segunda-feira, 5 de março de 2012

Manuel Bandeira explica um formidável poema seu


       Em Estrela de uma vida inteira, Manuel Bandeira diz o seguinte sobre Vou-me embora pra Pasárgada, o seu mais famoso poema: foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias [...]. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Senti na redondilha a primeira célula de um poema [...]

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d`água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Um comentário:

Sol Maria Rodrigues disse...

Pois então. E tem professor de literatura que insiste em querer "enfeiar" o que é belíssimo...
Uma tosca homenagem ao poeta e ao Blog:

Para Manuel Bandeira
(meu segundo amor lírico)

Pasárgada não tem muito dessas coisas que se anseia.
Na porta tem tabuleta, dizendo em letras foscas:
Não seja besta!
Não seja bobo de querer mais do que mereça.

Pasárgada não tem muito do que se pensa.
Comer se come, mas mal, não tem cerveja.
De noite tem uma luz que é só tristeza;
o céu lá é mais cinzento, não se lamente...

Não se iluda meu querido e bom poeta:
Também já quis outro lugar, já quis mais festa.
Também cri serem mais serelepes
Outras promessas...

Desiludi examinando outros lugares:
Outros canteiros, outros jardins,
Outros altares. É tudo igual.
É dentro mesmo, que está a chave.

Solineide Maria
Inverno de 2008