SALVADOR DALÍ
Colaboração de Bernardo Linhares
Escrito e publicado em 1956, na França, “Libelo contra a arte moderna”, L&PM Editores, é uma leitura atual e provocativa, saída daquele que personificou o movimento surrealista. Abaixo um pequeno trecho.
A introdução da feiúra na arte moderna começou com a adolescente ingenuidade romântica de Arthur Rimbaud, quando disse: A beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela. Foi por essas palavras cifradas que os críticos ditirâmbicos – exageradamente negativistas, e odiando o classicismo como todo rato de esgoto que se respeita – descobriram as agitações biológicas da feiúra e seus inconfessáveis atrativos. Começaram por se maravilhar com uma nova beleza, que diziam “não-convencional”, e ao lado da qual a beleza clássica tornava-se de repente sinônimo de frivolidade.
Todos os equívocos eram possíveis, inclusive o dos objetos selvagens, feios como os pecados mortais (que eles são, em realidade). Para ficarem em uníssono com os críticos ditirâmbicos, os pintores passaram a fazer o feio. Quando mais o faziam, mais eram modernos. Picasso, por ter medo de tudo, fabricava o feio por medo do Bouguereau.
Mas ele, diferentemente dos outros, fabricava o feio de propósito, corneando assim os críticos ditirâmbicos que pretendiam reencontrar a verdadeira beleza. Como Picasso é um anarquista, ele haveria de dar a puntilla depois de ter apunhalado Bougereau pela metade, e de um golpe acabar com a arte moderna, fazendo só ele, num dia, mais feiúra que todos os outros reunidos em vários anos.
Pois o grande Pablo, juntamente com o angélico Rafael, o divino marquês de Sade e eu – o rinocerantesco Salvador Dali-, tem a mesma idéia do que pode representar um ser arcangelicamente belo. Aliás, essa idéia em nada difere da que possui por instinto qualquer multidão de rua – herdeira da civilização Greco-romana – quando se volta, petrificada de admiração, à passagem de um corpo – chamemos a coisa por seu nome-, de um corpo pitagórico.
No momento álgido de seu maior frenesi de feiúra, enviei a Picasso, de Nova York, o seguinte telegrama: Pablo, obrigado! Tuas últimas pinturas ignominiosas mataram a arte moderna. Sem ti, com o gosto e a medida que são as virtudes mesma da prudência francesa, teríamos tido uma pintura cada vez mais feia, durante pelo menos cem anos, até chegar a teus sublimes adefesios esperpentos*. Tu, com toda a violência do teu anarquismo ibérico, em poucas semanas atingiste os limites e as últimas conseqüências do abominável. E isto, como Nietzsche desejava, marcando tudo com o seu próprio sangue. Agora não nos resta senão voltar novamente os olhos para Rafael. Que Deus te guarde!
* A expressão é do próprio Picasso. Literalmente, significa: “Personagens feios e ridículos como espantalhos”.
Colaboração de Bernardo Linhares
Escrito e publicado em 1956, na França, “Libelo contra a arte moderna”, L&PM Editores, é uma leitura atual e provocativa, saída daquele que personificou o movimento surrealista. Abaixo um pequeno trecho.
A introdução da feiúra na arte moderna começou com a adolescente ingenuidade romântica de Arthur Rimbaud, quando disse: A beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela. Foi por essas palavras cifradas que os críticos ditirâmbicos – exageradamente negativistas, e odiando o classicismo como todo rato de esgoto que se respeita – descobriram as agitações biológicas da feiúra e seus inconfessáveis atrativos. Começaram por se maravilhar com uma nova beleza, que diziam “não-convencional”, e ao lado da qual a beleza clássica tornava-se de repente sinônimo de frivolidade.
Todos os equívocos eram possíveis, inclusive o dos objetos selvagens, feios como os pecados mortais (que eles são, em realidade). Para ficarem em uníssono com os críticos ditirâmbicos, os pintores passaram a fazer o feio. Quando mais o faziam, mais eram modernos. Picasso, por ter medo de tudo, fabricava o feio por medo do Bouguereau.
Mas ele, diferentemente dos outros, fabricava o feio de propósito, corneando assim os críticos ditirâmbicos que pretendiam reencontrar a verdadeira beleza. Como Picasso é um anarquista, ele haveria de dar a puntilla depois de ter apunhalado Bougereau pela metade, e de um golpe acabar com a arte moderna, fazendo só ele, num dia, mais feiúra que todos os outros reunidos em vários anos.
Pois o grande Pablo, juntamente com o angélico Rafael, o divino marquês de Sade e eu – o rinocerantesco Salvador Dali-, tem a mesma idéia do que pode representar um ser arcangelicamente belo. Aliás, essa idéia em nada difere da que possui por instinto qualquer multidão de rua – herdeira da civilização Greco-romana – quando se volta, petrificada de admiração, à passagem de um corpo – chamemos a coisa por seu nome-, de um corpo pitagórico.
No momento álgido de seu maior frenesi de feiúra, enviei a Picasso, de Nova York, o seguinte telegrama: Pablo, obrigado! Tuas últimas pinturas ignominiosas mataram a arte moderna. Sem ti, com o gosto e a medida que são as virtudes mesma da prudência francesa, teríamos tido uma pintura cada vez mais feia, durante pelo menos cem anos, até chegar a teus sublimes adefesios esperpentos*. Tu, com toda a violência do teu anarquismo ibérico, em poucas semanas atingiste os limites e as últimas conseqüências do abominável. E isto, como Nietzsche desejava, marcando tudo com o seu próprio sangue. Agora não nos resta senão voltar novamente os olhos para Rafael. Que Deus te guarde!
* A expressão é do próprio Picasso. Literalmente, significa: “Personagens feios e ridículos como espantalhos”.
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