quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Três sonetos de Vinícius de Moraes

Neruda foi o primeiro poeta pelo qual me apaixonei, depois vieram outros, mas Vinícius é, sem dúvida, ao lado de Alberto da Cunha Melo, o poeta brasileiro que mais gosto. Sempre achei seus poemas de amor tão espetaculares que durante certo tempo deixei de escrever poema de amor, pois achava que depois de Vinícius nenhum poema de amor se justificaria. Mas isso é besteira. Já escrevi alguns, dos quais me orgulho. Entretanto, neste assunto, continuo achando que o poetinha é inalcansável, pois ele viveu intensamente o amor, de um modo reservado a poucos, muito poucos, por isso, esses seus poemas são considerados, de longe, seus melhores poemas.

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot,
a caminho da Inglaterra, 09.1938

Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Estoril - Portugal,
10.1939

Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Rio de Janeiro, 1951

Um comentário:

Celebreavida disse...

Concordo contigo meu caro. O velho Vinícius com uma vida boêmia, um jeito simples e um dom raro para a poesia e a música conseguiu percorrer com êxito os caminhos confusos, tortuosos e inebriantes da alma feminina com nunca mais vi (com a exceção de Chico Buarque). Valeu irmão. Viva a boa escrita e a boa música.