Faz poucos dias recebi de Roberval Pereyr o seu mais novo livro. Falo de “Acordes”, uma obra que do ponto de vista estético dá segmento à produção anterior do autor, reunida em “Amálgama”. Pereyr é um poeta baiano, de Feira de Santana, mas sua poesia possui os elementos mais universais possíveis, pois trás em si as características marcantes do existencialismo e da metafísica. Em seus poemas notamos a busca pelo sentido do ser, mas sem nomear as coisas e as ações, muito embora buscando nelas a sua essência e seus valores. Afinal, nosso contato com o universo não se dá por meio das definições, mas das indagações e respostas que se instalam no campo do conhecimento ou no horizonte do tempo, pois é no tempo que o ser e as coisas acontecem.
Assim, algumas questões parecem saltar da sua obra. A principal parece ser esta: até que ponto podemos decifrar o mundo, o ser e as coisas através do universo poético? Mas uma outra também me assalta: até que ponto a linguagem de um poema e as coisas do mundo são realidades conflitantes? Quem responder vai ganhar um big-big.
Abaixo, poemas de Roberval Pereyr.
Amálgama
O exercício da mentira
assevera-nos o rosto;
petrifica-nos o busto
e engrandece-nos a ira.
O exercício da mentira
engrandece-nos as posses;
ajoelha-nos em preces
sob o teto das igrejas.
O exercício da mentira
faz-nos fortes barulhentos;
tece grandes pensamentos
para encher-nos de amarguras.
O exercício da mentira
faz-nos lúcidos, divinos;
torna os animais humanos
e torna os deuses caninos.
O exercício da mentira
(por que tamanha maldade?)
concedeu-nos - que loucura! -
o exercício da verdade.
Em Amálgama, Selo Letras da Bahia, 2004. Pág. 209.
Canção
Ao longe, calma paisagem,
pastava o gado inocente:
a noite é cheia de gado
a noite é cheia de gente.
Na noite, o curral o gado
encerra em fatal enredo:
a noite é cheia de medo
e em sangue enreda o passado.
Ao longe vejo, isolado,
um homem dentro de um prédio:
a noite é cheia de gado
a noite é cheia de tédio.
O gado tem dono ausente
de si e do próprio gado:
a noite é cheia de gente
com o registro apagado.
Em Acordes, Editora Tulle, 2010. Pág. 09.
Mais sobre o autor acesse:
http://www.revista.agulha.nom.br/perey.html
Assim, algumas questões parecem saltar da sua obra. A principal parece ser esta: até que ponto podemos decifrar o mundo, o ser e as coisas através do universo poético? Mas uma outra também me assalta: até que ponto a linguagem de um poema e as coisas do mundo são realidades conflitantes? Quem responder vai ganhar um big-big.
Abaixo, poemas de Roberval Pereyr.
Amálgama
O exercício da mentira
assevera-nos o rosto;
petrifica-nos o busto
e engrandece-nos a ira.
O exercício da mentira
engrandece-nos as posses;
ajoelha-nos em preces
sob o teto das igrejas.
O exercício da mentira
faz-nos fortes barulhentos;
tece grandes pensamentos
para encher-nos de amarguras.
O exercício da mentira
faz-nos lúcidos, divinos;
torna os animais humanos
e torna os deuses caninos.
O exercício da mentira
(por que tamanha maldade?)
concedeu-nos - que loucura! -
o exercício da verdade.
Em Amálgama, Selo Letras da Bahia, 2004. Pág. 209.
Canção
Ao longe, calma paisagem,
pastava o gado inocente:
a noite é cheia de gado
a noite é cheia de gente.
Na noite, o curral o gado
encerra em fatal enredo:
a noite é cheia de medo
e em sangue enreda o passado.
Ao longe vejo, isolado,
um homem dentro de um prédio:
a noite é cheia de gado
a noite é cheia de tédio.
O gado tem dono ausente
de si e do próprio gado:
a noite é cheia de gente
com o registro apagado.
Em Acordes, Editora Tulle, 2010. Pág. 09.
Mais sobre o autor acesse:
http://www.revista.agulha.nom.br/perey.html
3 comentários:
Gostei muito do poeta que acabei de conhecer..
Ótimo post. Obrigada por apresentá-lo!
Gostei em especial do poema "Amálgama". Fica bem evidente a questão cristã ocidental do pecado, da culpa, a começar pela temática, né... "a mentira".
No último parágrafo, o texto parece se transformar e colocar a mentira como objeto de trabalho para a poesia, ou "linguagem verdadeira" - interessante comparar poesia com linguagem verdadeira, não? - também foi muito interessante.
Brinca com o conceito de verossimilhança do texto literário. Será que o que você chama de verdade coflitante seria essa realidade interna da poesia? Não uma realidade fiel às coisas do mundo, pois o que é realidade externa não é necessariamente fato no poema, ainda que seja fielmente reproduzido...?
Parabéns, novamente, pelo post.
Abraço!
Caríssima Andreia. Suas observações são pertinentes. Particularmente, penso em "realidade conflitante" a partir de elementos ligados à coerção social. O que para o poeta é realidade, para a sociedade é utopia. A partir daí posso levantar o seguinte questionamento: quem anda à margem de quem?
Também acabo de conhecê-lo... e gostei bastante.
Saberia me dizer se ele tem blog ou algo assim?
Obrigado.
Abraço.
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