segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Um Pasticho genial

Pasticho é a imitação do estilo de determinado autor. Muitas vezes elaborado para ser a outra face do poema original. Não confundir com paródia, pois enquanto um à maioria das vezes homenageia o autor imitado, a outra imita com intenção satírica.
Em “Desencanto”, famoso poema de Manuel Bandeira, o poeta, por motivos muito conhecidos canta “Eu faço versos como quem morre”. Mais de trinta anos após, Jorge Medauar, ainda um jovem, diz em outro poema: “Eu faço versos como quem vive”. Deu-se, então, segundo Hélio Pólvora, “uma escaramuça cordial, com ampla repercussão nos meios literários do Rio de Janeiro”. O próprio Bandeira, ao nosso ver, erroneamente, tratou o poema de Medauar como uma paródia, o que, sem dúvida alguma, não é.


Desencanto
Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai gota à gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Esperança
Jorge Medauar

Eu faço versos como quem luta
De armas em punho... de armas nas mãos...
Forma ao meu lado, pois na labuta
Os companheiros são como irmãos.

Meu verso é aço. Fornalha ardente...
Peito ou bigorna... Braço ou trator...
Corre entre o povo. Salgado e quente,
Cai gota a gota, por que é suor.

E nestes versos de luta ousada
Deixo a esperança que sempre tive
Nas tintas rubras da madrugada.

- Eu faço versos como quem vive.

5 comentários:

Marcantonio disse...

Realmente, muito bom. Mas, genial? Não sei... Porque tem no outro sua referência, até esquematicamente, sendo daquele dependente como antítese, e por isso mesmo é citado aqui colado ao outro. Pessoalmente prefiro o tom desencantado de Bandeira do que o voluntarista de Medauar, mais "iludido".

Por acaso, "Desencanto" foi o primeiro poema que decorei. E nunca esqueci.

Abraço.

Gustavo Felicíssimo disse...

O poema de Bandeira é mesmo muito bonito, mas o de Medauar dá conta daquilo a que se propõe. Por isso o adjetivo "genial" que, concordo, pode ser exagerado, mas como disse, dá conta do que se propõe, tanto que Bandeira acabou por escrever um outro poema intitulado A Jorge Medauar, talvez mais bonito ainda que Desencanto. Eu mesmo já escrevi alguns que em breve publicarei aqui no blog. Valeu!

Gerana Damulakis disse...

Tive oportunidade de conversar com Medauar sobre estes 2 poemas.
Gustavo: sabe que tenho um poema de Jorge Medauar, feito para mim, escrito pela mão dele? Que joia, não é?

Gustavo Felicíssimo disse...

Se é! Esse poema foi publicado? Se não, poderia enviá-lo para mim? Estou trabalhando na reunião de toda a obra de Medauar + um livro inédito.

Gerana Damulakis disse...

Enviarei para você.