Ainda
de madrugada, um homem ordenha as poucas vaquinhas que possui e vai às ruas da
cidade interiorana, montado em sua carroça, vender leite in natura para uma clientela fiel que prefere tomá-lo assim,
purinho e morno, oriundo de grandes tetas, ao invés de produtos embalados, processados
por máquinas, cuja origem o cidadão matreiro desconhece e desconfia. Em
muitos lugares a coisa funciona assim até hoje.
Na
minha infância, quando o leiteiro anunciava a sua chegada em nossa rua, sempre
aos sábados bem cedinho, minha mãe que já o esperava na calçada mesmo em dias
de muito frio, nem precisava lhe pedir que completasse o vasilhame de cerca de
dois litros, mais ou menos. O homem, com sua jarra enorme, atendendo-a prontamente,
fazia questão de despejar o leite de uma altura generosa até ele ficar
espumante, o que nos parecia uma prova inconteste do seu frescor.
Após,
quem aparecia na rua atrás da freguesia certa era o vendedor de pães caseiros
com seu imenso balaio. Macios e cheirosos, além de recém saídos do
forno, não demoravam muito a serem comercializados e imediatamente devorados
com manteiga fresquinha, também caseira, e um bom café comprado na mercearia
que o torrava e moía na hora.
Esse
assunto, admito, me deixou saudoso pra dedel e com a mesma água na boca que
você, meu caro leitor, também deve estar. Entretanto, não são essas lembranças
que me motivam a escrever nesta tarde renitente, mas um fato curioso ocorrido
na cidade baiana de Riachão do Jacuípe, terra do meu querido amigo, poeta e
contista, Miguel Carneiro. Lá um lavrador de 58 anos, leiteiro por necessidade,
foi preso na última sexta-feira, 11 de março, por vender leite de porta em
porta, hoje uma prática proibida pela Vigilância Sanitária.
A
prisão, como não poderia deixar de ser, revoltou os moradores do município, que
fizeram uma série de manifestações. O protesto da população foi ouvido e o
leiteiro solto após cinco dias trancafiado na cadeia, fato que não minimiza a
injustiça que a justiça acabou por promover, pois em situações como essa o
estado precisa proteger e instruir, não prender o cidadão.
Ao
fim, o infeliz episódio de Riachão do Jacuípe me levou a revisitar
imediatamente o poema Morte do Leiteiro, do nosso querido Carlos Drummond de
Andrade. Nele, se me faço entender, dois versos lembram a ação da Vigilância Sanitária e da
justiça. Diz o poeta: E há sempre um senhor que acorda,/ resmunga e torna a
dormir.
Um comentário:
Apoiado. Essas profissões representam a memória cultural de um povo, o nosso patrimônio imaterial como proposto pelo IPHAN. Devem ser protegidas por lei.
Postar um comentário