Artesanal
de ritmos e de imagens – músico da língua, falando uma linguagem da música -,
eis o poeta: ser arquetípico através do qual o homem se reconhece no que há de
mais estranho e mais familiar: ele mesmo. Ele mesmo que é sempre outro –
aquele que vem nas lembranças. Mas as lembranças do poeta não consistem na
rememoração pura e simples de fatos ocorridos em sua vida pessoal ou mesmo no
curso da história conhecida do homem. Suas lembranças são lembranças de ser, que afloram misteriosa e naturalmente
quando o tempo é chegado. Algo parecido –
exceto talvez pela periodicidade irregular – com as árvores, que, chegada a
primavera, lembram-se de florir. No mundo poético, o tempo é esférico e a lei que
o rege é a do “eterno retorno”.
Roberval Pereyr
Em:
A unidade primordial da lírica moderna, p. 20.
Editoras
UEFS /7Letras, Rio de Janeiro, 2012.
Blues para Marília II
Gustavo
Felicíssimo
Trago no peito o cheiro de minha terra,
o perfume do café que até hoje sangro.
Trago comigo uma cidade
que está em mim onde eu estiver.
E por trazer essa cidade tão juntinho
é que uma flauta ainda vibra em minha vida.
Essa flauta sussurra uma melodia
como se dissesse surdamente o que de fato diz.
Eu não esqueço o que me pronuncia
e a ninguém necessito revelar.
Escuto apenas, como às locomotivas
que ainda transitam em mim.
Escuto apenas, e à margem do que sou
sei exatamente o que não fui.
3 comentários:
A saudade da terra natal, um dos temas recorrentes na poesia - Marília é também "um retrato na parede", como dói, Gustavo.
Imagina, Fatinha, se eu fosse português.
Você está mais pra Santamarense: "Alegria pra tocar a batucada, as moremas vão sambar, quem samba tem alegria. Minha gente era triste amargurada, inventou a batucada pra deixar de padecer, salve o prazer, salve o prazer!" (Assis Brasil). bjs
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