domingo, 18 de julho de 2010

Novos Acordes de Roberval Pereyr

Faz poucos dias recebi de Roberval Pereyr o seu mais novo livro. Falo de “Acordes”, uma obra que do ponto de vista estético dá segmento à produção anterior do autor, reunida em “Amálgama”. Pereyr é um poeta baiano, de Feira de Santana, mas sua poesia possui os elementos mais universais possíveis, pois trás em si as características marcantes do existencialismo e da metafísica. Em seus poemas notamos a busca pelo sentido do ser, mas sem nomear as coisas e as ações, muito embora buscando nelas a sua essência e seus valores. Afinal, nosso contato com o universo não se dá por meio das definições, mas das indagações e respostas que se instalam no campo do conhecimento ou no horizonte do tempo, pois é no tempo que o ser e as coisas acontecem.
Assim, algumas questões parecem saltar da sua obra. A principal parece ser esta: até que ponto podemos decifrar o mundo, o ser e as coisas através do universo poético? Mas uma outra também me assalta: até que ponto a linguagem de um poema e as coisas do mundo são realidades conflitantes? Quem responder vai ganhar um big-big.
Abaixo, poemas de Roberval Pereyr.

Amálgama

O exercício da mentira
assevera-nos o rosto;
petrifica-nos o busto
e engrandece-nos a ira.

O exercício da mentira
engrandece-nos as posses;
ajoelha-nos em preces
sob o teto das igrejas.

O exercício da mentira
faz-nos fortes barulhentos;
tece grandes pensamentos
para encher-nos de amarguras.

O exercício da mentira
faz-nos lúcidos, divinos;
torna os animais humanos
e torna os deuses caninos.

O exercício da mentira
(por que tamanha maldade?)
concedeu-nos - que loucura! -
o exercício da verdade.

Em Amálgama, Selo Letras da Bahia, 2004. Pág. 209.


Canção

Ao longe, calma paisagem,
pastava o gado inocente:

a noite é cheia de gado
a noite é cheia de gente.

Na noite, o curral o gado
encerra em fatal enredo:

a noite é cheia de medo
e em sangue enreda o passado.

Ao longe vejo, isolado,
um homem dentro de um prédio:

a noite é cheia de gado
a noite é cheia de tédio.

O gado tem dono ausente
de si e do próprio gado:

a noite é cheia de gente
com o registro apagado.

Em Acordes, Editora Tulle, 2010. Pág. 09.

Mais sobre o autor acesse:
http://www.revista.agulha.nom.br/perey.html

3 comentários:

Andreia Hernandes disse...

Gostei muito do poeta que acabei de conhecer..
Ótimo post. Obrigada por apresentá-lo!
Gostei em especial do poema "Amálgama". Fica bem evidente a questão cristã ocidental do pecado, da culpa, a começar pela temática, né... "a mentira".
No último parágrafo, o texto parece se transformar e colocar a mentira como objeto de trabalho para a poesia, ou "linguagem verdadeira" - interessante comparar poesia com linguagem verdadeira, não? - também foi muito interessante.
Brinca com o conceito de verossimilhança do texto literário. Será que o que você chama de verdade coflitante seria essa realidade interna da poesia? Não uma realidade fiel às coisas do mundo, pois o que é realidade externa não é necessariamente fato no poema, ainda que seja fielmente reproduzido...?

Parabéns, novamente, pelo post.

Abraço!

Gustavo Felicíssimo disse...

Caríssima Andreia. Suas observações são pertinentes. Particularmente, penso em "realidade conflitante" a partir de elementos ligados à coerção social. O que para o poeta é realidade, para a sociedade é utopia. A partir daí posso levantar o seguinte questionamento: quem anda à margem de quem?

Álvaro Andrade disse...

Também acabo de conhecê-lo... e gostei bastante.

Saberia me dizer se ele tem blog ou algo assim?

Obrigado.

Abraço.