terça-feira, 25 de setembro de 2012

Artesanal de ritmos e de imagens


Artesanal de ritmos e de imagens – músico da língua, falando uma linguagem da música -, eis o poeta: ser arquetípico através do qual o homem se reconhece no que há de mais estranho e mais familiar: ele mesmo. Ele mesmo que é sempre outro – aquele que vem nas lembranças. Mas as lembranças do poeta não consistem na rememoração pura e simples de fatos ocorridos em sua vida pessoal ou mesmo no curso da história conhecida do homem. Suas lembranças são lembranças de ser, que afloram misteriosa e naturalmente quando o tempo é chegado.  Algo parecido – exceto talvez pela periodicidade irregular – com as árvores, que, chegada a primavera, lembram-se de florir. No mundo poético, o tempo é esférico e a lei que o rege é a do “eterno retorno”.
Roberval Pereyr
Em: A unidade primordial da lírica moderna, p. 20.
Editoras UEFS /7Letras, Rio de Janeiro, 2012.

Blues para Marília II
      Gustavo Felicíssimo

Trago no peito o cheiro de minha terra,
o perfume do café que até hoje sangro.
Trago comigo uma cidade
que está em mim onde eu estiver.
E por trazer essa cidade tão juntinho
é que uma flauta ainda vibra em minha vida.
Essa flauta sussurra uma melodia
como se dissesse surdamente o que de fato diz.
Eu não esqueço o que me pronuncia
e a ninguém necessito revelar.
Escuto apenas, como às locomotivas
que ainda transitam em mim.
Escuto apenas, e à margem do que sou
sei exatamente o que não fui.

3 comentários:

Fátima disse...

A saudade da terra natal, um dos temas recorrentes na poesia - Marília é também "um retrato na parede", como dói, Gustavo.

Gustavo Felicíssimo disse...

Imagina, Fatinha, se eu fosse português.

Fátima disse...

Você está mais pra Santamarense: "Alegria pra tocar a batucada, as moremas vão sambar, quem samba tem alegria. Minha gente era triste amargurada, inventou a batucada pra deixar de padecer, salve o prazer, salve o prazer!" (Assis Brasil). bjs