quarta-feira, 8 de julho de 2009

Alguns Toureiros

João Cabral de Melo Neto

Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.

Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.

Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.

E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.

Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,

sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:

como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,

e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema.

2 comentários:

Pedro Montalvão disse...

Estou com o sol nascendo ali na frente, vem do lado de Angola. A bateria da camera em riste negou-me a recordacao desta violencia de cores sobre a pele do mar bravo. Podia ser uma foto para aquela maravilha que Armenio Vieira escreveu, da Lisboa de 1971. Olho para o lado onde imagino estar Santiago, la no meio deste mar todo e relembro o Tarrafal num dia de vento.O sol ja nasceu e eu aqui, no cimo de um ermo outeiro. Mar, muito mar. Obrigado Gustavo e obrigado Armenio Vieira.Ilheus, Bahia,

... disse...

Caro Gustavo,

Depois da leitura desse belo poema, aproveito para parabenizá-lo pela construção desse blog. Eu, como amante de Literatura e Linguagem, sinto-me bastante feliz ao adentrar esses conteúdos, muito bem selecionados, trazendo-nos novas reflexões. Outra coisa que merece atenção é o incentivo especial à literatura produzida na Bahia.

Atenciosamente,
Murilo Rafael.