terça-feira, 4 de agosto de 2009

Outros dois poetas formidáveis

Orientado pelo demasiado número de péssimos poetas oriundos de São Paulo, fenômeno causado, talvez, pela má assimilação (ainda hoje) do modernismo da primeira fase e das vanguardas, cheguei a afirmar que naquele estado não havia poetas. Um absurdo, um despautério de minha parte, pois eles existem, apesar de poucos. Há, inclusive, poetas paulistas que estão rol das minhas predileções. Um deles é Alberto da Costa e Silva, o outro é Paulo Bonfim. O primeiro, também é historiador e africanólogo, além de membro da Academia Brasileira de Letras; o segundo é jornalista e membro da Academia Paulista de Letras.
Alberto da Costa e Silva já venceu o Jabuti e em 2004 foi eleito o "Intelectual do Ano" pela União Brasileira dos Escritores. Paulo Bonfim recebeu a mesma deferência em 1982.
Do modernismo paulista os poetas aproveitaram apenas o que o movimento trouxe de bom, seu sentido de brasilidade e certa coloquialidade, não deixando os modismos lhes pregarem alguma peça. Aliás, ambos são rigorosos e muito bons poetas, como podemos comprovar.

AO LADO DE VERA
Alberto da Costa e Silva

Para que este amor, se o tempo abraça
o nosso abraço e o consome, e passam
as manhãs sem retrato, o sol ferido
pelo se pôr com o pousar das aves?

E para que, se, sendo encontro, parte
com nossos corpos e se faz viagem
solitária, obscura, ao céu do chão,
abrir de velas sobre um mar sem praias?

Mas quando o húmus se levanta em rosas,
a pergunta não mais chega às orelhas
e se dissolve no seu próprio eco,

pois sabemos o amor ser o que em nós
aspira ao oceano e às estrelas
e faz da morte um cisco sobre a mesa.

do livro “Ao lado de Vera”


Soneto I
Paulo Bonfim

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.

do livro “Transfiguração”

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