A arte, como profetizou Antonin Artaud, "não é a reflexão da vida, mas a vida é a reflexão de um princípio transcendente com o qual a arte nos volta a por em contato". Em alguns poetas, o espírito rebelde os identifica sempre com as forças libertárias, não canônicas, e estão em profunda sintonia com o que nos disse Artaud, como um Maiakovski, por exemplo. E esta força poderosa, como um turbilhão de energias, assolará eternamente a opressão onde quer que ela esteja. Dessa energia é composto o livro “Os Becos do Homem”, de Jorge Araújo, "uma experiência de poesia existencialista, de discussão do humano numa situação de confronto na sociedade contemporânea", afirma o próprio autor.
Jorge Araújo (1947) é baiano de Baixa Grande e Ilheense por adoção. Mestre e Doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ é ensaísta premiado diversas vezes. Publicou diversos livros, entre eles “Pegadas na praia: a obra de Anchieta em suas relações” (2003), “Dionísio & Cia na moqueca de dendê: desejo, revolução e prazer na obra de Jorge Amado” (2003), o belíssimo “Do penhor à pena: estudos do mito de Don Juan, desdobramentos e equivalências” (2005) e “Floração de Imaginários: O romance baiano no Século XX” (2008).
Em “Os Becos do Homem”, seu livro de estréia na poesia, Jorge Araújo transita pelas redondilhas, pelo haicai, pelo verso livre e pela metapoesia. Esse livro foi gestado durante todo um período de ditadura no Brasil (desde o início dos anos 1970) e publicado em 1982, onde o poeta nos oferece "uma poesia densa, reflexiva, engajada, pois se funda em duas direções políticas, a da inutilidade de certa ordem e a da incapacidade dos homens dessa ordem", como afirma Antônio Houaiss no prefácio do livro.
Jorge Araújo possui um dos instrumentos essenciais para o poeta na modernidade: dizer densamente aquilo que pretende, trafegando pelo indizível, mas sabendo sempre o que dizer, como neste fragmento de “Acalanto”:
Os sentimentos do homem
os seres do homem
os pesares do homem
lançaram-se no abismo
do consumo das coisas
fora de sua alma
O que o homem hoje diz
não corresponde ao eco
de sua destinação
(...)
Só uma eiva salva o homem hoje
da condenação de si a si mesmo
porque Herodes de seu menino
avatar de sua história
Ao homem só resta reencontrar-se
nas retinas do mundo.
Fulgurante, seu verso é valioso, quase inesgotável, e convida o leitor a voltar inúmeras vezes, pois é feito de inquietação; poesia que consegue estabelecer uma ligação orgânica de suas vivências e crenças pessoais com os anseios coletivos de grande complexidade. Como afirma José Maurício Gomes de Almeida em artigo publicado no jornal O GLOBO, em Outubro de 1982, "a poesia de Jorge Araújo assume integralmente esta marca suja da vida". Acompanhemos o poema “Presságio”:
Tempo haverá em que o medo
será artigo de quinta categoria
nas prateleiras do esquecimento
Então nos despediremos
da exatamência deste vil
relógio do tempo
a que nos vendemos hoje
e cruzaremos fartos de coragens
a fronteira doida do imenso vale
de nossa solidão
no exercício enfim da liberdade.
O poema retrata a ânsia do autor à espera de um tempo em que os grilhões da ditadura seriam quebrados, pois não havia grandes motivos para se animar com os rumos da abertura política no país. Era um tempo de ânsia e de expectativa retratado no poema “Leitura de Jornal”, o poema de Jorge que melhor se adequou ao nosso gosto.
Inquieto-me hoje
assim como ontem
e amanhã de igual forma
por essa multidão de sombras nos assuntos
dos jornais
essa procissão de sonhos nos assuntos
dos jornais
sem pouso nem porto certo
E se me arruíno e me intimido
e se me dou violenta surra moral
devo estourar os miolos
jogar-me da ponte sobre o mar
antes de virar a folha
dos assuntos dos jornais?
De mal a mal
na última página do primeiro caderno
dos assuntos dos jornais
desta terça-feira dia tal do ano tal
encontro algumas alternativas (enfim!)
o Flamengo tem tudo para sagrar-se
campeão das nossas sempiternas esperanças.
Lá se vão 23 anos do fim da ditadura, durante esse tempo, Jorge Araújo acabou se tornando um ensaísta e crítico dos mais premiados do país, entretanto, “Os Becos do Homem”, por sua vez, não perde o frescor, pois o inimigo está em toda parte, porém oculto; domina o capital, os grandes conglomerados empresariais e a informação, manipulando-a de acordo com as suas conveniências.
Mas o poeta não é apenas um escritor engajado, ele pensa a própria poesia a partir dos instrumentos que possui e assim questiona a sua condição ontológica em um espaço que privilegia cada vez mais o valor utilitário das coisas. Por isso escolhemos o metapoema “Querido Lavoisier” para rematar com chave de ouro as nossas considerações:
Já em poesia
nada se transforma
tudo se cria
o nada transforma
o tudo em cria
na forma do poema
tudo há e nada havia
(no sobre
tudo se lia
no sabre nada se via)
mas transformar a poesia
- é tudo e nada, sabia?
Poesia de nada servia?
Poesia em tudo, seria?
Formas de tudo sorvia
Transe do nada sumia
- Lavoisier, sem folia
a poesia, noite e dia
seduz a melancolia.
Jorge Araújo (1947) é baiano de Baixa Grande e Ilheense por adoção. Mestre e Doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ é ensaísta premiado diversas vezes. Publicou diversos livros, entre eles “Pegadas na praia: a obra de Anchieta em suas relações” (2003), “Dionísio & Cia na moqueca de dendê: desejo, revolução e prazer na obra de Jorge Amado” (2003), o belíssimo “Do penhor à pena: estudos do mito de Don Juan, desdobramentos e equivalências” (2005) e “Floração de Imaginários: O romance baiano no Século XX” (2008).
Em “Os Becos do Homem”, seu livro de estréia na poesia, Jorge Araújo transita pelas redondilhas, pelo haicai, pelo verso livre e pela metapoesia. Esse livro foi gestado durante todo um período de ditadura no Brasil (desde o início dos anos 1970) e publicado em 1982, onde o poeta nos oferece "uma poesia densa, reflexiva, engajada, pois se funda em duas direções políticas, a da inutilidade de certa ordem e a da incapacidade dos homens dessa ordem", como afirma Antônio Houaiss no prefácio do livro.
Jorge Araújo possui um dos instrumentos essenciais para o poeta na modernidade: dizer densamente aquilo que pretende, trafegando pelo indizível, mas sabendo sempre o que dizer, como neste fragmento de “Acalanto”:
Os sentimentos do homem
os seres do homem
os pesares do homem
lançaram-se no abismo
do consumo das coisas
fora de sua alma
O que o homem hoje diz
não corresponde ao eco
de sua destinação
(...)
Só uma eiva salva o homem hoje
da condenação de si a si mesmo
porque Herodes de seu menino
avatar de sua história
Ao homem só resta reencontrar-se
nas retinas do mundo.
Fulgurante, seu verso é valioso, quase inesgotável, e convida o leitor a voltar inúmeras vezes, pois é feito de inquietação; poesia que consegue estabelecer uma ligação orgânica de suas vivências e crenças pessoais com os anseios coletivos de grande complexidade. Como afirma José Maurício Gomes de Almeida em artigo publicado no jornal O GLOBO, em Outubro de 1982, "a poesia de Jorge Araújo assume integralmente esta marca suja da vida". Acompanhemos o poema “Presságio”:
Tempo haverá em que o medo
será artigo de quinta categoria
nas prateleiras do esquecimento
Então nos despediremos
da exatamência deste vil
relógio do tempo
a que nos vendemos hoje
e cruzaremos fartos de coragens
a fronteira doida do imenso vale
de nossa solidão
no exercício enfim da liberdade.
O poema retrata a ânsia do autor à espera de um tempo em que os grilhões da ditadura seriam quebrados, pois não havia grandes motivos para se animar com os rumos da abertura política no país. Era um tempo de ânsia e de expectativa retratado no poema “Leitura de Jornal”, o poema de Jorge que melhor se adequou ao nosso gosto.
Inquieto-me hoje
assim como ontem
e amanhã de igual forma
por essa multidão de sombras nos assuntos
dos jornais
essa procissão de sonhos nos assuntos
dos jornais
sem pouso nem porto certo
E se me arruíno e me intimido
e se me dou violenta surra moral
devo estourar os miolos
jogar-me da ponte sobre o mar
antes de virar a folha
dos assuntos dos jornais?
De mal a mal
na última página do primeiro caderno
dos assuntos dos jornais
desta terça-feira dia tal do ano tal
encontro algumas alternativas (enfim!)
o Flamengo tem tudo para sagrar-se
campeão das nossas sempiternas esperanças.
Lá se vão 23 anos do fim da ditadura, durante esse tempo, Jorge Araújo acabou se tornando um ensaísta e crítico dos mais premiados do país, entretanto, “Os Becos do Homem”, por sua vez, não perde o frescor, pois o inimigo está em toda parte, porém oculto; domina o capital, os grandes conglomerados empresariais e a informação, manipulando-a de acordo com as suas conveniências.
Mas o poeta não é apenas um escritor engajado, ele pensa a própria poesia a partir dos instrumentos que possui e assim questiona a sua condição ontológica em um espaço que privilegia cada vez mais o valor utilitário das coisas. Por isso escolhemos o metapoema “Querido Lavoisier” para rematar com chave de ouro as nossas considerações:
Já em poesia
nada se transforma
tudo se cria
o nada transforma
o tudo em cria
na forma do poema
tudo há e nada havia
(no sobre
tudo se lia
no sabre nada se via)
mas transformar a poesia
- é tudo e nada, sabia?
Poesia de nada servia?
Poesia em tudo, seria?
Formas de tudo sorvia
Transe do nada sumia
- Lavoisier, sem folia
a poesia, noite e dia
seduz a melancolia.
Um comentário:
Experimentei ler em voz alta excertos dos poemas que apresenta neste seu trabalho acerca do poeta Jorge Araújo.
Resultou em quase arrepio...
Conteúdo existencialista porque humanista à exaustão. Diria que de manifesto reflectido nos sentidos que ao homem são naturais e instintivos. Aqui desbravados consequentemente dando voz ao outro, pelo outro, que da voz não pode fazer palavra de ordem. O poeta pode... e faz.
Vou eu agora aqui tentar descobrir mais do poeta porque este seu trabalho me despertou a curiosidade e me deu a conhecer.
Obrigada
Um abraço
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