segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Outra crônica – Gustavo Felicíssimo

Quando jovem não dava um único centavo por um poema. Melhor dizendo, não conhecia a poesia. Sendo assim, como poderia dar algo por ela? Minha mãe, apesar de se esforçar muito para criar a mim e minhas irmãs, não possuía intimidade com livros. Já na Bahia, muitos anos após ter pisado tão benditas terras, uma namorada, jornalista com vasta leitura, conquistou-me para o mundo das letras, em princípio, oferecendo-me livros pouco complexos, romances históricos geralmente, como “A incrível e fascinante história do Capitão Mouro”, de Georges Bourdoukan.
Com o tempo, obviamente, minhas leituras foram ficando mais sofisticadas e mesmo sem nunca ter lido um único livro de poesia começava a rabiscar alguns versos, modestos versos, como só assim poderiam ser naquele momento. Foi quando aquela namorada presenteou-me um caderninho amarelo, de capa dura, que tenho até hoje guardado, sugerindo que ali anotasse tudo que viesse a escrever, pois desse modo, afirmava com razão, poderíamos perceber se haveria alguma evolução ao longo do tempo. Foi o que fiz. Depois daquele caderninho vieram outros, uns dez, todos conservados até hoje. No primeiro deles, nostalgicamente, leio os seguintes versos, inocentes, claro, mas que dão conta exata da dimensão que a poesia assumiria em minha existência: “Pedaços da minha vida/ Parte do meu caminho/ Meu caderno/ Meu mundo/ Páginas onde sofro/ Páginas onde sonho.”
No correr dos dias, como a brisa leve aliviando o mormaço, cheguei, agora sem a companhia da antiga namorada, aos grandes clássicos de Machado de Assis, Kafka, Dostoiévski, Maupassant, Tchekhov, García Marquéz, Cortázar, Borges, e aos romances brasileiros de autores nordestinos como Graciliano Ramos, Raquel de Queiróz, Adonias Filho, Herberto Sales, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado, José Lins do Rego e o mineiro Guimarães Rosa, o melhor da ficção romanesca brasileira em minha opinião.
Somente após essas leituras foi que comecei a ler poesia, mas de maneira aleatória. Li muita coisa sem nenhuma sistematização. Nessa fase passei por uma infinidade de autores lusófonos, mas desconfio se apreendi alguma coisa.
Só então, após uma troca de correspondência com o poeta Ruy Espinheira Filho, é que fui buscar conhecimento teórico. Fiz uma oficina de Literatura de Cordel com Jotacê Freitas, de quem me tornei amigo e logo em seguida participei da oficina de criação literária de Maria da Conceição Paranhos, onde, enfim, começaria a ser forjada pra valer a minha consciência literária, onde aconteceu meu primeiro contato com Homero, Virgílio, Ovídio, Dante, Camões, Shakespeare e tantos clássicos, além de poetas contemporâneos de diversas nacionalidades e, sobretudo, com as obras dos poetas baianos, principalmente os da Geração 60, mas não apenas.
Fundei, juntamente com outros escritores, o tablóide literário SOPA, quando passei a conhecer melhor a poesia contemporânea da Bahia. Organizei saraus, me embriaguei em infindáveis noites à mesa dos bares soteropolitanos na companhia dos amigos, discutindo poesia. Cada um com sua verdade. Fizemos tanta coisa... Vimos abrir e fechar o sebo do João Filho, onde, já com outra turma, me reunia aos sábados para longas horas de uma conversa muito agradável e quente. Ali fizemos nascer a revista POESIA & AFINS que, infelizmente, não passou da primeira edição.
De lá pra cá algum tempo decorreu sob nosso olhar, amigos ficaram, mas não se perderam na memória, outros seguiram conosco, com o peito aberto, a palavra terna, enquanto mudamos de ares e fizemos novos amigos, poetas, como sempre, aos quais damos as mãos e seguimos a mesma vereda, em unidade, contra a falta de valores que, indiscriminadamente, regurgita sua anorexia sobre nós.

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