Caríssimos, hoje, 21 de Julho, é o aniversário de Aleilton Fonseca, um dos bons companheiros e incentivador que possuo dentro da literatura na Bahia. Ele está comemorando 50 anos de idade. Que beleza!
Poeta, cronista, contista e romancista, faz parte da Academia de Letras da Bahia e também é professor universitário, com doutorado em Letras, pela USP. Trata-se de um escritor que já conquistou seu lugar na história da literatura baiana e quer mais, com certeza.
Desejamos a ele muito sucesso, paz, saúde, felicidade e enormes realizações.
Poeta, cronista, contista e romancista, faz parte da Academia de Letras da Bahia e também é professor universitário, com doutorado em Letras, pela USP. Trata-se de um escritor que já conquistou seu lugar na história da literatura baiana e quer mais, com certeza.
Desejamos a ele muito sucesso, paz, saúde, felicidade e enormes realizações.
Abaixo, um artigo que escrevi sobre sua poesia e também uma entrevista recente que fiz com ele.
Sugiro a visita a este blog: www.aleilton.blogspot.com
O homem cria a poesia, a poesia recria o homem
ou A poética existencialista de Aleilton Fonseca
O homem cria a poesia, a poesia recria o homem. É dessa forma que podemos olhar para a poética existencialista de Aleilton Fonseca, um grapiúna de Firmino Alves que passou a infância e a adolescência entre Ilhéus e Uruçuca. Aleilton reside em Salvador desde 1996 e sempre fez do estudo ligado à literatura o seu pão de todo dia, pois para ele a literatura é uma sentença de vida; uma forma eficaz de conhecer profundamente o ser humano.
Membro da Academia de Letras da Bahia e Doutor em Letras pela USP, Aleilton é professor do curso de Letras da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), fundador e co-editor da revista de arte e cultura “Iararana”, se notabilizou como contista e nessa área publicou “Jaú dos bois e outros contos” (1997); “O desterro dos mortos” (2001); “Canto de Alvorada” (2003) e o formidável Nhô Guimarães (2006), um romance de contista, segundo o próprio autor, concebido como uma homenagem ao escritor João Guimarães Rosa no cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas. No entanto seus três primeiros livros foram todos de poesia: “Movimento de sondagem” (1981); “O espelho da consciência” (1984) e “Teoria particular (mas nem tanto) do poema – ou poética feita em casa” (1994).
Alguns poemas desses três primeiros livros formam, juntamente com outros inéditos ou publicados de forma avulsa, o opúsculo “As formas do barro e outros poemas” (2006), uma seleta que comemora os seus 25 anos no fazer poesia e que nos dá uma boa idéia dos elementos que a compõem.
Há na poesia de Aleilton Fonseca uma tensão entre o clássico e o moderno, um querer embriagar-se que sabe dos perigos de tal atitude, por isso mantém um pé na tradição e outro na contemporaneidade, estabelece uma ordem entre o presente e o passado, dentro de uma forma modelar, reflexo da incerteza de um futuro frente ao presente fragilizado, explicitado no poema “Sondagem”:
No exercício da palavra
ressuscito de meus naufrágios
e construo novos barcos.
Encho-os de sorriso
que satisfazem aos desavisados.
E, pois, sol após sol,
singro o mar que não sei
e adio o suicídio
que nunca cometerei.
Quando possuímos alguma qualidade literária podemos evocá-la por precisarmos reconhecer nossa capacidade, concisão, graça ou leveza. Podemos, assim, estar fortalecidos no momento de utilizá-la em benefício da nossa poesia sem que seja necessário buscar um exemplo de boa aplicação em outros autores, de modo contrário nos tornamos imitadores baratos dos nossos pares ou daqueles que nos precederam. Assim, Aleilton expõe suas leituras e ousa misturar alquimicamente algo da poesia concreta de Décio Pignatari com os preceitos modernistas dos escritores da Semana de Arte de 1922 no poema “Consumatum est”:
Compre: beba, coma, vista
pegue, passe, pague, gaste-se
entre, coma, entre em coma
vista bacana, beba bacana
babe, beba, gaste a grana
compre linha, linho, lã.
(...) Cheque o seu cheque e mate-se:
impreste-se, suco ou muco,
ao consumo, à soma, avaro,
consuma-se de vez em vão,
corra, suma pelo ralo, morra,
mas ainda compre: um caixão.
Ousadia que se alicerça no domínio da linguagem, do ritmo, da estética e na maturidade de um autor que conhece e reconhece as montanhas do seu tempo, as respeita, e as homenageia como no poema “Canto de água preta”, onde o poeta brinca com o nome de outro bardo grapiúna, Florisvaldo Mattos:
(...) É um canto de verdes passagens
com flores, vau do (rio e) matos,
às sombras frias dos cacauais,
com seu corpo de ventos e regatos
e vozes de almas vivas e vendavais.
Os poemas apresentados até aqui, bem como todos aqueles inseridos em “As formas do barro e outros poemas”, obviamente, possuem autonomia enquanto unidade rítmica e semântica, mas estão incluídos em um conjunto, um projeto que mostra a cosmovisão do autor interessado pela essência poética, revelando que um poema não é apenas um fenômeno de linguagem, mas também de idéias. Prova disso é o destaque que tem as críticas em relação ao comportamento da nossa sociedade e a metaposeia em sua obra. Sobre este último exemplo, vários poemas poderiam ser destacados, inclusive o que dá título ao livro, porém, preferimos eleger outro, o poema “Manifesto”, que também poderia se chamar “Profissão de fé”, título de um poema de Olavo Bilac que traz em si o mesmo tom confessional que este de Aleilton:
Se contenho
o impulso da minha palavra
não sobrevivo à mudez:
Palavra é vida.
Se as armas capitulam
às amarras do dia-a-dia,
sangram ante ao fio do cutelo;
Mãos atadas; mãos decepadas.
Se as veias não veiculam
a brasa do sentimento,
sucumbem ao gelo da vida pedra.
Nada mais resta
senão fazer-se vida.
Enfim, estamos diante de um poeta consumado, alguém que, nos últimos 11 anos, a despeito de quase haver trabalhado contra a divulgação de seus próprios poemas, não conseguiu abandonar a poesia, ou ser abandonado por ela, disse o jornalista, crítico literário e poeta Ricardo Vieira Lima, prefaciador do livro aqui apresentado.
ENTREVISTA COM ALEILTON FONSECA
Gustavo Felicíssimo – Para você, Aleilton, quais podem ser as chaves de acesso à poesia?
Aleilton Fonseca – O acesso à poesia se dá por dois fatores iniciais. Primeiro, por indução e incentivo à leitura, através de recomendações de um leitor mais experiente, sejam pais, parentes, amigos, professores. Depois, esse acesso se dá através da sensibilidade pessoal, quando a própria pessoa, uma vez iniciada na leitura de poemas, vai fazendo suas descobertas e ampliando paulatinamente a sua experiência de leitura e de compreensão de obras e autores, tornando-se um leitor cada vez melhor. Nem todas as pessoas se identificam com a natureza do texto lírico, embora algumas vezes na vida possam experimentar momentos de percepção e fruição poéticas. Gostar de ler é uma tendência que precisa ser estimulada. Gostar de ler poesia é uma vocação rara, quase um dom; um sopro de uma sensibilidade especial. O acesso à poesia é misterioso; exige uma conjugação de sensibilidade, inteligência e capacidade de percepção para além do lógico, prosaico e cotidiano.
GF – Em um ensaio muito bonito e útil, você reflete sobre a situação do poeta na sociedade contemporânea, onde afirma que "o poeta moderno vive uma situação de deslocamento". Estamos, definitivamente, condenados a estar fora de contexto?
AF – Na antiguidade clássica, Platão expulsou o poeta da República, por uma questão filosófica. Como produtor de um discurso metafórico e imagístico, ele é "deslocado" da pólis, lugar de convívio dos homens práticos, senhores do discurso da ordem e dos saberes racionais. Na modernidade capitalista ocidental, o poeta foi expulso da metrópole por uma questão econômica. Como produtor de um discurso que se recusa a ser mercadoria, ele é "deslocado" do oikos¸ lugar de convívio dos homens práticos, donos do discurso da ordem e da produtividade de bens de consumo de massa. No entanto, em sua condição de deslocado, ou seja, fora de lugar, o poeta pode observar o mundo, com distanciamento e amplitude de visão, transformando sua experiência e vivências em discurso, numa linguagem de enunciação crítica da pólis moderna e contemporânea. Sua condenação é, semelhante àquela de Sísifo, rolar a pedra da poesia até o ponto mais alto possível da consciência humana. E recomeçar sempre a mesma jornada, repetindo os discursos da poesia moderna na contra-mão da própria modernidade.
GF – A poesia é a legítima defesa do poeta?
AF – A poesia é a legítima defesa e a condenação do poeta. Se perder a voz poética, ele pode entrar em sofrimento existencial. Anula-se, tornando-se um ser comum, em meio à multidão sem rosto. Por outro lado, o exercício da poesia o torna um ser marcado, para quem os homens práticos olham com desconfiança e disfarçada comiseração.
GF – Que relações você percebe estabelecer entre a sua obra em prosa e a sua poesia?
AF – A princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos. Tanto na poesia como na prosa, eu penso que sou um autor que parte de leituras da tradição moderna para dizer algo novo numa linguagem ao mesmo tempo trabalhada e acessível, simples e comunicativa. Quero ser simples, sem ser simplório. Meu objetivo não é complicar; mas sim encantar e impressionar o leitor. Mesmo que isso o incomode um pouco. Literatura é um diálogo cifrado à distância, no tempo e no espaço. O escritor escreve o que pensa e sente estar escrevendo; o leitor lê o que pensa e sente estar lendo. Cada qual forja seu texto, sua leitura, sua compreensão pessoal e intransferível do texto e da vida. O que lemos e sentimos, hoje, no texto de Dante, será o mesmo que ele pensou e sentiu ao escrever? Não, definitivamente não. Literatura é este mistério simples e insondável.
GF – Machado de Assis foi um bom poeta, porém seus contos e romances são extraordinários, o que fez os seus poemas serem relegados a um segundo, e até terceiro plano pela crítica e também pelos seus leitores. Dada a aceitação da sua obra em prosa por parte da crítica, leitores e mercado, você crê que isso também pode acontecer com os seus poemas?
AF – Em primeiro lugar, é impossível comparar um nome altamente consagrado, como Machado de Assis, com um simples autor contemporâneo. Mas, na verdade, tudo tem sua contrapartida lógica e necessária. Talvez até por causa desse relativo esquecimento, acaba de sair uma esmerada edição das poesias completas de Machado de Assis, por uma grande editora. Assim, os leitores são convidados e provocados a ler sua poesia. Ora, as circunstâncias também fazem o escritor. A ficção, sobretudo o romance, tem muito mais atenção das editoras, dos críticos e do mercado. Se o poeta escreve um romance, ou mesmo um livro de contos, tem mais chance de editar, crescer, ganhar algum dinheiro de direitos autorais. Se ele diz ao editor que tem um livro de poemas, recebe uma resposta lacônica e evasiva. Se anuncia um livro de contos, recebe a vaga promessa de que a obra será avaliada. Mas, se disser que está concluindo um romance, o editor logo se anima: "Ao terminar, mande-nos imediatamente". O que significa isso? Poesia não vende ou não querem vender poesia? Ficarei como poeta? Ficarei como ficcionista? Aliás, ficarei? Não sei. No fundo isso não me preocupa muito. Sou, sobretudo, um escritor: escrevo crônicas, contos, romance, ensaios e poesia. A crítica e os leitores que façam bom proveito, como acharem melhor. Fico satisfeito e agradecido que me leiam, que me notem, que avaliem o meu trabalho, quer seja poesia, ensaio ou ficção. O tempo é o verdadeiro e implacável juiz.
ou A poética existencialista de Aleilton Fonseca
O homem cria a poesia, a poesia recria o homem. É dessa forma que podemos olhar para a poética existencialista de Aleilton Fonseca, um grapiúna de Firmino Alves que passou a infância e a adolescência entre Ilhéus e Uruçuca. Aleilton reside em Salvador desde 1996 e sempre fez do estudo ligado à literatura o seu pão de todo dia, pois para ele a literatura é uma sentença de vida; uma forma eficaz de conhecer profundamente o ser humano.
Membro da Academia de Letras da Bahia e Doutor em Letras pela USP, Aleilton é professor do curso de Letras da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), fundador e co-editor da revista de arte e cultura “Iararana”, se notabilizou como contista e nessa área publicou “Jaú dos bois e outros contos” (1997); “O desterro dos mortos” (2001); “Canto de Alvorada” (2003) e o formidável Nhô Guimarães (2006), um romance de contista, segundo o próprio autor, concebido como uma homenagem ao escritor João Guimarães Rosa no cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas. No entanto seus três primeiros livros foram todos de poesia: “Movimento de sondagem” (1981); “O espelho da consciência” (1984) e “Teoria particular (mas nem tanto) do poema – ou poética feita em casa” (1994).
Alguns poemas desses três primeiros livros formam, juntamente com outros inéditos ou publicados de forma avulsa, o opúsculo “As formas do barro e outros poemas” (2006), uma seleta que comemora os seus 25 anos no fazer poesia e que nos dá uma boa idéia dos elementos que a compõem.
Há na poesia de Aleilton Fonseca uma tensão entre o clássico e o moderno, um querer embriagar-se que sabe dos perigos de tal atitude, por isso mantém um pé na tradição e outro na contemporaneidade, estabelece uma ordem entre o presente e o passado, dentro de uma forma modelar, reflexo da incerteza de um futuro frente ao presente fragilizado, explicitado no poema “Sondagem”:
No exercício da palavra
ressuscito de meus naufrágios
e construo novos barcos.
Encho-os de sorriso
que satisfazem aos desavisados.
E, pois, sol após sol,
singro o mar que não sei
e adio o suicídio
que nunca cometerei.
Quando possuímos alguma qualidade literária podemos evocá-la por precisarmos reconhecer nossa capacidade, concisão, graça ou leveza. Podemos, assim, estar fortalecidos no momento de utilizá-la em benefício da nossa poesia sem que seja necessário buscar um exemplo de boa aplicação em outros autores, de modo contrário nos tornamos imitadores baratos dos nossos pares ou daqueles que nos precederam. Assim, Aleilton expõe suas leituras e ousa misturar alquimicamente algo da poesia concreta de Décio Pignatari com os preceitos modernistas dos escritores da Semana de Arte de 1922 no poema “Consumatum est”:
Compre: beba, coma, vista
pegue, passe, pague, gaste-se
entre, coma, entre em coma
vista bacana, beba bacana
babe, beba, gaste a grana
compre linha, linho, lã.
(...) Cheque o seu cheque e mate-se:
impreste-se, suco ou muco,
ao consumo, à soma, avaro,
consuma-se de vez em vão,
corra, suma pelo ralo, morra,
mas ainda compre: um caixão.
Ousadia que se alicerça no domínio da linguagem, do ritmo, da estética e na maturidade de um autor que conhece e reconhece as montanhas do seu tempo, as respeita, e as homenageia como no poema “Canto de água preta”, onde o poeta brinca com o nome de outro bardo grapiúna, Florisvaldo Mattos:
(...) É um canto de verdes passagens
com flores, vau do (rio e) matos,
às sombras frias dos cacauais,
com seu corpo de ventos e regatos
e vozes de almas vivas e vendavais.
Os poemas apresentados até aqui, bem como todos aqueles inseridos em “As formas do barro e outros poemas”, obviamente, possuem autonomia enquanto unidade rítmica e semântica, mas estão incluídos em um conjunto, um projeto que mostra a cosmovisão do autor interessado pela essência poética, revelando que um poema não é apenas um fenômeno de linguagem, mas também de idéias. Prova disso é o destaque que tem as críticas em relação ao comportamento da nossa sociedade e a metaposeia em sua obra. Sobre este último exemplo, vários poemas poderiam ser destacados, inclusive o que dá título ao livro, porém, preferimos eleger outro, o poema “Manifesto”, que também poderia se chamar “Profissão de fé”, título de um poema de Olavo Bilac que traz em si o mesmo tom confessional que este de Aleilton:
Se contenho
o impulso da minha palavra
não sobrevivo à mudez:
Palavra é vida.
Se as armas capitulam
às amarras do dia-a-dia,
sangram ante ao fio do cutelo;
Mãos atadas; mãos decepadas.
Se as veias não veiculam
a brasa do sentimento,
sucumbem ao gelo da vida pedra.
Nada mais resta
senão fazer-se vida.
Enfim, estamos diante de um poeta consumado, alguém que, nos últimos 11 anos, a despeito de quase haver trabalhado contra a divulgação de seus próprios poemas, não conseguiu abandonar a poesia, ou ser abandonado por ela, disse o jornalista, crítico literário e poeta Ricardo Vieira Lima, prefaciador do livro aqui apresentado.
ENTREVISTA COM ALEILTON FONSECA
Gustavo Felicíssimo – Para você, Aleilton, quais podem ser as chaves de acesso à poesia?
Aleilton Fonseca – O acesso à poesia se dá por dois fatores iniciais. Primeiro, por indução e incentivo à leitura, através de recomendações de um leitor mais experiente, sejam pais, parentes, amigos, professores. Depois, esse acesso se dá através da sensibilidade pessoal, quando a própria pessoa, uma vez iniciada na leitura de poemas, vai fazendo suas descobertas e ampliando paulatinamente a sua experiência de leitura e de compreensão de obras e autores, tornando-se um leitor cada vez melhor. Nem todas as pessoas se identificam com a natureza do texto lírico, embora algumas vezes na vida possam experimentar momentos de percepção e fruição poéticas. Gostar de ler é uma tendência que precisa ser estimulada. Gostar de ler poesia é uma vocação rara, quase um dom; um sopro de uma sensibilidade especial. O acesso à poesia é misterioso; exige uma conjugação de sensibilidade, inteligência e capacidade de percepção para além do lógico, prosaico e cotidiano.
GF – Em um ensaio muito bonito e útil, você reflete sobre a situação do poeta na sociedade contemporânea, onde afirma que "o poeta moderno vive uma situação de deslocamento". Estamos, definitivamente, condenados a estar fora de contexto?
AF – Na antiguidade clássica, Platão expulsou o poeta da República, por uma questão filosófica. Como produtor de um discurso metafórico e imagístico, ele é "deslocado" da pólis, lugar de convívio dos homens práticos, senhores do discurso da ordem e dos saberes racionais. Na modernidade capitalista ocidental, o poeta foi expulso da metrópole por uma questão econômica. Como produtor de um discurso que se recusa a ser mercadoria, ele é "deslocado" do oikos¸ lugar de convívio dos homens práticos, donos do discurso da ordem e da produtividade de bens de consumo de massa. No entanto, em sua condição de deslocado, ou seja, fora de lugar, o poeta pode observar o mundo, com distanciamento e amplitude de visão, transformando sua experiência e vivências em discurso, numa linguagem de enunciação crítica da pólis moderna e contemporânea. Sua condenação é, semelhante àquela de Sísifo, rolar a pedra da poesia até o ponto mais alto possível da consciência humana. E recomeçar sempre a mesma jornada, repetindo os discursos da poesia moderna na contra-mão da própria modernidade.
GF – A poesia é a legítima defesa do poeta?
AF – A poesia é a legítima defesa e a condenação do poeta. Se perder a voz poética, ele pode entrar em sofrimento existencial. Anula-se, tornando-se um ser comum, em meio à multidão sem rosto. Por outro lado, o exercício da poesia o torna um ser marcado, para quem os homens práticos olham com desconfiança e disfarçada comiseração.
GF – Que relações você percebe estabelecer entre a sua obra em prosa e a sua poesia?
AF – A princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos. Tanto na poesia como na prosa, eu penso que sou um autor que parte de leituras da tradição moderna para dizer algo novo numa linguagem ao mesmo tempo trabalhada e acessível, simples e comunicativa. Quero ser simples, sem ser simplório. Meu objetivo não é complicar; mas sim encantar e impressionar o leitor. Mesmo que isso o incomode um pouco. Literatura é um diálogo cifrado à distância, no tempo e no espaço. O escritor escreve o que pensa e sente estar escrevendo; o leitor lê o que pensa e sente estar lendo. Cada qual forja seu texto, sua leitura, sua compreensão pessoal e intransferível do texto e da vida. O que lemos e sentimos, hoje, no texto de Dante, será o mesmo que ele pensou e sentiu ao escrever? Não, definitivamente não. Literatura é este mistério simples e insondável.
GF – Machado de Assis foi um bom poeta, porém seus contos e romances são extraordinários, o que fez os seus poemas serem relegados a um segundo, e até terceiro plano pela crítica e também pelos seus leitores. Dada a aceitação da sua obra em prosa por parte da crítica, leitores e mercado, você crê que isso também pode acontecer com os seus poemas?
AF – Em primeiro lugar, é impossível comparar um nome altamente consagrado, como Machado de Assis, com um simples autor contemporâneo. Mas, na verdade, tudo tem sua contrapartida lógica e necessária. Talvez até por causa desse relativo esquecimento, acaba de sair uma esmerada edição das poesias completas de Machado de Assis, por uma grande editora. Assim, os leitores são convidados e provocados a ler sua poesia. Ora, as circunstâncias também fazem o escritor. A ficção, sobretudo o romance, tem muito mais atenção das editoras, dos críticos e do mercado. Se o poeta escreve um romance, ou mesmo um livro de contos, tem mais chance de editar, crescer, ganhar algum dinheiro de direitos autorais. Se ele diz ao editor que tem um livro de poemas, recebe uma resposta lacônica e evasiva. Se anuncia um livro de contos, recebe a vaga promessa de que a obra será avaliada. Mas, se disser que está concluindo um romance, o editor logo se anima: "Ao terminar, mande-nos imediatamente". O que significa isso? Poesia não vende ou não querem vender poesia? Ficarei como poeta? Ficarei como ficcionista? Aliás, ficarei? Não sei. No fundo isso não me preocupa muito. Sou, sobretudo, um escritor: escrevo crônicas, contos, romance, ensaios e poesia. A crítica e os leitores que façam bom proveito, como acharem melhor. Fico satisfeito e agradecido que me leiam, que me notem, que avaliem o meu trabalho, quer seja poesia, ensaio ou ficção. O tempo é o verdadeiro e implacável juiz.
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