terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Não é que eu seja contra a música internacional, contra a arte que é feita em outros países, acho que a arte tem um caráter universal e não se pode fechar os olhos e ignorar ou negar - o que não pode é fazer com que a influência externa mate, cale a voz das coisas que nascem aqui, da criatividade autônoma, porque quanto mais autonomia tem os artistas dos diferentes países, mais rica será a cultura e a arte do mundo inteiro. Se existe uma arte argentina própria da Argentina, uma arte brasileira própria do Brasil, não é que seja nacionalista, mas que nasça até com hostilidade com a contemporaneidade, mas que tenha raízes aqui, que não seja apenas imitação de uma coisa que venha de fora, e isso realmente estava acontecendo. Mas a razão principal é essa arte negativa, “niilista”, para destruir a própria arte, como a Bienal que está sendo aberta, que chegou sem obra. É uma Bienal sem obra e isso já mostra tudo. Ontem eu assistia a uma entrevista do curador da Bienal, onde ele falou: "Pois é, antigamente as paredes estavam cheias de obras, hoje a gente pergunta o que é melhor: ter obras ou não ter obras". Eu nunca vi isso. Se você vai fazer uma exposição de arte e coloca-se uma questão se deve ter obra de arte, eu não entendo. Então não é mais arte, no fundo o que ele está dizendo é que isso que eles expõem não é mais arte, não interessa ele expor, é isso que ele está dizendo. Essa Bienal tem os dias contados, isso é uma coisa velha, ultrapassada, não tem mais sentido, é a falsa vanguarda, a própria Bienal é uma instituição de vanguarda, tanto que ela não pode negar, registrar nada, quanto mais louca for a proposta que o artista faça para ela, não pode rejeitar porque ela tem medo de ficar na retaguarda. Por isso aceita tudo, porque ela é de vanguarda, também a instituição é de vanguarda, ela nasceu para ser de vanguarda, são as coisas mais absurdas. Agora nessa Bienal um cara fez um tobogã, ele vai até o último andar do prédio e desce de tobogã, é a obra dele. Quer dizer, tobogã no parque de diversão é “tobogã”, mas lá na Bienal é “arte”. É a instituição que faz um tobogã virar uma obra de arte, isso é uma palhaçada. Então era isso que eu combatia. Alguns aspectos ortodoxos da visão marxista que estão presentes no livro, também estão equivocadas, eu acho que não é isso, eu ainda não tinha uma visão crítica de determinados problemas que depois pude observá-los. Hoje eu olho criticamente as coisas que escrevi anteriormente.

Ferreira Gullar em entrevista concedida ao pesquisador, jornalista e professor Gilfrancisco Santos.


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