Tornou-se lugar-comum, na imprensa, reportar fatos como o acidente com o avião da TAM, que matou 162 passageiros, ou o deslizamento de terra no Morro do Bumba, em Niterói, como “tragédias anunciadas”, influência evidente do belo título que é o Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel García Márquez. Claro que isso não é de hoje. Todo sujeito ciumento é um “Otelo”, desde que Shakespeare escreveu a peça a respeito do suplício do Mouro de Veneza. Todo homem excepcionalmente forte é um “Hércules”, desde que Eurípedes encenou a tragédia Heracles entre os gregos, Sêneca levou ao palco o Hércules sobre o Eta, entre os romanos. Do mesmo modo, toda viagem ou percurso repleto de percalços passou a ser “uma odisséia”, desde que Homero escreveu a história de Ulisses, cujo nome grego era Odisseu. Daí 2001 – Uma Odisséia no Espaço, o filme de Stanley Kubrik – daí Ulisses, o famoso romance de James Joyce, que consome cerca de 800 páginas pra contar o que foi um dia – 16 de junho de 1904 - na vida de um certo dublinense chamado Leopold Bloom. Se esse caminho, porém, é de mais sofrimento do que aventura, o rótulo é o de “via-sacra”, “via-crúcis” ou “calvário”, por conta do peso do texto evangélico, que transformou, também, todo traidor em “judas”, toda vítima em “cristo”, todo mau caráter em “judeu”, toda maldade humana em “judiação”, todo homem caridoso em “bom samaritano”, todo fim do mundo em “apocalipse”. Do mesmo modo, abrindo para o Velho Testamento, todo começo de qualquer coisa é “gênesis”, todo assassino é um “Caim”, todo lugar maravilhoso é um “paraíso”, toda debandada é um “êxodo”, toda enchente é um “dilúvio”, todo vidente é um “profeta”, toda figura com salvadora liderança é “messiânica”, toda decisão sábia é “salomônica”, todo embate desproporcional, tipo camundongo Jerry contra o gato Tom, Oliveiros contra Ferrabrás, Vietnã versus Estados Unidos, é uma luta de “Davi e Golias”.Quem nunca classificou alguma cena terrível de “dantesca”, por conta da Divina Comédia de Dante? Quem nunca chamou o herói de uma causa perdida – como Vitorino Papa Rabo, de Zé Lins; ou o Príncipe Michkin, de Dostoiévsky - de “quixotesco” devido à obra de Cervantes? Quem nunca disse que um sujeito em dúvida terrível é “hamletiano”? Caramba, já vi muita gente demasiado séria ser chamada de “Dom Casmurro”, por causa do livro de Machado de Assis. E de “masoquista”, devido ao romance A Vênus de Peles , de Leopold Ritter von Sacher-Masoch, no qual um personagem somente chega ao orgasmo depois de surrado pelo amante da esposa. Claro que você acaba de se lembrar de que “sádico”, se deve ao Marquês de Sade e a seus romances – como Os 120 Dias de Sodoma. Do mesmo modo, “pantagruélico” é o comilão por excelência, desde que Rabelais escreveu seu romance Pantagruel, e “acaciana” é sempre uma figura pública tipo Conselheiro Acácio,pseudo-intelectual pomposo, desde que Eça de Queirós escreveu o romance O Primo Basílio.
A quanto mulherengo já demos o nome de “casanova”, devido ao libertino escritor Giácomo Casanova, que – segundo afirma nos vinte e oito volumes de suas memórias – enumerou cento e vinte e duas mulheres que possuiu ao longo da vida! Ou de “Don Juan”, por causa do personagem fictício que, por suas inúmeras conquistas amorosas, compareceu em várias obras de arte, como a peça Don Juan Tenório, de José Zorrilla, e a ópera Don Giovanni, de Mozart!
Um dos casos mais famosos de apropriação desse tipo é o de Freud, que viu no personagem clássico de Sófocles – Édipo Rei – o protótipo do portador do complexo emocional que envolve amor e ódio na relação filho-mãe-pai, tendo Gustav Jung estabelecido a mesma relação filha-pai-mãe no Complexo de Eletra, partindo das peças de Sófocles e Eurípedes que contam como essa personagem matou a mãe, Clitemnestra, pra vingar a morte do pai, Agamênon.
Quanta História por trás de cada palavra!
(26-07-2010)
W. J. Solha é escritor, dramaturgo, ator e poeta paulista, radicado na Paraíba
ATENÇÃO!
O autor oferece o seu belíssimo e intrigante romance "Relato de Prócula" a quem se interessar por ele. Basta que mande nome e endereço para wjsolha@superig.com.br que receberá o livro pelo correio, sem qualquer despesa.
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A menina de 4 anos chegou da creche com um bilhete em punho: "Manhêê, lê!" Maria Helena, de 36 anos, três filhos e uma panela na mão, olhou o papel e logo voltou os olhos para a pia. Mas a filha não deu sossego. A mulher, então, deixou a panela, pegou a mão da garota e o bilhete e foi em busca de alguém que fizesse o favor de "entender as palavras escritas". A pequena fincou o pé e desabou num choro: "Não! É a mãe que tem que ler, não vale a vizinha, a professora mandou!" Cida tem 40 anos, é irmã de Maria Helena e trabalha como empregada doméstica. Ao som de seu radinho de pilha, Cida cumpre seus afazeres. Mas basta o carteiro aparecer para tirar o seu sossego. Cida sabe assinar o nome, "todinho, em letra corrida: Maria Aparecida de Oliveira da Silva", mas basta segurar a caneta para se esquecer das letras. Espalhados pelas cidades, metidos em uniformes de garis, buracos de construção, casas de família ou salões de cabeleireiros, há no Brasil 14 milhões de analfabetos. Eles ganham em média R$ 430, ante R$ 962 para aqueles que cursam o ensino médio. São analfabetos absolutos, que frequentaram muito pouco uma escola ou mesmo nunca pisaram numa delas. Essa população aprendeu a levar a vida no jeitinho, reconhece o ônibus pela cor ou guarda receitas e informações importantes na memória. Analfabetismo é um problema histórico difícil de resolver agora, diz ao Valor o economista Naercio Aquino Menezes Filho, do Insper-Instituto de Ensino e Pesquisa, de São Paulo. Segundo ele, ao longo do século XX, o Brasil não se esforçou suficientemente para pôr todas as crianças na escola.

