quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ferreira Gullar X Oswaldo Montenegro

O jornalista Ancelmo Góis, em O Globo do último dia 03, levanta uma questão sobre plágio que é muito interessante e relativamente pouco conhecida. O entrevero se dá entre Ferreira Gullar e Oswaldo Montenegro. Segundo Ancelmo, Oswaldo Montenegro rebate acusação de Ferreira Gullar, de que a letra de sua música “Metade” é um plágio de “Traduzir-se”, poema que ficou nacionalmente conhecido após ser musicado por Fagner. “Esta confusão acontece há tempos. As duas obras são completamente distintas, embora abordem, ambas, a dualidade humana”, diz Montenegro. Gullar, como se sabe, não pensa assim.
Abaixo, poema e letra da música. Que acha o leitor?

Traduzir-se
Ferreira Gullar


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.


Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.


Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.


Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.


Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?



Metade
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.


Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste,
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.


Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.


E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

6 comentários:

Raphael Coutinho disse...

Bom, em que pese a convergência no tema, penso que os textos estão diferentes. Portanto, nada de plágio. [Também prefiro muito mais o "traduzir-se"]. Também penso que há um pouco de exagero na condenação do Montenegro. Uma vez que no Brasil o acusado já é o culpado. Também tem esse detalhe - e dos grandes. Mas se for plágio, que seja conforme Lautréamont defendeu. rs

Olga PGov disse...

São criações diferentes.
Afinal, quem é que não sente essa dualidade em si próprio e muitas vezes manifestou-se com algumas dessas palavras dos autores?
Isso não é inspiração exclusiva de poeta, querido e sinceramente admirado Ferreira Gullar
Não há plágio.

Valéria disse...

Gente, e o Oswaldo Montenegro com toda aquela criatividade precisa plagiar alguém? Não creio nisso mesmo! De qualquer forma, parece que o poema de Oswaldo foi publicado em 1975, enquanto que o outro foi mais tarde.
O trabalho de Oswaldo é maravilhoso porque além de ser um trabalho inteligente, ele conseguiu torná-lo popular; seu som é de excelente qualidade e as poesias, belíssimas. É uma vitória dele ter tanto sucesso sem precisar descer o nível.
Creio que o produto da arte de Oswaldo já nos apontou a resposta dessa controvérsia.

Marcos de Oliveira disse...

É...
que pena que um poeta como Ferreira Gullar ache que tenha o onopólio das palavras, das temáticas e dos sentimentos alheios. Ultimamente, para nossa tristeza, as polêmicas de Gullar tem ganhado sempre grande repercussões - a última foi com o queridíssimo Augusto Campos, grande concretista.

Anônimo disse...

Claro que é plágio, ele inseriu o metade de mim no poema bem depois, não havia essa parte, O Gullar está certíssimo. Osvaldo é um medíocre que surrupiou o véi! quer dar uma de intelectual, mas é um zé ruela!

Amanda B Almeida disse...

Olá.Em outros sites o poema que aqui vcs dão autoria de Oswaldo Montenegro é na verdade de Ferreira Gular. Acho que trocaram a autoria ao fazer o post. Poderiam revisar??