Tenho todos os livros (hoje raridades) de Octávio
Mora, poeta que, segundo Pedro Sette Câmara, é um dos grandes injustiçados da nossa língua. Concordo com o Pedro, sobretudo quando penso na
capacidade do poeta de nos oferecer poemas carregados de significados vários,
pois impregnados de uma multiplicidade de sentidos poucas vezes vista em nossa
poesia. Mais à frente voltarei ao assunto. Por enquanto, fiquem com dois bons exemplos para o
que digo. Boa leitura!
EM SAQUAREMA
(i.m. Walmir Ayala)
Cemitérios onde os
rastos
não são os de humanos
pés
mas os de humanas marés
de ressecas e ombros
gastos
Os cemitérios tão junto
do mar que do céu
defronte
ao deitar-se no
horizonte
são do próprio sol
defunto
Cemitérios do convívio
com os elementos soltos
os mortos no chão
revoltos
mediterrâneos de alívio
Os cemitérios que banham
o mar sem mármores
rente
de costas todas de
frente
numa encosta de montanha
Cemitérios ou são arcos
de círculos que
recordam
os horizontes e abordam
a terra a bordo de
barcos
Os cemitérios que
olham
para o mar cujo azul
frio
cujas ondas só um vazio
preenchem e não o
molham
Cemitérios sob os
astros
sobre as ondas
oscilantes
cujas campas flutuantes
cujas cruzes foram
mastros
Os cemitérios que o sul
contemplam em vez do
norte
as águas secas da morte
separando o céu do azul
Cemitérios hoje
portos
para onde afinal
desterram
morrendo os que em vida
erram
errantes depois de
mortos
Os cemitérios que o
vento
atravessa entre
destroços
já nus descarnados
ossos
sem fôlego ou
comprimento
Cemitérios com veleiros
em vez de túmulos Velas
de barcos não de
capelas
cemitérios marinheiros.
SEMPRE EVA
Mordendo, ao modo de
quem come,
a polpa escura das
maçãs,
as noites, tardes e
manhãs
umas nas outras, como a
fome.
Partes as frutas com os
dentes
e encontras, sob a
casca, a cor
verdadeira de seu
sabor
íntimo. Açúcar som
sementes.
Pelas sementes, mais
ou seu sabor ácido, a
planta
cresce-te dentro da
garganta
até os pés.Dizes-te:
escuto.
Inseparável das raízes
faz-se o silêncio sem
escolha
que reproduz, folha por
folha,
árvore audível, o que
dizes.
Macias, as palavras,
dentro
das frases, ásperas,
mastigas
e a tua própria voz
obrigas,
maçã, ao silêncio de
seu centro.
Calas? Para que não
transbordes
do teu silêncio e se
descubra
o quanto és doce, a
polpa rubra,
sempre, do próprio
lábio mordes.
Octávio
Mora estreou em poesia com o
livro Ausência viva (1956). Depois publicou Terra imóvel (1959).
A esses se seguiram Corpo habitável (1967), Pulso horário (1968),
Saldo prévio (1968), Exiliurbano (1975) e Oda amarga y otros
poemas (1985). Diplomado em Medicina (1956), Sociologia (1967), Comunicação
(1971), também atuou como roteirista. Exerceu durante alguns anos a profissão
de médico e aposentou-se como professor titular de Literatura na UFRJ.
Obs: Os poemas acima foram extraídos de 41 POETAS DO RIO,
org. Moacyr Félix. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998. 514 p.
3 comentários:
Todos os livros? E o primeiro: Ausência viva?
Grande abraço e vida longa
sim, meu caro. são todos mesmo. comprei-os de uma só vez n'O Sebo Cultural, de João Pessoa. o que mais gosto é Exilurbano: Andar Térreo, de 1975, que trás um selo de Petrópolis (Imprensa Vespertina), mas parece ser uma edição do autor, inclusive, sem ficha catalográfica. Ausência Viva e Terra imóvel, de 56 e 59, respectivamente, trazem o selo de uma tal Livraria São José e tb me parecem edições do autor. os outros saíram pela Orfeu.
Li e tenho facsimilado o "Ausência Viva", de Octávio Mora. De fato o autor é um injustiçado, face ao nível altíssimo alacançado pelo poeta tendo apenas na ocasião 23 anos. Um raro, absolutamente raro. Gostaria de que você, caro Gustavo Felicíssimo escrevesse mais alguma coisa sobre Octávio Mora. Um abraço, é um prazer visitar seu blog. Claudio.
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