quinta-feira, 24 de março de 2011

Meio pão e um livro


Federico García Lorca, em livre tradução de Frei Betto

Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou a uma festa, se lhe agrada, lamenta que as pessoas de quem gosta não estejam ali. “Como minha irmã, meu pai iriam apreciar”, pensa, e desfruta tomado por leve melancolia.
Esta é a melancolia que sinto, não pela minha família, e sim por todas as criaturas que, por falta de meios e por desgraça, não gozam do supremo bem da beleza, que é a vida com bondade, serenidade e paixão.
Por isso nunca tenho livro, pois presenteio todos os que compro, que são muitíssimos, e portanto estou aqui honrado e contente por inaugurar esta biblioteca do povo, a primeira na região de Granada.
Não só de pão vive o homem. Eu, se tivesse fome e estivesse abandonado na rua, não pediria um pão, pediria meio pão e um livro. Critico violentamente os que falam apenas de reivindicações econômicas, sem jamais ressaltar as culturais, que os povos pedem aos gritos.
Ótimo que todos os homens comam; melhor que todos tenham saber. Que gozem todos os frutos do espírito humano, porque o contrário é serem transformados em máquinas a serviço do Estado, convertidos em escravos de uma terrível organização social.
Lamento muito mais por um homem que deseja saber e não pode, do que por um faminto. Este aplaca a fome com um pedaço de pão ou algumas frutas. Mas um homem que tem ânsia de saber e não possui os meios, sofre uma profunda agonia, porque são livros, livros, muitos livros, de que necessita. E onde estão esses livros?
Livros! Livros! Palavra mágica que equivale a dizer: “amor, amor”, e que os povos deviam pedir como pedem pão ou anseiam por chuva após semearem.
Quando Dostoiévski, pai da revolução russa muito mais que Lenin, se encontrava prisioneiro na Sibéria, isolado do mundo, retido entre quatro paredes e cercado de desoladas extensões de neve infinita, em carta à sua família pedia que o socorressem: “Enviem-me livros, livros, muitos livros, para que minha alma não morra!”
Tinha frio e não pedia fogo; sede e não pedia água; pedia livros, ou seja, horizontes, escadas para subir ao ápice do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural de um corpo faminto, provocada pela fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, mas a da alma insatisfeita dura toda a vida.
Disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais autênticos da Europa, que o lema da República deveria ser: “Cultura”. Porque só através dela é possível solucionar as dificuldades que hoje enfrenta o povo cheio de fé, mas carente de luz.

Em: Caros Amigos, Edição de Março de 2011.

2 comentários:

Daniel Andrade disse...

eu como bibliotecário bato palmas para esse lindo texto

Fátima Santiago disse...

Belo texto! Castro Alves já havia dito o memso, com outras palavras.