Ano
que vem lembraremos muito de dois gênios da literatura brasileira por conta da
passagem do centenário de ambos. Falo de Rubem Braga e Vinícius de Morais, pelo
menos para mim, o maior cronista e o maior poeta brasileiro, respectivamente. Vai
daí que desfazendo as tralhas com livros e recortes que trouxe do Espírito
Santo, encontro uma fotocópia de uma singela, intensa e sentida crônica elegíaca
de Rubem para Vinícius que nos dá as cores e os tons dos laços que uniam esses
dois gênios e que merece ser lida e relida sempre e sempre e mais.
Recado de
Primavera
Rubem
Braga
Meu
caro Vinicius de Moraes:
Escrevo-lhe
aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu
antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu
nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas
de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — acho que
você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio
um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma
galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.
O
sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico
com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de
samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito
matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no
bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para
ele pôr seus ovos.
Isto
é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da
roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em
minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há
moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de
Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você
tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera
nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando
um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças
em flor. Adeus.
Setembro,
1980
Nota: Vinícius faleceu
em Julho de 1980.
Um comentário:
Lindo, Gustavo. É quase um poema, de tão condensado o afeto pelo amigo. Abraços.
Postar um comentário