anos. Um raro, absolutamente raro. Gostaria de que você, caro Gustavo Felicíssimo escrevesse mais alguma coisa sobre Octávio Mora. Um abraço, é um prazer visitar seu blog. Claudio.