terça-feira, 7 de julho de 2009

Três poemas de Arménio Vieira

Vencedor do Prêmio Camões 2009, Vieira nasceu na cidade da Praia, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 24 de janeiro de 1941. Além de escritor, é jornalista, com colaborações em publicações como o “Boletim de Cabo Verde”, a revista “Vértice”, de Coimbra (Portugal), “Raízes”, “Ponto & Vírgula”, “Fragmentos” e “Sopinha de Alfabeto”. Algumas de suas obras são: “Poemas” (1981), “O Eleito do Sol” (1989) e “No Inferno” (1999).


CONSTRUÇÃO NA VERTICAL

Com pauzinhos de fósforo
podes construir um poema.

Mas atenção: o uso da cola
estragaria o teu poema.

Não tremas: o teu coração,
ainda mais que a tua mão,
pode trair-te. Cuidado!

Um poema assim é árduo.
Sem cola e na vertical,
pode levar uma eternidade.

Quando estiver concluído,
não assines, o poema não é teu.


QUIPROCÓ

Há uma torneira sempre a dar horas
há um relógio a pingar no lavabos
há um candelabro que morde na isca
há um descalabro de peixe no tecto.

Há um boticário pronto para a guerra
há um soldado vendendo remédios
há um veneno (tão mau) que não mata
há um antídoto para o suicído de um poeta.

Senhor, Senhor, que digo eu (?)
que ando vestido pelo avesso
e furto chapéu e roubo sapatos
e sigo descalço e vou descoberto.


LISBOA – 1971

A Ovídio Martins e Oswaldo Osório

Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.

Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela

Em verdade éramos o gado mais pobre
d’África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.

E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs
e queria saber d’onde… ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.

Porém o desencanto, que desce ao peito
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.

E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera,
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d’inverno.

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