segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Vozes femininas da poesia na América do Sul - Delmira Agustini

Delmira Agustini (1886 – 1914) é uruguaia, nascida em Montevidéu. Filha de Italianos imigrantes, foi criança precoce. Consta em sua biografia que além de começar a escrever poemas quando ainda tinha 10 anos, estudou francês, música e pintura. Apesar de ter falecido muito cedo, com apenas 28 anos, ainda é considerada como uma das maiores poetas latino-americanos do início do século 20. Faz parte da geração de 1900, juntamente com Julio Herrera y Reissig, Leopoldo Lugones e Rubén Darío, a quem ela considerava seu professor. Naquele período, Darío, referindo-se à Agustini, afirma ter sido ela a única escritora mulher, desde Santa Teresa D’avila, a expressar-se como uma mulher, o que naquele tempo era mesmo um grande diferencial devido toda uma conjuntura machista existente.
Ela se especializou no tema da sexualidade feminina em uma época em que o mundo literário era dominado pelos homens. Seu estilo de escrita é considerado o melhor da primeira fase do modernismo, com temas baseados em fantasia e exotismos.
Eros, deus do amor, simboliza o erotismo e é a inspiração para os poemas Agustinianos sobre prazeres carnais. Ele é o protagonista de muitas das suas obras literárias. Seu terceiro livro, “Los Calices Vacíos” em 1913 foi aclamado como a sua entrada para um novo movimento literário, "La Vanguardia".
Agustini tinha olhos azuis, pele clara e uma figura esguia. Alguns amigos testemunharam que ela parecia um anjo inocente. O amor incondicional e arrogante levou-a a temas de submissão e de charme, assim como imagens eróticas altamente espiritualizadas.

Delmira Agustini publicou as seguintes obras: El Libro Blanco (1907), Cantos de la Mañana (1910), Los Cálices Vacíos (1913), El Rosario de Eros (1913), Los Astros del Abismo (1924). No Brasil tem publicado “Líricas”, edição bilíngüe, Desterro, SC, Edições Nephelibata, 2005. Tradução de Gleiton Lentz


O INTRUSO

Amor, naquela noite trágica e soluçante
Cantou tua chave de ouro em minha fechadura;
E logo, a porta aberta sobre a sombra arrepiante,
Te vi como uma mancha de luz e de brancura.

Tudo me iluminaram teus olhos de diamante;
Beberam-me na taça teus lábios de frescura,
Na almofada pousaste-me a cabeça fragrante;
Amei-te o atrevimento e adorei-te a loucura.

E hoje rio se ris e canto se tu cantas;
Se dormes, durmo como um cão a tuas plantas!
Na própria sombra levo a tua recendente

Primavera; e, se a mão tocas na fechadura,
Tremo e bendigo a noite que -soluçante e escura-
Floriu na minha vida tua boca amanhecente.

(Traduzido por Anderson Braga Horta)


O INEFÁVEL

Morro de estranho mal. Não, não me mata a vida
a morte não me mata e nem me mata o amor.
Morro de um pensamento mudo como ferida.
Não sentiste jamais aquela estranha dor

de um pensamento imenso enraizado à vida
devorando alma e carne e não alcança a dar flor?
Nunca levastes dentro uma estrela dormida
por inteiro a abrasar-vos sem nenhum fulgor?

Cúmulo dos martírios! Levar eternamente
desgarradora e seca a trágica semente
como um dente feroz que as entranhas corroeu.

Mas arrancá-la em flor que amanhecera um dia
milagrosa e ideal — ah! maior não seria
do que ter entre as mãos a cabeça de Deus.

(Tradução de Henriqueta Lisboa)

Ligação externa:
http://www.patriagrande.net/uruguay/delmira.agustini/index.html

Um comentário:

Fátima Santiago disse...

Que bacana, Gustavo, essa garimpagem pela poesia feminina. Nessa mina você tem achado muito ouro e nos presenteado com algumas pepitas, a exemplo desses sonetos da poeta Delmira Agustini. Parabéns pela bela pesquisa.