Jorge
Elias Neto
Uma
ilha dentro da ilha. Poderia definir assim o local onde conversávamos,
tranquilamente, sobre literatura. A constante discussão, entre os raros
interessados, sobre a evolução – aí já se encontra embutida uma fonte de
discordância excitante – que ocorreu na poesia brasileira nos últimos cem anos...
Bravos companheiros e fantasmas, nós, na antessala do auditório da Biblioteca
Pública Estadual. Uma ilha dentro da ilha...
Uma
ilha, cujo centro – outrora presépio –, hoje, nos implora um resgate do
abandono; cujos bairros sofrem um processo de verticalização que de tão absurdo
já ouvi alguém dizer que é ecologicamente o mais correto.
Fazer
o quê, aqui ilhado, discutindo o poema enquanto lá fora se desfazem os tons
poéticos e se constroem vitrines de automóveis.
E
foi justamente um automóvel que interrompeu nosso entusiasmo e nos levou à
varanda.
Deparamos
com algo comum: um carro cujo motor enfurecido urrava para funcionar. No mais,
tudo transcorria “tranquilo”: os pedestres passavam, as crianças jogavam futebol
na quadra. Realmente nada de anormal acontecia.
Mas
um bando de anus brancos foi buscar repouso (era fim de tarde) nos galhos da
aroeira, justo onde estacionara o carro.
Logo
que os entusiasmados anus começaram a lançar seus piados costumeiros, os
meninos interromperam a pelada, e o que estava mais perto da grade de proteção
passou pelo buraco utilizado como acesso,
aproximou-se do pé da árvore e foi logo lançando um: − Cala boca p... (e
o som se propagou como uma pedrada que calou imediatamente os anus e os
poetas).
Um
amigo me cutucou e mostrou uma pichação no muro da quadra: “O ritmo mudou”. Saímos
da varanda rindo do que consideramos, naquele momento, um chiste.
Restou
o ruído do carro para o bem dos ouvidos sensíveis de crianças que não aprenderam
a apreciar a poesia.
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